Em alguns meses, estará aberta oficialmente a corrida eleitoral no Brasil. Em 2018, as eleições tendem a ser polêmicas, disputadissímas e incertas pelo panorama político atual do país. Em Pernambuco, as pré-candidaturas já estão se firmando e entre os nomes que surgem não há nenhum homossexual assumido. Apesar de partidos políticos se apropriarem da luta LGBTTT para tentar fazer propaganda e marketing, ainda é pouco ou quase nulo a participação efetiva desse segmento na política eleitoral. Cargos como governadores, deputados estaduais e federais são distantes e quase uma utopia ser ocupado por um representante LGBTTT.
Nesta quinta-feira (17), o mundo celebra o Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Desde então, ao longo dos anos, a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTTT) já conquistaram alguns direitos e ganharam mais visibilidade, principalmente no setor artístico.
##RECOMENDA##Apesar dos avanços, a prática da homofobia não é tipificada como crime no Brasil. Projetos de leis nesse sentido foram apresentados no Congresso Nacional e buscam criminalizar as manifestações de homofobia e os crimes de ódio contra os homossexuais.
Na última eleição nacional, em 2016, 377 candidatos ligados à comunidade LGBT disputaram o pleito. Esse foi o maior número de candidatos já registrado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que faz o levantamento. Em 2012, 110 candidatos LGBTs ou apoiadores participaram do pleito, deles 29 conseguiram se eleger. Quando o levantamento foi iniciado, em 1996, o número total de candidatos não chegava a 10.
Para entender o que afasta a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros da representação política no estado, o LeiaJa.com conversou com especialistas em política e representantes do movimento social LGBTTT.
De acordo com Cleyton Feitosa, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), não é apenas um único fator ou variável que contribui para afastar a população LGBT dos espaços de poder. "No Brasil, a causa gay é entendida como algo de cunho privado e íntimo e a sexualidade é algo que não merece uma agenda pública, um debate ou políticas públicas de estado. É como se essa representação democrática não fosse relevante. Geralmente, esses espaços institucionais são ocupados por homens, brancos, heteressexuais, donos de terra e pessoas com um alto poder aquisitivo. Observe a composição do nosso parlamento e vai perceber o perfil de empresários, latifundiários. Porque é preciso dinheiro para bancar uma campanha política, além de tempo livre. Essa não é um problemática só de homossexuais, as mulheres também passam por isso, as pessoas mais pobres, negras", explicou o pesquisador.
Em Pernambuco, Cleyton atribui a problemática a força da base evangélica nos espaços de poder. “É uma bancada forte que o tempo inteiro faz chantagens com o governador, no sentido de não avançar as políticas públicas porque na concepção deles desenvolver essas políticas é gastar dinheiro com pessoas que escolheram ser gays”. O LeiaJá procurou o PSDB, PT, PSOl e PSB de Pernambuco. Os partidos afirmaram que regionalmente não há um representante LGBT legislando.
Para ele, a violência LGBTfóbica opera impedindo que se crie uma agenda pública voltada para o segmento e porque no imaginário de muitos, debater sobre isso é estimular a sociedade a se tornar um LGBT. “Além disso, essas instituições não atuam para reverter essa situação ou estimular a participação, recrutar, convidar ou desenvolver ações para tentar diminuir essas desigualdades. Muitos partidos possuem uma cultura interna machistas, conservadora e preconceituosa. Isso também contribui para o afastamento dos LGBTs porque eles não encontram uma forma de expressar as demandas coletivas”. Cleyton também explicou que além da violência simbólica, ao se expor o segmento enfrenta os perigos físicos, de agressão e morte.
Sem recurso, mas com a cara e a coragem Paulette foi a primeira travesti eleita em Pernambuco
Paulette Gonçalves (PEN), 39, nasceu em Murici (AL) e passou a morar em Palmares com sete anos de idade. Atualmente, está no segundo mandato consecutivo na Câmara dos Vereadores de Palmares, na Mata Sul de Pernambuco. Ela foi a primeira travesti eleita vereadora no estado, em 2013. Sem recurso financeiro, mas com a cara e a coragem, Paulette apareceu em comícios, foi motivo de piada e arrancou risadas de muitos dos que assistiam.
