Feche a boca ou roa as unhas, mas fique em silêncio. O melhor torcedor em uma partida de futebol de cegos é aquele que fica calado.
Mas como é difícil, principalmente quando o Brasil busca o pentacampeonato paralímpico nos jogos no Rio de Janeiro, perante uma torcida acostumada a ser o décimo segundo jogador, e muito barulhenta.
##RECOMENDA##"Brasil! Brasil!", se ouve das arquibancadas um pouco antes do início da partida. O amarelo domina o estádio, que vibra.
Na primeira fila estão Wagner Goulart, de 30 anos, e Luciana Vargas, de 34. Ambos usando camisas, chapéus, e até óculos de plástico com a palavra Brasil. Ela com uma corneta e ele com um chocalho.
"Só fazemos barulho quando a partida para e quando o gol é óbvio", dizem em entrevista à AFP.
Assim, com todos "preparados", soa o apito e um rastro de "shhh" domina o estádio antes do absoluto silêncio. Só o que se escuta é o tilintar da bola especial -com guizos dentro- e os gritos dos jogadores, que têm diferentes níveis de cegueira e usam vendas nos olhos para igualar as condições.
É um jogo em que os ouvidos são os olhos e qualquer ruído pode arruinar uma jogada. Somente os goleiros enxergam e servem de guia para os outros jogadores.
- Emoção -
O Brasil enfrentou no domingo a Turquia na fase de grupos do torneio paralímpico de futebol de cinco. A vitória por 2x0 do time brasileiro garantiu uma vaga na semifinal.
O time jogou de maneira muito ofensiva, em contraste com o rival extremadamente defensivo. Por isso era difícil conter a torcida quando Ricardinho, camisa 10, driblava três jogadores da defesa antes de chutar para o gol. A emoção da torcida foi controlada e se transformou em um murmúrio, mas na verdade queria explodir em um grito de celebração.
A torcida brasileira se destacou nessas olimpíadas pelo barulho que fazia nas arquibancadas, a favor ou contra. Muito atletas mostraram surpresa com essa empolgação.
Katia Brum (38 anos) sofreu quando celebrou o primeiro gol: uma jogada de Ricardinho que começou da lateral esquerda e terminou com um chutaço do atacante brasileiro, o melhor do mundo em 2014.
Sentia os músculos tensos, colocava a mão na boca, estava a ponto de explodir, mas não podia gritar como em uma partida de futebol comum.
"É muito difícil, é a primeira vez que vemos uma partida de cegos e é muita emoção. Não pude trazer meu pai, ele teria um infarto. Está acostumado a ajudar, a gritar, a ser o 12º jogador. Ia explodir", disse.
Os jogadores brasileiros dizem que havia mais ruído do que o ideal, mas longe de incomodar.
"Essa energia é muito importante, a pessoa se sente mais motivada, dá um gás extra com alguém incentivando. No momento, atrapalha, mas sabemos que são importantes", disse o atacante Nonato.
"Quero e espero que continue assim, a todo vapor, e espero que a torcida celebre com a gente outro título", acrescentou Ricardinho.
Não faria mal, muito menos se for um ouro ganho em casa, repetindo o feito da seleção de Neymar nos Jogos Olímpicos.
- Final ruidosa -
O futebol de cinco se transformou em esporte paralímpico nos jogos de Atenas em 2004 e desde então o Brasil foi o único campeão do torneio.
Na primeira edição, ganhou a final de sua grande rival Argentina, que em 2008 ficou com o bronze.
A seleção argentina está entre os favoritos para chegar à final e assim como na Copa do Mundo de 2014, trouxe sua torcida para o estádio do centro de tênis do Parque Olímpico.
"É muito lindo jogar com torcida, ainda que por vezes jogue contra, porque sabemos que o futebol é muito emotivo, mas como fazer para se controlar? Quando uma jogada está para se definir e a torcida começa a gritar 'ai ai ai', esse som te faz perder a jogada, mas também te motiva", explicou o capitão Silvio Velo, conhecido como o "Messi" do futebol de cinco, que jogou mais cedo no domingo.
Se a final é Brasil-Argentina, será preciso colocar uma mordaça e prender as pessoas nas cadeiras. Alguns propõem fazer uma bola com um guizo mais barulhento. Será necessário muito "shhh" e autocontrole para aguentar os 50 minutos da partida.