“Qualquer história de amor pode se transformar em um brega”, diz, entre uma canção e outra, a cantora Michelle Melo. Com ela própria e o marido, o produtor Raphael Formiga, não poderia ter sido diferente. A união dos dois - ela, um dos maiores nomes do brega pernambucano, ele um dos mais requisitados produtores do gênero - além de ter gerado uma nova família, provocou na carreira da artista uma revolução que promete contemplar não só a sua trajetória mas a do próprio movimento. É isso o que eles buscam com a nova fase da eterna Rainha do Brega, batizada de ‘Renove-se Tour’.
Quando formaram um casal, há pouco mais de dois anos, ambos já tinham carreiras consolidadas na música. Formiga, com 16 anos de estrada, assinava as produções de alguns dos maiores sucessos do momento, como as cantoras Priscila Senna, a Musa, e Raphaela Santos, A Favorita. Michelle já havia sido coroada como a majestade suprema do movimento, por ninguém menos que o rei Reginaldo Rossi, e mantinha uma legião de fãs que a acompanhava desde o início dos anos 2000, quando foi uma das primeiras mulheres a se destacarem na cena do brega.
##RECOMENDA##Juntos, Michelle e Raphael estão renovando a música dela. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
O sucesso e reconhecimento do público garantiam a Melo uma média de 40 shows por mês - no período antes da pandemia do novo coronavírus. Por um momento, ela acreditou que não haveria como ir além disso, e estava tudo bem. Porém, a história de amor com o produtor Raphael fez reacender uma outra paixão que ambos nutriam juntos: pelo próprio brega. Sendo assim, a inquietação dele colocou ela para olhar para trás e rever toda sua trajetória para trilhar um novo caminho.
Observando o passado, a dupla encontrou combustível suficiente para repaginar a carreira da cantora e então reposicioná-la no mercado musical, encantando os antigos fãs e garantindo outros novos. “Essa questão dele resgatar aquela Michelle Melo que cantava de forma menos agressiva, com uma voz mais mais sensual e ao mesmo tempo tentar mudar as tonalidades… Mudar um pouco a identidade sem perder a essência. O mercado mudou, as pessoas mudaram, e quem não se renova fica pra trás”, diz Michelle em entrevista exclusiva ao LeiaJá.
Ligados no que está acontecendo agora, Raphael e Michelle começaram a produzir um novo repertório há cerca de dois meses. Um só não, vários. A proposta é apresentar músicas inéditas e releituras todo mês, para estar sempre em alta e alimentando o público com novidades. O produtor diz estar “sempre antenado”, consumindo música constantemente para trazer para o próprio trabalho tudo o que está rolando de melhor no meio. Foi assim que ele colocou Michelle para regravar ‘Diferença Mara’, faixa do recém lançado EP da ex-BBB Juliette Freire. “Eu tava na academia, na esteira, quando ouvi essa música parei o treino e vim pra casa. Liguei para os músicos e disse: ‘olha, a gente tem uma música pra gravar agora , para tudo aí. Era 14h, quando foi às 19h, eu já tava com a música pronta”, conta. O fluxo de produção da dupla tem sido esse: frenético.
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A proposta de transformar outros ritmos em brega, além da repaginada no visual, linguagem e som de Michelle, parece estar dando certo. Para a cantora, “tudo combina com brega”, e a estratégia tem rendido o crescimento de seus números nas plataformas de streaming e no próprio Instagram. A faixa etária do público também está mudando e a artista tem conseguido atingir os ‘novinhos’, na faixa dos 24 para cima. O objetivo, agora, é descer essa média para os 18 anos.
Para a nova fase de Michelle Melo, além de um repertório mais atual, com releituras de sucessos do momento e a fusão de elementos do brega antigo com os do brega moderno, a artista tem buscado o máximo de profissionalismo possível. Com uma equipe de 16 pessoas, entre técnicos de som, luz e, claro, o produtor, a artista montou uma estrutura de show de alto nível.
Segundo ela, essa é uma forma de demonstrar respeito e apreço a quem assiste a suas apresentações e, ainda, ditar tendência no mercado. “O que a gente quer é dar um giro no brega de novo. Por que uma banda de brega não pode ter a estrutura de uma banda grande? A gente quer dar o melhor pro brega, pra poder fazer voltar aquela onda sem perder a essência e sem ficar longe da novidade. A gente respeita a nova geração, o que esse pessoal tá fazendo com o brega é muito massa. Por que não misturar?”, diz a cantora.
