Quem passa pelo cruzamento da Avenida Dantas Barreto com a Avenida Guararapes, na área central do Recife, na altura do Edifício Pernambuco, certamente já se deparou com um senhor sentado na beirada da pista desenhando no asfalto com gesso. Conhecido entre os comerciantes da região como 'Carlinhos Bala', em referência ao jogador de futebol, Manuel vive em situação de rua e sua arte é um cano de escape para resistir diariamente aos desafios de viver no centro urbano.
Sobre o apelido, Manuel conta que é por causa do cabelo cacheado semelhante ao de Bala, mas dispensa a comparação. “Se eu fosse o Carlinhos Bala, eu não tava aqui. Tava andando de avião, comendo coisas boas e jogando muita bola”, diz. Em sua rotina, Manuel se divide entre a Avenida Dantas Barreto, onde passa a maior parte do dia desenhando, a antiga Ponte Giratória e o Cais de Santa Rita, no Bairro do Recife. No Cais, ele diz que faz as principais refeições quando tem um “trocado”.
##RECOMENDA##
Dos 70 anos vividos de Manuel, pelo menos 40 foram na rua. Na conta do morador de rua, há 20 anos ele desenha nas pistas do centro da capital pernambucana. O artista nasceu em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife, e morou durante anos com sua mãe e seus familiares. Decidiu sair de casa porque era muito cheia. Manuel não especifica os detalhes que o levaram às ruas do centro, mas diz ser feliz com a profissão de artista de rua, apesar da pouca valorização das pessoas que circulam. “As pessoas não me ajudam, quase não ganho dinheiro”, lamenta.
[@#galeria#@]
Como todo bom artista, Manuel tem seus métodos próprios e sua arte é espontânea. Não há uma hora exata para o início do expediente, mas por volta das 9h, ele já recolhe o material de trabalho, que fica guardado em cima de uma das paradas de ônibus e senta na calçada. Os traços são firmes, desenhos na maioria das vezes geométricos. Para que o contato do gesso com o asfalto não produza poeira e machuque os seus olhos, Manuel coloca o material dentro de um pote de margarina com água. “O gesso fica molhado e não sobe poeira para o meu rosto”, diz.
Os pertences de Manuel andam com ele o tempo todo. Tudo cabe dentro de um carrinho de feiras, daqueles de supermercado. Nele, caixas, lençóis de dormir, latas vazias para servir de prato e cigarros. Desenhando em frente a um estabelecimento de self-service, o cheiro da comida fresca o relembra a todo instante que ainda não comeu. “Hoje não consegui um dinheirinho pra me alimentar”, conta.
Apesar dos desafios, ele não desiste.Na esquina, onde pinta os chãos, a poucos metros da sua arte, passam ônibus e carros. Ele diz que não se preocupa e fica a uma distância segura para não ser atingido pelos veículos. Nem a chuva impede Manuel de seguir desenhando.
“Esse é o melhor desenhista que já conheci”, diz um sapateiro das proximidades do local. Um outro comerciante, dono de uma barraca em frente ao ponto de Manuel, conta ser um dos maiores fãs do artista. “Ele é conhecido por todo mundo que mora por aqui. Sua arte deveria ir para a televisão. Ele vai ficar mais famoso um dia”, torce o vendedor.
Entre um risco e outro, o branco do gesso contrasta com o asfalto. Aos poucos, a cada traço, a arte urbana de Manuel contribui para uma cidade mais bonita e menos cinza. No desenho, ele expressa suas idealidades e sentimentos. Famoso e querido pelos que transitam pela via, Manuel é reconhecido pela sua arte e faz da rua seu palco.
[@#video#@]