*Com Felipe Mendes
Era um tempo remoto na capital pernambucana, quando a presença de veículos motorizados era escassa e os bondes dominavam. Foi no início do século 20 que o Ciclo do Recife, movimento cinematográfico considerado uma das expressões artísticas mais importantes do Brasil, marcou época no audiovisual brasileiro.
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O Ciclo tomou fôlego e ganhou visibilidade nos cinemas de bairro da cidade do Recife. O grupo era formado por quatro rapazes e uma moça. Na época, a participação dela não era vista com bons olhos pela sociedade conservadora e machista. Conhecida como Almery Steves, a atriz participou de várias películas. Almery assumiu o protagonismo feminino e deixou de ser espectadora para tomar as telonas.
O início da sua carreira foi difícil. A sociedade não via com bons olhos o traballho de uma mulher nos cinemas. Derrubando preconceitos da época, Almery aceitou o convite de Ary Severo (ator) para compor a equipe e, posteriormente, ela se casou com Severo. Principal atriz dos filmes Retribuição, Aitaré da Praia, Destino das Rosas e Dança, Amor e Ventura e se tornou o ícone feminino do Ciclo Pernambucano.
O protagonismo e a força feminina sempre estiveram presentes no cenário cinematográfico do Estado. Com o passar do tempo, as mulheres assumiram outros papéis. Hoje, é possível encontrar pernambucanas que trazem na bagagem o amor pela arte e a luta para fazer cinema. A tecnologia evoluiu, alguns códigos morais mudaram, mas outros aspectos pouco se modificaram.
Outra pioneira a área, Kátia Mesel destaca as dificuldades e relembra como foi sua trajetória. "Não é fácil trabalhar como cinesata. São problemas de produção, circulação e principalmente de incentivo. Isso nos abala, mas não deixamos de fazer cinema, por que está no sangue, nas veias. Se deixarmos de fazer, ficamos em crise de abstinência, precisamos produzir", desabafa a cineasta.
Falando um pouco sobre a sua atuação como diretora e sobre suas premiações, Mesel demonstra satisfação e amor pelos trabalhos realizados. Mas também aponta insatisfações. "Comecei da década de 1960. Tudo era muito difícil, era tão dispendioso fazer cinema que não se via tanto machismo, ou pelo menos não era levado em consideração diante de tantas outras problemáticas", lembra. Durante esse período, Kátia produziu inúmeros curtas, longas e documentários. Segundo ela, em 2008 ela concluiu 45 curtas, e hoje não consegue atingir a mesma produção devido a falta de incentivo.
Quanto às premiações, Kátia é modesta e relata que o filme mais premiado para ela não é o elogiado pela crítica. "Tenho um amor especial pelos documentários que produzi através do Super 8, que infelizmente estão se perdendo. A crítica destaca o filme Recife de Dentro pra Fora, que traz o poema de João Cabral de Melo Neto, mas possuo uma carinho especial pelas minhas produções no Super", conclui.
Sobre o machismo do ambiente cinematográfico pernambucano, a cineasta aborda o episódio envolvendo Cláudio Assis e Lírio Ferreira na Fundação Joaquim Nabuco - Fundaj, que culminou na proibição da entrada deles e da exibição de seus filmes nos cinemas da fundação. Para ela, o comportamento deles foi lamentável, mas infelizmente é comum ver esse tipo de comportamento.
Outra cineasta do Pernambuco é Luci Ancântara. A diretora, que saiu das artes cênicas para atuar na produção cinematográfica, galgou um caminho longo. Durante anos trabalhou no Rio de Janeiro e em São Paulo e passou um tempo no exterior, possuindo uma vasta experiência no universo audiovisual. "Trabalhei na direção, produção e roteiro de vários filmes, além disso também comecei atuando como assistente de figurino", fala.
A cineasta dirigiu vários documentários, sendo dois longas, três curtas e dois filmes de ficção e participou de diversos festivais, entre eles o XI Festival Internacional de Documentários 2010, realizado em Cuba, concorrendo com o filme Geração 65: aquela coisa toda. Além de três prêmios com o curta-metragem Quarto de Empregada. Em relação as dificuldades, ela elenca, principalmente, a falta de incentivo e critica com ênfase, a dicotomia da capital e pernambucana.
"Faz mais de cinco anos que estou tentando finalizar o documentário O Melhor Documentário do Mundo, que fala sobre a tão conhecida megalomania dos pernambucanos, e é lamentável e frustrante não conseguir incentivo cultural", lamenta. Com esses percalços, ela ainda conta que o pior é alguém perguntar como está a finalização do trabalho. "É como enfiar uma faca no meu peito. Faça tudo, mas não pergunte como está a finalização de filme para um cineasta", fala descontente.
Em entrevista, Luci externa o descontentamento com o cenário cinematográfico. "Recife é considerado a produção das comadres e compadres. As coisas só funcionam bem se você é amigo de fulano e de cicrano ou entre casais, sinceramente não entendo isso. É uma dicotomia recifense que me irrita", externa. Ainda durante conversa, a cineasta falou sobre o machismo. Confira no vídeo.
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O cinema pernambucano não é feito apenas por homens. Além de Kátia e Luci, outras mulheres também se destacam. A jovem Nara Normande, diretora artística do Animage, festival internacional dedicado à animação, é uma delas. Nara dirigiu, com Tião, o curta-metragem Sem coração, que venceu o prêmio de melhor da Quinzena dos Realizadores do festival de Cannes, em 2014.
Outra cineasta com prestígio em terras pernambucanas é Adelina Pontual. Ela tem uma participação importante na retomada do cinema pernambucano na década de 1990, e foi assistente de direção de O baile perfumado, de Lírio Ferreira, marco nesta retomada. Adelina dirigiu o premiado e elogiado curta Cachaça e exerce várias funções no universo cinematográfico. É roteirista, diretora e também tem uma longa lista de filmes em que fez a continuidade, com destaque para a Ostra e o vento, de Walter Lima.
Em 2014, Adelina Pontual lançou seu primeiro longa-metragem, o documentário Rio Doce/CDU. O filme foi exibido em vários locais ao ar livre e fala de uma linha de ônibus da Região Metropoliatana do Recife que percorre mais de 30 quilômetros em seu percurso.