Acostumados que estamos a conhecer o Bertolucci que dirigiu obras épicas como O Último Imperador e 1900, ou polêmicas como O Último Tango em Paris e Os Sonhadores, não deixa de ser no mínimo estranho vê-lo num filme com pretensões menores, resumindo-se a contar uma história. Filmes sobre adolescência terminam, na maioria das vezes, tomando para si a 'esquizofrenia' dos seus objetos de estudo, digamos assim: na tentativa de agradar dois públicos, termina não agradando a nenhum.
Baseado num romance de Niccolò Ammaniti, Eu e Você conta a história de dois jovens meio-irmãos: Lorenzo, que tem 14 anos e vive um cotidiano solitário em meio a sua mãe e seus colegas de classe; e Olivia, jovem nos seus 20 e poucos anos que, por conta do abandono sofrido pelo pai de ambos, desconta tudo nas drogas e nas elucubrações artísticas como fotógrafa.
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Eles se encontram numa situação, no mínimo inusitada: Lorenzo deveria participar de uma viagem com os colegas de escola para praticar esqui, mas desiste do esporte e da companhia de todos e decide passar este período no porão da sua imensa casa, escondido. Olívia, numa visita inesperada, vai ao porão para pegar uma caixa de pertences guardada no local e, por estar num período de rehab, decide ali permanecer junto com Lorenzo, que aceita a “intrusa”, mesmo que a contragosto.
Com um roteiro escrito a oito (sim, oito!) mãos – o escritor do romance Niccolò Ammaniti, Umberto Contarello, Francesca Marciano e o diretor Bernardo Bertolucci -, esta trama, mais do que previsível não ganha maiores contornos na visão do cineasta, que, ao invés de tornar seus personagens cativantes e compreensíveis aos olhos do público, termina fazendo-os mais irritantes e mimados do que quaisquer pestinhas de filmes infantis.
Quando Lorenzo grita querendo ficar sozinho e Olívia tem surtos de abstinência que a fazem sair do normal, o modo como o diretor conduz, termina, de algum modo, revelando um olhar adulto e distanciado de seus protagonistas. Do mesmo modo que comentei na minha crítica a Amor, Plástico e Barulho – sobre o cenário brega de Pernambuco -, o que se vê no trabalho de Bertolucci aqui é um carinho pelos personagens, mas não uma identificação com suas motivações.
Isso acontece de forma até óbvia, na realidade, quando, em certo momento da narrativa, o moralismo do roteiro grita quando o uso de drogas se resume a uma prática ruim, destrutiva e nociva, enquanto o mundo à nossa volta tenta progredir rumo à legalização. Ambos os personagens, a seu modo, escondem-se do mundo – um, no porão; a outra, na heroína – e nenhuma das duas formas é melhor ou pior do que a outra, mas ambas são nocivas, o que poderia ser melhor explorado no tratamento de Bertolucci.
E ambos entram em contato com um mundo, até certo ponto, desconhecido: enquanto Lorenzo aprende a ampliar seus horizontes ao ter de “cuidar” da meia-irmã em seu período de abstinência (“transformação” que, na verdade, o diretor nem é habilidoso em conduzir, já que se “resolve” em diálogos expositivos), Olívia aprende a reconhecer uma parte de si mesma que julgava esquecida – a inocência. Mesmo que, ao final, Bertolucci pareça nos alertar de que nem tudo que acreditamos estar resolvido, de fato está – pois finais felizes existem somente nos livros infantis -, parece-nos que tudo que assistimos não nos imprime qualquer sentimento que cative.
Mesmo que o diretor fuja da estética de uma adolescência “limpa”, dos rostos bonitos e perfeitos que o cinema pasteurizado tenta nos empurrar, tudo ainda é tratado de forma tão superficial que nem diverte, nem emociona, ficando restrito a um incômodo “nada” que só faz aumentar a sensação de perda de tempo. Infelizmente, o que poderia ser um retrato de uma solidão deliberada que, hoje, acontece das mais variadas formas, termina se tornando num conto moralista, previsível e repetitivo de uma adolescência que existe somente na mente do septuagenário Bertolucci.