Ela conta que sempre trabalhou em projetos sociais e apesar de achar que ocupar um cargo político fosse uma utopia, não pensou duas vezes e decidiu investir no sonho. "A primeira vez que fui eleita, eles diziam que era um voto de protesto porque me queriam ocupando esse espaço. Mas, agora fui reeleita. Isso mostra que o que estou fazendo deve agradar sim. Dos 15 vereadores, apenas seis foram reeleitos e estou entre eles pelo que fiz", contou a vereadora.
Em entrevista ao LeiaJa.com, Paulette contou que os dias na Câmara de Vereadores não são fáceis e ainda enfrenta muito preconceito, ainda mais por morar ocupar esse cargo no Nordeste. "A barreiras nunca acabam, mesmo sendo vereadora. Consigo aprovar projetos, mas um ou outro sempre geram uma discussão no espaço de poder, já que muitos políticos não me aceitam aqui", lamentou.
Ela relembrou que escreveu uma requerimento para agradecer a uma pessoa por colocar em um evento um banheiro para mulheres transexuais. "Um vereador não gostou e disse que a mulher dele nunca usaria o mesmo banheiro que eu", disse.
Para Paulette, a sua candidatura é muito mais do que uma vitória pessoal. "Sempre que eu subia nos palcos, era motivo de piada porque todo mundo queria sorrir. Mas, minha postura séria e minha luta pela aceitação dos LGBTs na política fez com que muitos outras travestis e transexuais criasse coragem e entrassem na disputa eleitoral", afirmou. Na última eleição, a vereadora conta que só em Palmares foram mais 14 candidatos LGBTs na disputa e embora não tenham ganho, a tentativa pode influenciar ainda mais em outras eleições. "Eu abri as portas".
Apesar de ocupar a Câmara dos Vereadores, Paulette entrou para as estatísticas também foi vítima de transfobia, em 2017. Ela foi agredida e xingada em praça pública por desavenças financeiras com um homem, que preferiu não citar o nome. "Ele me encontrou e já veio para cima de mim. Até hoje, em 2018, não foi preso, mesmo eu prestando uma queixa e ter imagens que comprovam a agressão. A Justiça é lenta, ainda mais para a gente LGBT", complementou.
Apesar dos diferentes percalços, a primeira vereadora travesti de Pernambuco acredita que nas próximas eleições mais homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais vão entrar na política para ocupar os cargos. "Eu acredito muito nisso, tinha que ter muito mais gente no parlamento brasileiro. Imagina uma prefeita travesti, um deputado federal. Estamos avançando, mas sempre tem um ou outro querendo nos derrubar", finalizou.
As dificuldades de Jean Wyllys num país homofóbico
Deputado federal diz que é vítima de homofobia há 6 anos na Câmara. Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Jean Wyllys de Matos Santos, único deputado federal assumidamente homossexual do Brasil, venceu o Big Brother Brasil e se tornou ícone na luta das minorias e dos direitos humanos. O político foi eleito deputado federal pelo PSOL-RJ para os mandatos 2011-2014 e 2015-2018. Em 2011, Jean foi homenageado com o Prêmio Trip Transformadores, foi o segundo mais votado nas categorias “Melhor deputado” e “Parlamentar de futuro” em seu ano de estréia no Prêmio Congresso em Foco, foi eleito, pela revista Época, um dos 100 brasileiros mais influentes em 2011.
"Um dos únicos representantes do Brasil. Mesmo quando você supera todas as barreiras para a entrada no partido, ser eleito e quando se chega no espaço representativo, acontece uma dificuldade interna de ser ouvido, de ter os projetos apoiados. São inúmeras expressões de violência aberta e ataques homofóbicos. A gente precisa de mais LGBTs nesses espaços de poder", explicou Cleyton.
