Investigação que surgiu para chacoalhar o modo de fazer política arraigado no país, a Lava Jato completa, nesta terça-feira (17), seis anos. A operação mudou a percepção do brasileiro sobre impunidade política, prendeu empresários e grandes nomes do setor público, mas também foi alvo de críticas e deixou algumas dúvidas nesse período.
De acordo com um balanço apresentado no último dia 10 pela equipe do Paraná, em Curitiba, onde funciona o berço da Lava Jato, nos últimos seis anos 293 pessoas foram presas, sendo 130 de maneira preventiva e 163 em caráter temporário. Além disso, mais de R$ 4 bilhões foram devolvidos aos cofres públicos por meio 185 acordos de colaboração e 14 de leniência.
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Ainda neste período, aconteceram 70 fases da operação, foram efetuadas 1.343 buscas e apreensões, 118 denúncias, 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e 253 condenações. Já as penas aplicadas somam 2.286 anos e sete meses de punições de diversos tipos.
Os números contabilizados no balanço são realmente de tirar o fôlego e nos levam a analisar: restou algum político diante daquele que é o maior escândalo de corrupção já visto no país? Qual foi o impacto das denúncias e condenações? Como o país tem superado as práticas de corrupção política?
O impacto político
A imagem passada desde o início era de que a Lava Jato puniria políticos corruptos independente dos seus cargos e partidos, já que na sociedade a sensação era de impunidade para quem se favorecia ilicitamente de qualquer verba. E assim foi, tanto que quando a Lava Jato ganhou corpo e atingiu as grandes raposas políticas do país, era visível o desconforto da classe quando surgiam rumores de que uma nova fase daquela operação viria à tona. PT, PMDB, PP, DEM, PSB e outros partidos foram enquadrados pela operação.
Além das legendas, nomes como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ex-deputado Pedro Corrêa, do ex-presidente do PT José Dirceu, do ex-ministro Antônio Palocci, do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha - juntamente com tantos outros senadores, deputados e empresários - foram colocados em xeque pela investigação.
“O Brasil, com a Lava Jato, experimentou um modelo de atuação das instituições que até então não tínhamos experimentado. O que assistimos era uma certa sensação de conivência de todos os Poderes para o que acontecia com o sistema político. Foi a primeira vez que vimos a orquestração das instituições com o propósito de combater o crime do sistema político doa a quem doer, seja quem for o ator político”, observou a cientista política Priscila Lapa, ao fazer uma análise da atuação da operação durante esses seis anos.
Segundo Lapa, para isso dar certo, a força-tarefa se atribuiu de mecanismos externos para evitar que as punições acontecessem de forma tardia, como era visto até então, e adotou a delação premiada, por exemplo, como forma base para sustentar denúncias e condenações. A prática é hoje alvo de contestações, mas surtiu efeitos balísticos na Lava Jato e no meio político.
Efeitos esses que levaram o PT, no poder nos dois primeiros anos da Lava Jato, a decrescer e acentuaram a criminalização da política.
“Não tem muito como a gente pensar em ações envolvendo atores políticos que sejam dotadas de ampla neutralidade, mas ela foi vendida dessa forma e isso criou uma narrativa de que existia uma atuação apolítica. Mais ao mesmo tempo, viviamos um contexto político de negação da política, criminalização da política, por parte da sociedade e de outras instituições que começaram a dar respostas à sociedade que a política em si não dava. A Lava Jato alimentou a criminalização do partido que estava no poder e os atores da investigação [juízes e procuradores] se consolidaram como atores políticos”, analisa a cientista política.
Entre tantos, os investigadores que mais ficaram conhecidos pelo povo foram o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro.
Contaminação política e as tratativas de bastidores
Apesar da tentativa constante de driblar a contaminação política, alguns nomes da investigação colocaram à prova a imagem de isenção passada por anos ao aceitar cargos públicos e com a divulgação de conversas de bastidores.
Um deles foi o ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo do presidente Jair Bolsonaro - um homem eleito com a bandeira de combate à corrupção, mas que ascendeu eleitoralmente após Lula ser preso e enquadrado na Lei da Ficha Limpa, estando impedido de concorrer a algum cargo público.
Na visão da cientista política Priscila Lapa, com Moro indo para o governo do presidente Jair Bolsonaro, o discurso de neutralidade da Lava Jato foi contestado uma vez que o ex-presidente foi condenado em primeira instância pelo então juiz da Lava Jato.
“O discurso político começou a se coincidir com a narrativa da Lava Jato para justificar uma avaliação negativa do governo e se havia algum sentimento que isso não acontecia, que ela não favorecia nenhum grupo político, quando Sérgio Moro aceita e passa a ser um integrante do governo, o discurso de que a operação aconteceu na neutralidade política, passa a não ser mais sustentado. Sergio Moro deixou de ser um ator neutro e passou ser visto como um ator político que milita e tem lado, que é o do governo”, disse.
Já as tratativas de bastidores vieram à tona depois que o site The Intercept Brasil divulgou uma série de conversas de Moro, Deltan Dallagnol e outros membros da força-tarefa através de um aplicativo de trocas de mensagens. A chamada ‘Vaza Jato’ deixou muitos de orelhas em pé, entretanto, na análise do cientista político Antônio Henrique não manchou a Lava Jato.
“Não acredito que a Lava Jato tenha ficado manchada por causa das articulações de bastidores porque é uma prática comum do judiciário. Claro que não era o ideal que acontecesse, mas o que podemos perceber é que as reportagens não tiveram efeito de barrar as decisões da Lava Jato. A operação continuou, mas sofreu uma redução dos seus efeitos. Isso pode ter atingido a imagem de alguns procuradores, mas não tiveram um efeito deletério da operação em si”, considerou o estudioso.
Ainda assim, houve no último ano, uma redução das sentenças e da frequência de fases da operação Lava Jato. “Houve uma diminuição das atividades em virtude da saída de Sérgio Moro, o que terminava tendo uma atuação bastante relevante nesse sentido. Ele se tornou um juiz muito popular e a saída dele fez com que mídia também não focasse tanto mais na operação”, concluiu Antônio Henrique.
Fotos: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens/Arquivo e Chico Peixoto/LeiaJáImagens/Arquivo