O assassinato de Genivaldo Jesus dos Santos por dois agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que transformaram a viatura da instituição em câmara de gás improvisada, foi tratado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, como um "fato isolado". Torres participou nesta quarta-feira, 15, de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, na qual prestou esclarecimentos sobre o caso. Segundo o ministro, tudo o que podia ser feito em relação à morte já foi realizado.
Além de abordar o caso Genivaldo, o ministro da Justiça tratou das medidas da sua pasta em relação ao desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na Amazônia. Segundo ele, "parece que o caso está esclarecido", mas não poderia comentar porque está em andamento. Quando questionado, Torres disse ter dado "a devida importância ao caso" e afirmou "estar muito perto" de elucidar eventuais crimes. O governo demorou mais de cinco dias para enviar a Força de Segurança Nacional à região para apoiar as buscas. Os primeiros a agir nas incursões foram os indígenas do Vale do Javari.
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O ministro da Justiça havia sido convocado para participar da audiência, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), derrubou a decisão da Comissão de Direitos Humanos. A convocação foi então convertida em convite. Em sua fala inicial nesta quarta, Torres chegou a dizer que o fato envolvendo a morte de Genivaldo "é grave" e "lamentável", mas que "todas as medidas legais foram adotadas". Segundo o ministro, "tudo corre bem".
"Esse ato foi isolado, não condiz com a PRF. Não estou fazendo juízo de valor, até porque não posso. Hoje, estamos diante de uma das melhores instituições de estado do mundo", afirmou. "É um fato grave, que todas as medidas legais foram adotadas. Todas as providências foram adotadas. Tudo corre bem", disse em outro momento.
Ao ser confrontado pelos parlamentares da oposição sobre o tratamento dado aos familiares da vítima, Torres se queixou do fato de o assassinato de dois agentes da PRF, em Fortaleza, não ter se tornado objeto de discussão na Câmara. "A gente precisa medir as coisas. A gente precisa dar o mesmo valor a todas as vidas. Na semana anterior, foram assassinados dois policiais e não vi essa reação", afirmou.
Na contramão das declarações do ministro, a deputada federal Taliria Petrone cobrou atuação mais firme da pasta da Justiça para coibir a ocorrência de casos semelhantes. "A gente lamentavelmente viu um homem executado, com transtornos mentais, mais uma vez um homem negro, algemado, imobilizado e colocado em uma câmara de gás, que nos remete a tempos que não queremos revisitar. Ele foi torturado por agentes do Estado (
) Este Ministério precisa se responsabilizar", afirmou.
"Nós estamos vivendo um retrocesso democraticamo gravíssimo. É responsabilidade de agentes públicos evitar mortes sistemáticas por parte de agentes do estado, ou por ações ilegais e omissões", frisou em outro momento.
O deputado Túlio Gadelha (Rede-PE) confrontou o ministro da Justiça com o fato de o presidente Jair Bolsonaro (PL) participar das chamadas motociatas sem fazer uso de capacete. Segundo o boletim de ocorrência da PRF, Genivaldo foi abordado pelos agentes por não utilizar o equipamento de segurança enquanto transitava no município de Umnaúba (SE). Para Torres, não cabe ao seu Ministério ou à PRF fazer o presidente seguir o código de trânsito. "Existem leis específicas que regulamentam a segurança da presidência", disse. "Se houver algum problema em relação a isso, a lei tem que ser revista", prosseguiu.
A audiência também contou com a presença do diretor-geral da PRF, Silvanei Vasques, que disse não fazer parte dos procedimentos da instituição o protocolo adotado contra Genivaldo. Segundo Vasques, os policiais envolvidos no caso foram completamente afastados de suas funções e não possuem mais acesso às instalações da corporação, armas e fardas.
O diretor-geral da PRF ainda comentou o caso do ex-agente rodoviário federal, Ronaldo Bandeira, que dias após o caso em Sergipe viralizou nas redes sociais por causa de um vídeo em que ensina alunos do curso preparatório Alfacom técnicas de tortura iguais às utilizadas no assassinato de Genivlado. Ele foi afastado após as imagens circularem.
"A gente não compactua com aquela fala. O que aconteceu em Sergipe nunca foi ensinado em nenhuma escola da PRF, na nossa universidade, em nenhum curso da nossa instituição. Não ocorreu nenhum tipo de orientação para aquele procedimento. A instituição considera aquele fato grave e vai trabalhar para a elucidação", afirmou.
Assim como o ministro da Justiça, o diretor-geral da PRF foi confrontado pelo fato de a corporação ter extinguido a disciplina de direitos humanos do quadro de atividades preparatórias de agentes. Segundo Vasques, a exclusão dessa área de conhecimento da matriz curricular dos policiais "foi uma questão de formalidade", pois o ensinamento da matéria passou a ser "transversal" em todos os campos de formação.
"A gente pegou os instrutores de direitos humanos e eles, de forma transversal, passaram a matéria em todas as disciplinas", disse. "A gente entende que dessa forma a temática consegue ser mais disseminada entre os alunos", justificou.
Motociata com Allan dos Santos
Torres foi questionado pelo deputado Paulo Teixeira (PT) por ter acompanhado Bolsonaro em uma motociata organizada em Los Angeles, nos Estados Unidos, durante a Cúpula das Américas. O ato contou com a participação do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que encontra-se na condição de foragido após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinar sua prisão por divulgar notícias falsas atentatórias à separação dos Poderes. "É lícito o ministro da justiça conviver com foragidos da Justiça do seu país?, perguntou o parlamentar.
O ministro disse não ter se encontrado com Allan do Santos e que teria descoberto por meio da imprensa a presença dele no ato em apoio a Bolsonaro. Torres relativizou o fato de o blogueiro ser considerado foragido da Justiça brasileira porque, segundo ele, a Interpol não reconheceu a ordem de Moraes. A instituição analisa o caso para decidir se pode atuar, pois tanto o bolsonarista quanto autoridades brasileiras acusam o mandado de prisão de incorrer em perseguição política, o que impede a atuação da força policial internacional.