Tópicos | Zeca do Rolete

"Isso aqui tudinho é rádio". É assim que José Galdino dos Santos, mais conhecido como Zeca do Rolete, conduz os visitantes por entre as caixas que se acumulam pelos cômodos de sua casa, na comunidade do Tururu, em Paulista (PE). Ele é um artista popular, bastante conhecido entre os mestres de coco de Pernambuco, mas também um "ajuntador" de aparelhos de rádio, desde os tempos de juventude, e conta com um acervo de quase 300 peças. As "relíquias" são mantidas por Zeca com muito zelo e o seu grande sonho é, um dia, fazer uma exposição do seu acervo.

A paixão pelo objeto 'falante' começou por volta da década de 1960, quando Zeca passou a montar e vender rádios: "Eu comecei fabricando rádio para ele tocar sem pilha e sem energia, na minha época", ele conta. Naquele tempo, custava alto ter um aparelho desses em casa: "Só quem podia usar era barão", lembra o 'ajuntador'. Ele enumera as marcas dos aparelhos que coleciona Mullard, "um rádio alemão"; Philco; Sharp; Nord Som e RCA, entre tantos outros: "Tudo nas caixas, esperando uma oportunidade de expor".

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A esposa, Silvânia Maria, apenas observa: "Daqui uns dias não vou ter mais canto para morar", brinca. No fundo, ela não se incomoda com tantas coisas guardadas e garante já estar acostumada à quantidade de caixas e aparelhos eletrônicos espalhados pela casa: "Sou casada com ele há 27 anos e sempre foi assim. Ele senta ali e fica até meia noite consertando os rádios. E funciona, viu?", conta.

A coleção é grandiosa e a dificuldade de guardar o acervo também. A residência é simples e não dispõe de muito espaço. Boa parte dos aparelhos, muitos das décadas de 1940 e 1950, precisa ser desmontada para caber nas caixas, afinal são quase mais de três centenas de rádios: "Mas eu acho que tenho mais", observa Zeca. Ele já procurou apoio governamental para montar uma exposição, levando imagens de alguns de seus rádios, para apresentá-los, mas não teve sucesso: "Quem me atendeu disse: 'a gente não quer isso, a gente precisa da história de cada um deles". O impeditivo desanimou o colecionador e o projeto continua apenas em seus sonhos.

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Mas, além dos rádios, Zeca do Rolete também 'ajunta' outras antiguidades, como máquinas de costura, discos, radiolas e ferros de passar roupa. Porém, são os 'falantes' mesmo os detentores de sua real adoração. Até porque, é através deles que o colecionador ainda se conecta com o mundo: "Aqui eu consigo pegar muitas rádios, da América e da Europa, até da Ásia, apesar de hoje não precisar mais disso, né? Pela internet você pega o mundo em peso."

São 74 anos de vida, 60 deles dedicados à cultura popular. José Galdino dos Santos, o Zeca do Rolete, é coquista de bisavô, avô e pai. A arte do coco de roda está em sua família há quatro gerações, e continua sendo repassada, através dos filhos e netos de Zeca. Hoje, ele tem o título de Mestre Griô, pelo Ministério da Cultura, disco gravado, uma turnê pela Europa no currículo e a admiração de seu público, porém, a dificuldade de manter o trabalho artístico, pela falta de apoio governamental e visibilidade, está fazendo o mestre pensar em parar.

Zeca do Rolete vive em uma casa simples, na comunidade do Tururu, em Paulista (Pernambuco), ao lado da esposa, SIlvânia Maria, e de alguns filhos e netos. Todos são  envolvidos no coco de roda e cada show é também, uma reunião familiar. Mas os palcos são apenas uma pequena parte da renda desta família, a subsistência vem mesmo da aposentadoria de Zeca e dos roletes de cana, que vira e mexe, ele ainda sai às ruas para vender e assim garantir mais uma renda, como quando era jovem: “Eu vivo pela misericórdia de Deus. Vou parar, não estou aguentando mais não”, desabafa.

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O mestre coquista lamentou a ausência de seu nome nas programações oficiais do Carnaval do Recife e Região Metropolitana, em 2018, e diz ter feito apenas duas apresentações mas por conta de alguns contatos seus: “Eu tentei, pelas amizades que eu tenho, e ganhei um show no interior (em João Alfredo). Mas eu tive que tirar dinheiro do meu suor para poder ir. Em Olinda eu tive um show por causa do conhecimento que eu tenho.”  E acrescentou: “Eu tenho visto muita publicidade por aí, com meu nome, mas é só na teoria, na prática, não tem nada. Eles fazem um paliativo tão bonito que a gente fica até sem ter o que dizer”.

Reconhecendo a importância da sua contribuição na cultura popular pernambucana, Zeca demonstra indignação pela falta de valorização de seu trabalho: “Eu sou um dos representantes do coco aqui. Acho que o pessoal deveria dar um pouco mais de atenção. Isso dá um desgosto. Como é que eu sendo Griô, conhecido em todo canto, passei um ano dentro da faculdade federal ensinando o saber popular e aprendendo o saber científico e eu tô numa situação dessa?! Isso é egoísmo, é discriminação”, argumenta o mestre.

