É quando as luzes vermelhas dos semáforos acendem que eles voltam ao intenso trabalho. Os ambulantes correm entre os carros - seja sob o sol escaldante ou a chuva inóspita - e oferecem o que têm. Morango, manga, caju... Pipoca salgada ou doce, água e confeito... Capa para tablet, celular, pau de selfie... Outros se apresentam com piruetas e malabares: arte em troca de troco. É o ofício que normalmente lhes resta para desempenhar e garantir o dinheiro do sustento.
O trabalho dos ambulantes, por ser informal, não requer experiência ou nível técnico. Mas, por outro lado, os obriga a ter traquejo com o comércio, muita disposição e coragem. Paulo Alex Silva conta que já sofreu tentativas de assalto enquanto terminava o expediente, por volta das 17h, na área central recifense. "Chegaram dois maloqueiros armados pedindo meu dinheiro, mas, por sorte, estava passando um carro da polícia na hora. Eu corri para perto da viatura e eles fugiram para longe, não sei nem se foram detidos", relembrou.
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A rua é para todos e a idade entre os ambulantes varia de crianças - em trabalho infantil e, consequentemente, ilegal - a idosos, como o caso de seu Mário José Braz, de 67 anos. A cor de pele branca há muito tempo deu vez a um intenso vermelho-queimado-de-sol. "Eu estava com medo de ter câncer, porque meu nariz parou de despelar e ardia muito, mesmo passando protetor solar e usando chapéu. Fiz uns exames e graças a Deus não deu nada", conta.
Mário José Braz (personagem do vídeo abaixo) vende vários tipos de acessórios: de capa de celular e carregador a protetor de carro. "O que me pedem, eu passo no dia seguinte no mercado e já trago", garante. O ambulante trabalha no Centro do Recife, mas mora na cidade vizinha, Jaboatão dos Guararapes. Sustenta a mulher e um dos dez filhos, a Yasmin, de 7 anos, que tem deficiência mental. "Minha vida é minha menina. Queria muito um descanso, mas não posso parar não, sabe?".
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Recife foi apontada como a cidade de maior congestionamento do Brasil. E uma das avenidas mais conhecida pelos engarrafamentos - e que corta a área central da cidade - é a Governador Agamenon Magalhães. Os ambulantes do local revelam que o lento trânsito só atrapalha nas vendas. "Não adianta tentar vender quando o cara está atrasado, emburrado. Ele nem olha para o produto. Pode até estar com sede ou fome, mas não quer nem saber", conta Jurandir Barbosa de Araújo.
Lamento comum entre os ambulantes é a informalidade do trabalho. Tanto pelos direitos trabalhistas, como por problemas na falta de regulamentação entre os comerciantes. "Pedimos várias vezes para a Prefeitura fazer um cadastro aqui, facilitaria para todos nós. Porque ficamos preocupados aqui se os fiscais vão chegar e apreender nossas mercadorias", diz Paulo Alex. E complementa: "Quando a gente perde o que trouxe é um investimento desperdiçado. A gente não só volta para casa sem vender, mas também no negativo".
Um ambulante que preferiu não se indentificar conta que a falta de cadastro acarreta até numa carência de segurança para vendedores e clientes e atrapalha o trabalho dos autônomos."Aqui todo mundo se conhece, porque trabalha no mesmo ponto há muito tempo, mas não vamos e nem podemos impedir quem chega", fala. E diz: "Já vi alguns que vieram para vender, mas acabaram assaltando motoristas. A gente tenta evitar que eles venham, já até chamaram polícia. Mas é inseguro até para a gente mesmo".
Debaixo de sol ou chuva, percorrendo contra todas as dificuldades, está José Antônio da Silva, de 40 anos, que perdeu o movimento das pernas com um ano de idade por consequência de paralisia infantil. "Já vim muita gente reclamando da vida, pedindo. Eu mesmo não gosto de pedir. Vendo meus confeitos, minha pipoca e acabo ganhando até bastante gorjeta também. Mas não saio de caso com esse intuito", afirma.
Casado, pai de duas meninas, José Antônio da Silva sustenta a própria casa com o trabalho da rua. O sorriso que carrega, municiado pela simpatia infalível, é a principal arma do ambulante. "Rapaz, o cara tem que ser bem humorado, de bem com a vida para trabalhar vendendo na rua. Às vezes o cliente está estressado e fala umas besteiras, eu devolvo palavras bonitas e agradeço a paciência dispensada. Porque, assim... Eles passam aqui todos os dias e encontram a gente no meio do caos do engarrafamento, então é normal também", explica.
Apesar de se queixar do sol quente e do engarrafamento da capital pernambucana, José Antônio releva saídas para trafegar entre os carros e trabalhar. O bom humor do vendedor chega a ser contagiante: "Minha vida é assim mesmo, eu não troco pela de ninguém, não. Tenho toda a saúde que preciso para batalhar e o carinho que quero dentro de casa. Olhe, se melhorar estraga". E brinca: "A menos que eu ganhe na Mega Sena, aí não estraga, não", completa rindo.