Atendendo a pedido da Comissão Nacional da Verdade, o juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou na segunda-feira a retificação do atestado de óbito de Vladimir Herzog. Pela determinação judicial, daqui para a frente constará que a morte do jornalista "decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército-SP".
Herzog foi preso no dia 25 de outubro de 1975, no período do regime militar, e levado para interrogatórios nas dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do 2º Exército. Na versão das autoridades da época, ele teria cometido suicídio na prisão. No laudo da época, assinado pelo legista Harry Shibata, consta que Herzog morreu "por asfixia mecânica" - expressão utilizada para casos enforcamento.
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A recomendação ao magistrado foi assinada pelo coordenador da Comissão da Verdade, ministro Gilson Dipp. Segundo o advogado José Carlos Dias, que também faz parte do colegiado, a decisão judicial deverá ter forte repercussão. "Existem muitos casos semelhantes. Nós já estamos estudando outros para encaminhar à Justiça", afirmou.
Trata-se de decisão de primeira instância. A Promotoria de Justiça, que se manifestou contra a mudança, pode recorrer.
Reconstrução
A Comissão da Verdade tomou a iniciativa atendendo a solicitação da viúva do jornalista, a publicitária Clarice Herzog. No texto da sentença, o juiz Bonilha Filho afirmou que a Comissão "conta com respaldo legal para exercer diversos poderes administrativos e praticar atos compatíveis com suas atribuições legais, dentre as quais recomendações de adoção de medidas destinadas à efetiva reconciliação nacional, promovendo a reconstrução da história".
O juiz lembrou que, em 2011, a Justiça já reconheceu que o laudo pericial feito na época está incorreto e que a morte não ocorreu por suicídio. Diante do argumento do promotor de que seriam necessárias novas investigações para determinar a causa da morte, antes da mudança no atestado, Bonilha Filho argumentou: "Seria verdadeiramente iníquo prolongar o martírio da viúva e dos familiares e afrontar a consciência pública nacional a renovação da investigação".
Para o juiz, "há muito ficou apurado, em termos de convicção inabaláveis, por via jurisdicional comum, que o jornalista Vladimir Herzog perdeu a vida em razão de maus tratos e de lesões sofridas, em circunstâncias de todos conhecidas." A família de Herzog, que nunca acreditou nas informações dos militares sobre suicídio, esperou 37 anos para conseguir a mudança no atestado de óbito.
Colegiado
A Comissão Nacional da Verdade quer saber de onde partiam as ordens, executadas por policiais civis e militares, de tortura, sequestro e desaparecimento de prisioneiros políticos no período do regime militar. Os policiais, segundo integrantes da comissão, não agiam por vontade própria, mas cumpriam ordens, dentro de uma cadeia de comando.
"A tortura foi uma política de Estado durante a ditadura militar", diz o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da comissão. "As torturas, os desaparecimentos, os assassinatos não foram resultado de excessos cometidos por alguns integrantes do aparato do Estado."
À comissão, segundo o sociólogo, não interessam apenas informações sobre os agentes acusados de violações de direitos humanos que já são em grande parte conhecidos: "Queremos saber de onde vinham as ordens para a execução dessa política".
Em encontro com jornalistas, na segunda-feira, em São Paulo, integrantes da comissão revelaram que a principal dificuldade que enfrentam é a falta de documentos da área militar sobre o período investigado. As solicitações feitas às autoridades militares são respondidas, invariavelmente, com a informação de que os documentos foram incinerados. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.