Em 2017, a implantação do Conselho Municipal LGBT no Recife foi barrada na Câmara de Vereadores e o Projeto de Lei nº 60, de 2013, não saiu do papel. Ao todo, foram 16 votos a favor e 13 contra. Eram necessários no mínimo 20 votos para o pleito sair vencedor. Pesaram contra a proposta a bancada evangélica.
A ideia do conselho seria debater políticas públicas para a comunidade LGBT e fiscalizar a prática de homofobia e bullying, por exemplo, em escolas e hospitais. O projeto foi escrito pelo poder executivo municipal. Um dos motes dos defensores do conselho se referem às mortes de pessoas LGBT no país. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia, 2017 foi o mais violento da história para a comunidade gay, contabilizando 445 vítimas da homotransfobia: 387 assassinatos e 58 suicídios no país, sendo 27 dessas mortes registradas em Pernambuco.
Ainda de acordo com o especialista, uma saída para enfrentar as barreiras da política institucional do segmento é investir em movimentos sociais porque não existem essas limitações e há liberdade para se organizar e desenvolver ações, como por exemplo, a parada do orgulho LGBT.
De acordo Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGTL), para as eleições de 2018, ainda não há um mapeamento feito porque as candidaturas não foram efetuadas oficialmente. “Os partidos não têm coragem de se comprometer no nível que a gente precisa da pauta e mesmo permitindo a candidatura, na imensa maioria o candidato não recebe muito financiamento por conta do preconceito. Por isso, são campanhas de muita garra, muito esforço mas de pouco recurso. A realidade é de pauperização da população LGBT. A maioria não são bem sucedidos e os que conseguiram esse espaços não financiam as campanhas dos outros”, informou.
Em 2018, a ABGLT se une ao coletivo VOTELGBT e participa da campanha que se chama “Vote LGBT” para tentar mapear no campo dos direitos humanos os candidatos e candidatas que já assumiram compromissos na plataforma política do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O coletivo atua que desde 2014 e busca aumentar a representatividade de travestis, transexuais, lésbicas, bissexuais e gays na política institucional brasileira.
Casais se beijam e cobram mais respeito durante Parada da Diversidade do Recife. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
Conheça alguns direitos conquistados pelos LGBT brasileiros nos últimos vinte anos:
Casamento gay:
O Brasil regulamentou o casamento civil gay. Por 14 votos a 1, uma resolução aprovada em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obriga todos os cartórios do país a celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo e a converter união estável em casamento. Desde então, 15.000 uniões homossexuais foram registradas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Adoção por casais homoafetivos:
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que uma união estável homoafetiva é equivalente à entidade familiar e garantiu a um casal de homens do Paraná o direito de adotar duas crianças. Os ministros salientaram que o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, o Código Civil Brasileiro, de 2002, e a Constituição Federal de 1988 não definem quaisquer restrições quanto ao sexo, estado civil ou orientação sexual do adotante.
Mudança de nome civil e social:
Em 2018, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a possibilidade de que transgêneros alterem o sexo e o nome presentes no registro civil, sem precisar obter autorização judicial. O processo poderá ser realizado em cartório. A decisão do STF foi aprovada por dez votos a zero e responde a duas ações distintas, agregadas em 2017 no mesmo processo.
Cirurgia de mudança de sexo e de reprodução assistida feita pelo SUS:
Desde o ano de 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia de mudança de redesignação sexual de homem para mulher. Em 2013, mulheres também foram incluídas. Além dos procedimentos, o SUS também oferta acompanhamento ambulatorial com equipe multiprofissional, incluindo psicólogos, como parte do tratamento. Também em 2013, o Conselho Federal de Medicina (CFM) determinou que casais homoafetivos estão incluídos em processos de reprodução assistida, podendo, portanto, realizar fertilização in vitro se desejarem.