Representatividade preta conquista espaços na sociedade

Mulheres negras eleitas para a Câmara Municipal de Belém confirmam o fortalecimento do movimento antirracista

por sex, 27/11/2020 - 19:49

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O racismo está presente na sociedade brasileira, em diversos espaços, desde o período da colonização até os dias atuais. Porém, nos últimos anos, a representatividade preta ganha cada vez mais relevância. Um exemplo foi a eleição de quatro vereadoras negras para a Câmara Municipal de Belém, na última eleição, realizada dia 15 de novembro.

A vereadora mais votada de Belém, mulher negra e LGBTQI+, Vivi Reis ressaltou  o aumento do número de vereadoras eleitas, mulheres negras, LGBTs e pessoas trans. "Isso mostra que a gente vem avançando no processo de organização, de construção e de luta, mas ainda temos muita coisa pela frente”, disse.

Ela destaca também a importância das mulheres negras em espaços políticos. “Nós, enquanto mulheres negras, temos muito a contribuir, pois somos nós que vivemos a realidade da cidade e sentimos na pele tudo isso. Por isso que o poder de decisão também precisa ser nosso”, destacou.

A recém-eleita vereadora aponta que continuará lutando pelo lugar das mulheres negras na política. “Hoje, eu sou uma das poucas que estão nesse espaço da política institucional, mas eu tenho certeza que futuramente nós seremos muitas e que nós vamos conseguir, de fato, mover as estruturas porque é a nossa força de trabalho que move o mundo e que hoje, através da nossa luta, nós vamos transformar toda essa realidade. Então vamos à luta pelas nossas vidas, pelo nosso povo. Vamos virar essa mesa do poder e mostrar que, sim, vidas negras importam e é a luta das mulheres que muda o mundo”, afirmou.

Beatriz Caminha, eleita a vereadora mais jovem de Belém, com 21 anos, falou sobre a representatividade preta na política. “Ser uma mulher negra na política não é fácil, mas é necessário porque, quando a gente entra para a política, a gente entra lutando e defendendo um primeiro direito, que é o direito mais fundamental de todos, o direito de existir, o direito de viver”, ressaltou. “Essa mensagem é a mensagem mais forte, é a mensagem também de esperança, de ver que a gente chegou em três mulheres eleitas nas eleições em Belém e que a gente pode chegar em muito mais, é fundamental, então que a gente esteja nesses espaços.”

Beatriz destaca também a relevância que a candidatura de mulheres pretas. “Se existe uma radicalização do lado de lá, do ódio, do fascismo, daqui existe também um significado que representa a nossa candidatura, que a gente não aceita mais não nos ver nos espaços de poder, que a gente não aceita mais não se ver representado nas Câmaras legislativas da nossa cidade, e é um significado que me traz muita esperança que novos dias virão para a nossa cidade, para o nosso Estado e para o nosso país”, comentou.

Carla Reis, professora de literatura, redação e ativista na luta antirracista, observou como o racismo se apresenta. "Eu olho ao redor e não vejo professoras e professores negros em sua maioria, não vejo o meu igual naquele ambiente”, afirmou. “Trabalhar em locais em que eu talvez seja a única ou uma das únicas professoras negras faz toda a diferença dentro do meu grupo social, dentro da questão de ser mulher, de ser negra e de estar em locais em que a sociedade tenta a todo custo nos tirar faz toda diferença.”

“Antes de qualquer coisa, para as pessoas pretas, a nossa cor se apresenta antes da gente abrir a boca, então por muitas vezes as pessoas estranhavam quando eu dizia que eu era professora, foi um olhar de espanto, não parecia comum, não é comum ter uma professora negra”, comentou Carla.

