Após o lobby de meses da bancada da Bíblia, a confirmação do "terrivelmente evangélico", o pastor André Mendonça, ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi comemorada no Planalto com culto e louvores. Este foi o segundo nome que o presidente Jair Bolsonaro (PL) emplacou na Suprema Corte, que pode receber mais dois ministros conservadores, como promessa de reeleição. Ao LeiaJá, cientistas políticos analisaram a ida do ex-ministro da Justiça ao Judiciário e a participação de religiosos nos Três Poderes.
A presença de religiosos no processo político brasileiro não é novidade. Nos últimos 20 anos, evangélicos conquistaram cargos eletivos nas Câmaras municipais, e hoje já são gestores executivos e assumem cadeiras no Congresso. Cerca de 30% dos brasileiros cultuam uma de suas vertentes e, apesar do público heterogêneo, a pauta de costumes é o principal ponto de convergência.
Representatividade
"É compreensível que essa expansão seja acompanhada de um empoderamento desse seguimento. Então não é surpreendente", apontou o doutor em Ciência Política, Arthur Leandro.
Ele destacou que o processo de transição religiosa no Brasil contempla o crescimento evangélico ao mesmo tempo que a participação de cristãos se retrai. Tal movimento abre espaço para cultos de matrizes africanas e para o ateísmo. "O estado é laico, não é ateu. É um processo que está dentro das regras do jogo", comentou.
Aceno habitual às bases eleitorais
Além de ser uma porção relevante da sociedade, do ponto de vista eleitoral, o voto evangélico é uma das bases de apoio mais concretas do presidente, que mantém a prática dos seus antecessores de contemplar seguimentos que possuam identificação para conferir representatividade política no STF.
"A gente passou por processo semelhante quando houve a representação de outras minorias, como no caso do ingresso das mulheres na Suprema Corte e da preocupação da decisão política do ex-presidente Lula de indicar um ministro negro, que foi o caso de Joaquim Barbosa", descreveu.
Cedo para mensurar possíveis danos ao processo judicial
Em meio à polêmica sobre a inconstitucionalidade com uma eventual quebra do Estado laico, o mestre e apresentador do podcast Política é Massa, Caio Santos, pregou cautela para confirmar se Mendonça vai seguir à risca a agenda fundamentalista levantada por Bolsonaro e pelos 'pastores-celebridade' que pressionaram por sua indicação.
"Alexandre de Moraes, por exemplo, entrou com tendências conservadoras, mas em alguns momentos toma decisões que não são tão conservadoras assim", entendeu ao acrescentar que também existem políticos religiosos que respeitam as liberdades individuais e mantém o princípio da laicidade.
"No caso do envolvimento político, geralmente as lideranças são além de religiosos, empresários e poderosos. E aí toda essa relação se misturando com o Poder e o Estado, a coisa tende a ficar complicada", alertou.
Decisões passam pelo crivo dos colegas da Corte
Pastor André, como se apresenta nos templos, atendeu aos critérios de idade e notório saber jurídico no entendimento do Senado, que carrega como regra a aprovação das indicações dos presidentes.
Caso as decisões do caçula do STF sejam distantes da Constituição Federal e do entendimento dos 11 ministros, elas poderão ser revisadas pelo próprio pleno antes dos seus efeitos.
Pauta enfraquecida para 2022
Embora se mostre ainda bastante presente no debate político, para Santos, a discussão sobre costumes que foi protagonista em 2018 deve perder força para as próximas eleições.
"A tendência da eleição do ano que vem é de um debate pautado em econômica e questões sociais. Vai ser difícil o povo gastar tempo discutindo costumes quando o Brasil tem inflação, fome, desemprego cada vez maior", complementou.