Tópicos | Marlin Royal Flat Hotel

Há pouco mais de trinta anos não se ouve os sons típicos de uma obra de grande porte em fase de construção. Os maquinários foram aposentados, os andaimes recolhidos, as ferramentas levadas embora e o projeto segue subaproveitado desde a década de 1980. Conhecido pelos moradores de Paulista, na Região Metropolitana do Recife, como o “prédio abandonado de Maria Farinha”, o imóvel foi idealizado para ser o Marlin Royal Flat Hotel, mas a estrutura foi abandonada em 1985 por falência da construtora responsável pela obra.

A estrutura fica na Avenida Doutor Cláudio José Gueiros Leite, na orla de Paulista, a 200 metros do Veneza Water Park. Cercado por matagal dos dois lados, as grandes dimensões do prédio se destacam na vista do horizonte. Nos 15 andares, a curiosidade salta aos olhos principalmente porque a estrutura física da parte externa do imóvel está praticamente finalizada, há três décadas, mas a construção segue sem uso. Na parte interna, os 227 apartamentos e as 13 coberturas com vista para a praia de Maria Farinha não ficaram completamente prontas.

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Escadas improvisadas com cimento queimado, paredes sem acabamento, estruturas sem reboco e os mais de 200 apart-hotéis longe de serem finalizados distanciam a obra de um dia atrair turistas, moradores e investidores. Nos fins de semana, o a área externa do imóvel é procurada por praticantes de rapel e paintball. Por conta do grande porte do prédio, o hotel também serve de local para o treinamento de unidades específicas da Polícia Militar.

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Na área de lazer, em que seria instalada uma piscina e um salão de festas, a família de Manoel da Costa, de 50 anos, e Josélia Maria, 40, encontrou um novo lar há 25 anos. No hall principal, duas camas de casal, um sofá, fogão, geladeira, armários, guarda-roupa e mesa foram alocados no ambiente único, sem divisórias. Ali é a residência da família Costa. 

São as únicas oito pessoas que vivem no prédio. Manoel foi contratado na década de 1990 para ser o vigilante do local e decidiu levar sua esposa e, na época, seus primeiros filhos já nascidos. De poucas palavras e observador, ele se arrisca em uma conversa breve e diz que não esperava morar por tanto tempo na construção inacabada, mas que se acostumou e e gosta da rotina.

Manoel conhece cada centímetro do prédio, do térreo até a última cobertura, mas pouco sabe sobre a história do hotel e os motivos que o levaram ao abandono por mais de três décadas. “Eu tomo conta do prédio, corto os matos para manter a entrada limpa e não atrair tantos bichos. Tenho carteira assinada para isso e eles me deixam morar com a minha família aqui”, descreve o vigilante. No hotel abandonado, o sistema de distribuição de água é regular, também há energia elétrica, antena para televisão e Wi-Fi.

Foto: Paulo Uchôa/LeiaJaImagens

Mãe de três filhos, Josélia é dona de casa, mas para ajudar na renda também trabalha como diarista no verão. Enquanto prepara o almoço para a família e serve a comida dos gatos e cachorros que criam, porque são abandonados no local, ela conta que no início tinha um pouco de medo de morar em um hotel tão grande. “Hoje em dia eu acostumei. Tenho minha vida aqui e a vista da praia me acalma dos problemas da vida. É ventilado e se tornou a minha casa com o tempo, são mais de vinte anos”, conta.

O local onde seriam as 13 coberturas do hotel agora serve de quintal para Manoel. Sem paredes ou proteção alguma entre o piso e o horizonte, ele diz que a vista para o mar é sua dose de calmante diária. Ele relata que a rotina é calma, mas alguns episódios marcantes o fizeram demonstrar sua fé e jogo de cintura.

“Certa vez, um homem com traje de gente que tem dinheiro chegou aqui e pediu para subir. Eu não podia deixar sem autorização, mas ele disse que só queria tirar algumas fotos. Deixei. Percebi que ele subiu até o último andar e ficou olhando para o chão, como quem vai se jogar, sabe? Eu tive que correr e o puxei pra dentro. Foram horas de conversa até convencê-lo de que podemos superar nossos problemas. Nesse dia eu vi a importância de morar aqui e tomar conta desse prédio”, relembra. 

Há 25 anos no local, Manoel conta que também presenciou as mudanças na praia de Maria Farinha e a chegada dos prédios, a construção do Veneza, e casas de veraneio. Apesar da rede hoteleira do litoral norte de Pernambuco deixar a desejar, não há planejamento ou promessa de que o Marlin Royal Flat Hotel voltará ao processo de construção e inaugure oficialmente um dia.

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Em entrevista ao LeiaJa.com, o atual arquiteto da obra, Marcílio Paraíso, conta que o projeto teve início por causa de um investimento de urbanização em Paulista com verba do Governo Federal. Na época, em 1980, uma série de incentivos fiscais foram liberados para levar empresas de grande porte para o município e era preciso construir uma boa quantidade de apart-hotéis e flats para abrigar os executivos que chegariam à cidade.

Foto: Paulo Uchôa/LeiaJaImagens

De acordo com Marcílio, após pouco tempo do anúncio, a União cancelou o projeto de urbanização e não havia mais a demanda de executivos e empresas que iriam para Paulista. A obra foi vendida e a construtora Souza Luna SA adquiriu o imóvel. “Tentaram vender o empreendimento para o público local, mas o mercado do Grande Recife não absorveu a ideia e posteriormente a empresa faliu e encerrou as atividades”, explica o arquiteto. O impasse continuou a obra seguiu paralisada.

Em 2013, o então prefeito de Paulista, Júnior Matuto (PSB), disse que se os problemas judiciais não fossem resolvidos ele iria autorizar a demolição do imóvel. No mesmo ano, a Rede de Hotéis Transamérica compraria o prédio para construir um resort de alto padrão na região. Quatro anos depois, o “prédio abandonado” segue intacto.

Atualmente, o empreendimento pertence ao condomínio do Marlin Hotel, formado pelos compradores dos flats após a situação de inatividade da construtora Souza Luna SA. “Já tivemos muitos problemas judiciais, com pendências por causa de dívidas e dificuldades que se arrastaram desde a década de 1980. Mas agora quitamos todos os processos na Justiça”, garante. 

Na parte física, o desgaste do tempo e da maresia é visível. Canos quebrados, materiais enferrujados, improviso nas escadas e nos buracos. O arquiteto explica que todo o projeto vai ser atualizado para se equiparar aos desejos do mercado atual. “Existem instalações que não contemplam as modernidades de hoje em dia. A nova arquitetura já está em fase de análise de Prefeitura de Paulista. Agora faltam documentos finais e atrair investidores para custear a finalização e remodelação da obra”, explica.

Procurada pelo LeiaJa.com para esclarecer informações sobre a construção paralisada, por meio de nota, a Secretaria de Turismo do Paulista informou que, por se tratar de uma propriedade privada, não tem autonomia para responder sobre o tema. “Esclarecemos também que há um processo judicial em andamento para decidir sobre o futuro do imóvel”, diz a resposta.

Enquanto o futuro da construção não é decidido no papel, a família de Manoel e Josélia utiliza as instalações do hotel como moradia fixa e local de lazer. “Eu não sei para onde iria caso o hotel volte a ser construído. Não tenho um terreno ou uma casa me esperando. Não fico pensando nisso, vou vivendo um dia após o outro”, conclui o vigilante Manoel.

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