O mercado não dorme, é dinâmico e possui a expertise da cooptação. Mesmo os discursos culturais criados para contestá-lo ou derrubá-lo terminam sendo incorporados. Ou, como preferia Octavio Paz, a tentativa de ruptura não somente é aceita, ela se transforma na tradição seguinte, que vigora até surgir outra novidade que se oponha.
Assim, versão de diretor de cinema – vendida como projeto pessoal que foi sobrepujado pelas demandas comerciais – depois é reaproveitada como produto complementar, e não raro com mais retorno financeiro. Em literatura, rascunhos de clássicos são garimpados e lançados, fazendo muitos autores se revirarem nas covas. Na área musical, tudo vira biscoito para chegar às prateleiras. De shows maquiados e falsas demos até clipes “rejeitados”, tudo finda pasteurizado, serve de marmita fria para a fome dos fãs e acomodação dos artistas.
Vez em muito, contudo, coisa se inverte. Iniciativas feitas para disfarçar o mais-do-mesmo são retrabalhadas por produtores independentes e terminam gerando bom material. A gravadora DeckDisk, por exemplo, partiu para o formato de duelos, onde bandas gravam composições umas das outras. Um dos embates é Mundo Livre vs. Nação Zumbi.
Se nos anos 90 os dois grupos vestiram de lama os tapetes viciados de muita sala-de-estar da cultura pernambucana, sacudiram monte de poeira acumulada nos ossos da música brasileira, a verdade é que o manguebeat cumpriu o destino de incontáveis manifestações anteriores: o seu sopro de contestação e originalidade se transformou em vapor para muito caroneiro vender discos e se promover. Como aconteceu com a chamada Geração 65 da poesia do Estado, a onda iniciada por Chico Science, Du Peixe e Fred 04, entre outros, virou rótulo em interminável balaio de gatos. Músicos talentosos conseguiram visibilidade ou Norte a ser trilhado, ao mesmo tempo em que filas gigantes de aproveitadores venderam sua sardinha estragada como se fosse caranguejo recém-pescado.
Só faltava Nação e Mundo Livre entrarem no estúdio e virarem caricaturas mútuas, entregando capítulo final do processo de transformação da lama em bolachas de barro feitas para torrar sob os holofotes de programas globais, de “ecléticos” festivais. O que aconteceu, entretanto, foi prova de que mal não está na origem. Pessoal partiu para desconstrução como rumo das releituras de clássicos como “A cidade”, “Praiera”, “Rios, pontes e overdrives”, “Livre iniciativa”, “Musa da Ilha grande” e “Bolo de Ameixa”.
As doze faixas podem ser conferidas na página da DeckDisc no Facebook (https://www.facebook.com/OficialDeck), prova de que a rinha saudável do Mundo Livre com a Nação Zumbi está vendendo bem nas lojas. Resta torcer para que não surjam dezenas de codornas correndo atrás do bonde, entupindo palcos com duelos entre coisa-nenhuma e nada-que-conte. Deixem o manguebeat envelhecer da melhor maneira: sem paz alguma! Porque caranguejo que descansa vira recheio de pneu.