“Ele é a parte profissional, eu sou a parte coração. Hoje eu consigo ter novos sonhos e tudo isso, esse trabalho novo, a gente quer fazer com outras pessoas também”. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
Dentro desse princípio de entregar o melhor produto, Michelle tem escolhido a dedo os figurinos, se aventurando nas composições - de maneira ainda um tanto tímida, ela também compõe - e vem cuidando minuciosamente da forma física. Tudo isso diante dos olhos dos fãs, que podem acompanhar cada passo dela pelo Instagram. A plataforma a ajudou a pagar as contas durante a pandemia, com os trabalhos de publicidade, e a transformou em influenciadora e “psicológa”. “De um tempo pra cá eu falei: ‘eu quero parar de tentar ser perfeita, eu quero aceitar, ser sincera e real’, Eu sempre estive lá, uma referência, mas eu queria mais. Queria que as pessoas vissem aquela menina que queria vencer, que em algum momento se machucou, descansou, mas como uma boa pernambucana respirou fundo e retomou. Além de emocionar as pessoas com as músicas, eu quero que elas saibam que podem sempre ir mais além”.
‘Tem gogó’
Mas, sobretudo, a cantora vem dedicando-se com afinco ao seu canto. Autodidata, como grande parte dos artistas do meio, de origem periférica, ela diz que não houve possibilidade de estudar e preparar-se melhor no início da carreira. “A vida é muito corrida, então ou você continua o trabalho ou você para pra estudar. Eu meio que estourei e não tinha tempo pra fazer uma aula de canto ou outras coisas. Eu fui indo junto com o que o trabalho empurrava”.
Nisso, o produtor Formiga teve fundamental interferência. Com toques técnicos e algum estudo, ele ajudou a cantora a redefinir seu tom para soar mais ‘Michelle Melo’ do que nunca. “É o que a gente mais ouve: ‘ela tem gogó, sim’. E eu posso dizer a você que ela canta muito, eu sou produtor musical e já gravei inúmeras bandas. Quando começamos eu disse a ela: ‘Você tem seu potencial mas você se perdeu no caminho. Acho que essa confusão que teve fez com que ela aceitasse que não cantava. Mas eu digo: ‘você é cantora de brega’.”, conta Raphael.
O "casal brega", como chama a cantora, tem trabalhado em ritmo frenético para manter o público alimentado de novidades. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJàImagens
O produtor se refere a uma ‘rixa’ que houve em um passado próximo, entre a sua artista e outra cantora do movimento que insinuou, na ocasião, que Michelle não cantava bem e acabou transformando a frase “Tem gogó, querida?” em meme. Passado o ‘perrengue’, Melo fez como tantas outras vezes, pegou a adversidade e transformou em oportunidade. “Como é diferente você ter o trabalho com uma produção, além do coração, ter a parte profissional da história. Quando a gente botou a primeira música dessa nova fase ele (Raphael) ficou bem sério e disse: ‘Agora deu vontade de dizer: ‘tem gogó, querida’”, diz, aos risos, a cantora.
Cuidando do patrimônio
Em Pernambuco, o brega tem tamanha importância que passou de um ‘simples’ gênero musical a um dos movimentos culturais mais importantes e significativos do estado. Essa é uma das músicas que representa as periferias da região, além de movimentar a economia local, e por esses e tantos outros motivos, foi reconhecida, recentemente, como Patrimônio Imaterial Cultural do Recife.
Defensora ferrenha do movimento, e uma das precursoras da cena, Michelle faz questão de colocar à frente de tudo o que faz seu amor pelo brega. Cria da periferia, de Chão de Estrelas, zona norte da capital pernambucana, a cantora atribui ao brega tudo o que tem e reservou a ele um espaço de grande importância nesse seu momento de renovação. “Mais do que o nosso trabalho, a gente não enxerga esse projeto pra Michelle Melo ser o maior sucesso, não é Michelle Melo, a gente tá falando de brega, é uma história muito maior”.
Animada com a nova fase, Michelle vislumbra um futuro de grandes conquistas para o movimento brega. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
Dando à sua música um cara mais moderna e aos shows uma estrutura mais profissional, a cantora quer abrir precedentes, tal como fez quando surgiu como uma das primeiras mulheres a comandar uma banda do gênero. Desse modo, ela vislumbra o crescimento do brega como um todo. “A gente não pode deixar, se limitar só a músicas que estouram, eu acho que é muito pequeno pro movimento”.
Dentro desse princípio, Michelle mira também horizontes para além dos limites geográficos do Estado. O objetivo é expandir o sotaque pernambucano, sempre com muito amor e a essência singular pertinente ao movimento. “O que o brega faz aqui é surreal e por que a gente não sai daqui? Por que as bandas não invadem lá fora como foi com o arrocha, com o sertanejo, o que tá faltando? Vamos descobrir juntos. Parar de deixar que outras pessoas venham, peguem nosso brega, botem em outros ritmos e saiam tocando nos quatro cantos do mundo e o povo sem saber o que é um brega. Eu fico muito orgulhosa quando um artista grande canta uma música nossa, mas as pessoas tem que saber o que é o brega. Essa palavra tem que deixar de ser relacionada a algo pequeno, a algo sem valor, e ser relacionada a algo que brilha mesmo diante toda adversidade”.