Embora em suas carreiras solo Zélia Duncan e Zeca Baleiro costumem aparecer na Veneza Brasileira, os dois ainda não haviam apresentado, na capital pernambucana, o show com o qual estão rodando o país juntos há quase um ano. E o público recifense mostrou que já aguardava há muito o show inédito, lotando o Teatro Guararapes em plena noite de quinta-feira (16). Depois de arrematarem Pássaro, de Sá e Guarabyra, e Curare, de Maria Bethânia, o maranhense Baleiro, com sua combinação “jeans / duas camisas / sapatênis / boina” tradicional, e a carioca Duncan, de vestido estampado com flores, desataram o amor pela cidade que os trouxe pelo braço da saudade.
Estruturada de forma simples, a apresentação de Zeca e Zélia traz os dois cantores revesando-se na interação com o público, no comando das músicas e no ditar do ritmo nos violões. Animados, também brincaram muito entre si, garantindo risadas fartas da plateia. “A próxima música eu dedico a você, Zeca, pelo quanto você especial pra mim”, brincou Zélia, antes de cantar Mulheres de Martinho da Vila.
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Todo o minimalismo do show só fez aumentar o peso da responsabilidade da escolha de um repertório que satisfizesse gostos diversos, reunidos em um só público. Havia no Teatro fãs de um Zeca mais pop, outros mais chegados às suas viagens poéticas pelo samba. Também marcaram presença os fãs da Zélia de Catedral e os que acompanham a trajetória da cantora em seus vários momentos. E como agradar tantos gregos e troianos reunidos em Roma?
A resposta veio em forma de uma sequência encantadora de músicas que homenageou compositores consagrados da MPB como Riachão (Eu Queria Ela), Antonio Carlos e Jocafi (Você Abusou) Erasmo e Roberto Carlos (Grilos) e Ney Matogrosso (Coração Aprisionado), mas principalmente revelou a essência dos gostos e prazeres musicais da dupla, que conduziu a apresentação num clima de flerte constante. “Você (Zélia) me traz as suas coisas, eu te trago as minhas e a gente traz as nossas coisas”, soltou Zeca, na tentativa de explicar como surgiu o processo criativo do show que em breve virará álbum e provavelmente um DVD.
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Parceria
Tudo sobre mim, Se um dia me quiseres e Alma Nova encabeçaram a ode ao amor da dupla, que ainda seguiu passeando pelo clima romântico com O amor é Velho – Menina, de Tom Zé, e Fox Baiano, escrita em parceria pelos donos da noite. As composições conjuntas de Zeca e Zélia são uma atração à parte do show. Eugênio, por exemplo, é uma crítica aos viciados em tecnologia. “Fizemos uma música para um amigo que tem um problema muito raro. Tudo que ele faz, para todos os lugares que vai, ele leva o celular”, ironizou Zélia. A canção, ainda desconhecida por parte do público, traz frases como “apaga essa selfie” e “o seu passado pode cair no face”, dramas de uma modernidade presente, desconfortável, até no próprio teatro em que o show aconteceu. Casais aos molhos fazendo selfies com os cantores ao fundo. “As pessoas hoje estão mais preocupadas em postar do que viver as situações da vida”, desabafou Zeca.
Em seus momentos solo na apresentação, resolveram brindar ainda mais os desejos do público. Zélia cantou sua Me Revelar e Quase Nada, de Zeca Baleiro. Já ele foi de Babylon e Não Vá Ainda, da Zélia. Juntos, ainda emendaram Nos lençóis desse reggae, Sentidos e Bandeira, além de tornarem a homenagear a música pernambucana com A Natureza das Coisas, de Accioly Neto.
O tradicional biz encerrou o show em pleno encanto. Isso porque as duas canções mais lembradas da dupla Z foram estrategicamente colocadas nesse momento. Catedral puxou o coro dos recifenses que mantiveram a voz afiada para Telegrama, que deixou o 'gosto de quero mais' no público, mesmo após quase duas horas de apresentação. Alguns não viram tudo, claro, pois estavam muito ocupados tirando selfies e postando no Instagram. Os demais presenciaram um show que ainda dará muito o que falar nos próximos meses. E que venham mais parcerias tão exitosas quanto essa, no universo, por vezes tão imutável, da MPB.