A professora discutiu também a questão da criação de um componente curricular específico para tratar das relações étnico-raciais. “Eu abordo, por exemplo, a questão da literatura, eu sempre gostei de ler, sempre fui apaixonada pela literatura, mas nunca me sentia representada. Porque o povo preto era sempre subalterno ou quando não era subalterno, era o vilão da história”, afirmou. “A minha monografia na faculdade fala sobre o protagonismo da mulher preta dentro da obra da Conceição Evaristo, 'Olhos D'água', que foi a primeira obra que eu li e eu me vi do início ao fim como protagonista. Eu li e vi os meus pares eu vi os ‘meus’, e fez toda diferença. Então mais do que nunca a gente precisa da criação de um componente curricular específico para tratar das questões étnicos-raciais, embora exista uma lei que diz que as escolas, as faculdades devem trabalhar isso e de forma transversal mas sabemos que isso é totalmente negligenciado.”

Carla ressalta o poder que a educação possui de mudar esse cenário. ”A educação é capaz de mudar tudo sempre, dentro da minhas aulas é muito importante que os alunos reconheçam isso. Se eu eu vou falar de literatura eu trato sempre de autores negros, embora fale de outros brancos, mas autores negros não faltam, eu sempre trato essa questão para que eles possma nos ver, para que eles possam ter a semente da reflexão que as coisas estão erradas”, relatou a professora. “Talvez se eu não fosse professora eu não pudesse fazer isso de forma tão ativa e tão abrangente. Ou seja, o total apoio à educação pode mudar tudo, até esse olhar diante dessa situação extremamente horrível que infelizmente a gente tem que viver todos os dias.”

A psicóloga e professora Bárbara Sordi também debateu sobre o mito da democracia racial no Brasil e o motivo de algumas pessoas proferirem falas ilusórias. “Uma das imagens do povo brasileiro é de fingir que somos um povo alegre amistoso e que não há conflito entre nós. Esse mito da democracia racial faz pensar que no Brasil não tem racismo. O racismo se estabeleceu de formas diferentes em vários lugares do mundo.  No Brasil ele se institucionaliza a partir do mito da democracia racial[...] é uma forma de se camuflar e invibilizar e se fazer com que o racismo continue presente”, afirmou.

A violência contra as pessoas negras tornou-se parte da normalidade do país. O último caso de grande repercussão foi o de João Alberto Freitas, assassinado por seguranças brancos do supermercado Carrefour, de Porto Alegre. Bárbara ressalta essa violência contra a população preta e explica por que ela continua tão presente. “Há uma banalização e uma naturalização da violência contra as pessoas negras, que em sua grande parte é periférica, isso é um processo histórico sociocultural que vem desde o período de colonização”, afirmou. “É importante que a gente comece falar mais para tirar da esfera da naturalização e pra implicar a sociedade nos seus feitos, que são cotidianos, porque essa violência é uma violência que foi publicizada, mas quantas dessas violências não acontecem todo dia, toda hora, perto de nós, muitas vezes cometidas por nós, dentro das nossas casas? A gente precisa começar a debater de forma política e responsabilizar (os autores desses) esses crimes.”

A psicóloga comenta também sobre a importância de pessoas brancas se posicionarem antirracistas. “A maior parte das pessoas acreditam que não precisam se posicionar nesse debate justamente por essa não implicação de não se reconhecer como um corpo político e não reconhecer o outro como um corpo político. Se eu não me reconheço eu não compreendo também os privilégios que eu tenho”, ressaltou. “A autora Grada Kilomba coloca o racismo como algo psicológico, as pessoas são socializadas pelo racismo, são objetivadas pelo racismo e ela coloca o quanto é um trabalho psíquico você conseguir fazer desconstruir o racismo em pessoas brancas, porque é um processo de negação, de projeção, que é muito difícil entrar em contato.”

Bárbara Sordi assinala que a sociedade precisa começar a questionar e a compreender história, política. "Estamos falando de pessoas, todos somos pessoas humanas, mas que infelizmente não somos iguais, porque a sociedade não nos faz iguais, nós somos afetados de formas diferentes e a gente precisa entender onde é que a gente está nessa dinâmica social, que é perversa e que ainda se estabelece hoje”, disse, sobre o ato de reconhecer seus privilégios e lutar contra eles.

Clique no ícone abaixo e ouça podcast com as entrevistadas.

Por Yasmin Seraphico e Sabrina Avelar.

 

 

 

 

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