Zeca enumera o que precisa pagar a cada apresentação, como produtor, transporte e impostos: “A gente está pagando para tocar”, é sua conclusão. As dificuldades acabam desanimando o mestre e a vontade de largar o ofício de vida tem sido uma constante: “Eu tô com vontade de vender isso aqui, pegar minha velha, e ir pro interior, plantar minha banana, meu inhame, e deixar isso tudo de mão. Dá revolta. Não tenho necessidade de estar passando por isso.” A insistência na sua arte tem se dado por apenas um motivo, o amor pelo coco de roda: “Só continuo porque tá no sangue.”

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Um dos principais ritmos pertencentes à tradição da cultura nordestina, o coco é marcado pela presença de elementos percussivos e une influências indígenas e africanas. Muitas são as variações que marcam essa musicalidade, cada uma com sua particularidade rítmica, como de praia, de roda, desafio e catolé, entre outros.

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Em Olinda, cidade Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, a tradição do coco se mantém viva e é passada de geração para geração. Nomes como Selma do Coco, Mestre Galo Preto, Mestra Ana Lúcia e Zeca do Rolete são sinônimos de resistência e amor pelo ofício deixado como herança.

Em uma época que era muito raro mulheres puxarem uma roda de Coco, Mestra Ana Lúcia, ao lado de sua Mestra Jovelina, ultrapassaram as barreiras e subiram aos palcos.  Ana Lúcia, que recebeu o título de mestre coquista das mãos de Ariano Suassuna, explica que o coco sempre esteve presente na sua vida. “Desde pequena eu ouvia meu pai cantando e perguntava o que era aquela música. Muitas vezes, eu repetia o que ele dizia e perguntava se estava certo”, conta Ana Lúcia, ao LeiaJá.

A Mestra relata que todas as irmãs cantavam coco, mas após o casamento todas deixaram de se apresentar. Mas ela continuou insistindo: “Certo dia, meu marido disse: ‘Você tem que escolher entre o Coco ou eu’. Não tive dúvida, escolhi o Coco e nele estou até hoje”, confessa. Ao Lado das filhas, netos e bisnetos, Ana Lúcia sobe aos palcos e, mesmo com pouco recurso, organiza as apresentações no bairro do Amaro Branco, em Olinda.

Ana Lúcia, em entrevista ao LeiaJá, fala com orgulho sobre o ritmo que a consagrou como mestra e que pretende levar para todos os cantos. Confira:

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Criado em 2001 com a proposta inicial de ser um grupo de cultura popular, o Bongar é referência musical, religiosa e social na Xambá. A tradição do coco veio de forma natural, herança familiar. “Nossas referências são nossos pais. A tradição que está presente já foi herdada por todos nós”, explica Guitinho da Xambá, vocalista do Bongar.

O grupo hoje é referência para as novas gerações de coquistas que surgem na periferia da cidade histórica. “É uma responsabilidade enorme, porque a referência desses jovens é a gente. Agora tem uma galera jovem muito boa e que está transformando o ritmo sem perder a essência. Eles falam do contexto em que vivem, da comunidade a qual pertencem", expõe Memé da Xambá, integrante do grupo.

Eles falam que, por mais que haja a aceitação do ritmo, o movimento é de resistência diante das políticas culturais, que mostram a cultura regional como folclórica e 'item de decoração'. “A gente vê, nas salas dos gestores, elementos da cultura popular como item de decoração. No entanto, penamos para conseguir espaço”, ressalta Guitinho.

Os integrantes do Bongar falam que o ritmo se encaixa em qualquer lugar e que mantê-lo é sinônimo de resistência. “É incrível como o Coco cabe em qualquer beco, em qualquer lugar. Ele vem tendo espaço, mas a gente vem resistindo para manter a essência”, contam. Durante entrevista ao LeiaJá, o Bongar conversou sobre tradição, religiosidade, música, história e resistência, marcas do Coco feito na Xambá. Acompanhe:

O coquista e mestre griô Zeca do Rolete embarca nesta quarta (14) para uma temporada de duas semanas na Europa, levando seu grupo de coco de roda. A viagem faz parte do projeto Conexões 2013, realizado pelo Atelier Multicultural em parceria com a Cabra Fulô e incentivado pelo Funcultura.

Zeca e seu grupo, além de se apresentarem nos dois países que vão visitar - Portugal e Espanha -, também realizam vivências artísticas com outros grupos musicais locais, das cidades de Barcelona, Lisboa, Castelo de Vide e Porto. O primeiro encontro será com o grupo espanhol Elêtric Gozarela. O grupo português Re-Timbrar também trocará experiências com o coquista pernambucano.

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Os detalhes da viagem poderão ser conferidos na fanpage de Zeca do Rolete.

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