Imagine se no lugar de Mel Gibson, George Miller tivesse Cauã Reymond no papel de protagonista dos primeiros filmes da franquia Mad Max. Achou a comparação esdrúxula? Pois Homero Olivetto, filho de um dos publicitários mais bem sucedidos do país (Idem, Washington) achou que a associação poderia funcionar, por alguma razão. Ademais, o diretor estreante precisava de um cenário que conseguisse remeter às agruras do mundo devastado saído da mente profícua de Miller. E o resultado foi “Reza a Lenda” ou, em tempos de internet furiosa, o “Mad Max sertanejo”.
Mas não surpreende que certa expectativa tenha sido criada quanto à obra. O trailer divulgado fez muita gente se questionar sobre o quão inusitado seria assistir a perseguições alucinantes sobre rodas na impactante paisagem do semi-árido, ainda com direito a muito sotaque regional e à presença do ator (sertanejo) Jesuíta Barbosa no elenco. O que, até então, nos levou a boas obras como “Tatuagem” e “Serra Pelada”, e outras regulares como “Praia do Futuro” e “Cine Holliúdy”. Entretanto, ao contrário dos filmes supracitados - dirigidos por Hilton Lacerda, Heitor Dhalia, Karim Ainouz e Halder Gomes, respectivamente - “Reza a Lenda” carece da mão de um diretor.
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Antes disso, o roteiro escrito a quatro cabeças, inclusive a de Homero, não funciona - repete clichês da representação do Sertão no cinema, transborda maniqueísmo, não desenvolve quase nenhum dos personagens e quando tenta desenvolver um - único, o protagonista Ara (Cauã) - se perde em elucubrações que vão do nada ao lugar algum. Inclusive, do emaranhado de problemas, elenco e personagens são dos mais graves. Enquanto o garanhão global empoeirado tenta manter suas falas e feições sisudas aos “melhores moldes” do protagonista de Mad Max, a imprecisão de suas motivações fazem-no um mero fantoche do previsível roteiro. Ara precisa fazer chover, literalmente, antes disso deve salvar o dia e as mocinhas. Nada de novo.
Inclusive, a insistência da obra em manter as personagens femininas alienadas às vontades do “macho alfa”, ao contrário do fantástico “Mad Max: Estrada da Fúria”, parece nadar contra a (satisfatória e nova) maré do cinema de desconstruir a imagem da mulher incapaz, que em "Reza a Lenda" marca presença em sua representação mais fiel. O que poderia vir de encontro a isto na personagem de Severina (Sophie Charlotte), uma das motoqueiras da trupe de Ara, cai por terra quando o roteiro resolve que seu conflito é a luta pelo amor do protagonista.
Com todos os entraves do roteiro, a direção ainda consegue ser mais problemática? Reza a Lenda que sim. Apesar do esforço em encantar com a fotografia do Sertão, nos inúmeros planos abertos ou na captura de particularidades da região, nada parece fazer o filme realmente andar. E quando as motos parecem querer dar mais gás à projeção, o filme esbarra no CGI inverossímil e na montagem por vezes apressada demais ("vai acontecer? opa… já aconteceu"), vezes didática ("vai acontecer! opa.. já aconteceu"), vezes simplesmente nonsense ("pra onde o que é esse povo tá indo? opa… já chegaram").
Falta alguém que dê um norte à trupe de motoqueiros ou, ao menos, ao que eles fazem durante a obra. Falta um real sentido ao fiapo de argumento lançado no espectador em forma de lettering introdutório. Faltou a Homero Olivetto a ciência de que cinema não é apenas fotografia e que a estrutura narrativa fílmica não segue os mesmos padrões de sua expertise publicitária herdada e desenvolvida.
Quando o espectador cai por si, tem em tela Humberto Martins refazendo (com a eficiência de sempre) o mesmo papel de tantos passados e Jesuíta Barbosa como o coadjuvante de luxo - surpreendentemente perdido. E aí quando a adrenalina não vem, as atuações decepcionam, a trilha sonora é uma sequência de músicas soltas à revelia e o roteiro “dá em nada”, não sobra muito. No fim, o “Mad Max sertanejo” é bem melhor na comparação do que nos cinemas. Nestes ele é “bonitinho”, porém ordinário.
Nota: 1 / 5