Uma função que sempre existiu em aplicativos como Instagram e plataformas como YouTube acabou se transformando em um dos principais passatempos da quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus. As lives, transmissões ao vivo, se tornaram opção de entretenimento para o público além de canal para que os artistas possam manter-se trabalhando, comunicando-se com os fãs e até mesmo faturando.
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Elas começaram de maneira um tanto discreta, com artistas falando e cantando diretamente de suas casas em modestas transmissões pelo Instagram. No entanto, o apelo junto aos fãs foi tamanho que rapidamente, não só a classe artística como patrocinadores e produtores da indústria cultural perceberam o grande potencial desse tipo de apresentação e o que começou como uma maneira de manter o vínculo entre artista e o público logo tomou proporções maiores, transformando-se em uma verdadeira mina de ouro com ares de linguagem do futuro para o mundo do entretenimento.
No Brasil, o primeiro a fazer da live um espetáculo foi o sertanejo Gusttavo Lima. Ele levou sua apresentação online para o YouTube, com uma produção elaborada, que contou com cenário, estrutura de som e até garçom, além do patrocínio de uma grande marca de bebidas. O show virtual do Embaixador quebrou recordes na internet, com cerca de 750 mil acessos simultâneos, e deu início a um ranking de visualizações que mobilizou vários outros artistas como Marília Mendonça (3,3 milhões), Jorge & Mateus (3,1 milhões) e Sandy e Junior (2,5 milhões).
Reprodução/Facebook
Mas, a grandiosidade dos números dessas lives não fica apenas na quantidade de visualizações. Os artistas têm usado o espaço para arrecadar donativos para projetos de assistência social e o resultado tem sido surpreendente. Luan Santana conseguiu arrecadar mais de 300 toneladas de alimentos em apenas uma apresentação; já a live que juntou os Amigos (Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano e Leonardo) recebeu R$ 1,7 milhão em doações para o combate ao novo coronavírus. Por outro lado, os cantores também têm lucrado alto com este novo mercado. Os espaços publicitários nas lives de grandes nomes, como Marília Mendonça e Wesley Safadão vão de R$ 60 a R$ 500 mil.
Indústria
O sucesso absoluto das lives descortinou um novo caminho para a indústria do entretenimento. Para os artistas, essa modalidade de show trouxe a possibilidade de continuar gerando renda em um momento em que a realização de eventos presenciais, com aglomeração de pessoas, está terminantemente proibida. Além dos patrocínios, alguns profissionais da cultura têm cobrado ingresso para suas lives, como o músico pernambucano Juvenil Silva, que chegou a criar uma espécie de casa de espetáculos virtual, com o projeto @aovivoemcasa. A ideia é promover apresentações com a contribuição espontânea do público em forma de ingresso virtual.
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Ultrapassando os limites imaginários da internet, as apresentações online também já movimentam a cadeia produtiva da cultura e entretenimento no ‘mundo real’. Já há espaços físicos voltados para a produção e transmissão de lives, como é o caso da Space Lives Room, de São Paulo, que oferece a estrutura para os shows. Profissionais da área de iluminação, áudio e acessibilidade comunicacional, como os intérpretes de Libras, também têm encontrado trabalho neste novo mercado. O que leva a acreditar que este pode ser um caminho sem volta no que diz respeito à forma de se fazer entretenimento no século 21.
Vale ressaltar que essas lives mais produzidas demandam a participação de mais pessoas, o que tem sido motivo de críticas pelo risco de contaminação que a reunião de uma pequena equipe com oito ou 10 profissionais pode causar. Alguns artistas, inclusive, optaram por nem fazê-las, pra não se expor nem aos seus, como Zeca Pagodinho, Anitta e o grupo de rap Racionais MC’s. Os dois primeiros, no entanto, acabaram se rendendo. Já o Racionais recusou um cachê de R$ 100 mil e se manteve firme na opção de não atender aos fãs, porém, seguir cumprindo as determinações sanitárias.
Além do streaming
Mas, apesar das dimensões que as lives vêm tomando, esse meio de comunicação continua motivando os artistas para além do seu ofício. Independente da quantidade de patrocínios e horas de duração - alguns cantores chegam já chegaram a ficar por cinco horas se apresentando online -, esses shows continuam representando uma forma de se aproximar do público além de mostrar nuances mais íntimas de cada artista.
O rapper MV Bill, por exemplo, optou por fazer sua primeira, e até então única, live num espaço bastante importante para ele. “Eu quis fazer uma troca porque as pessoas sempre me levam pra sua casa, em forma de música e de videoclipe, e eu queria inverter os papéis, queria trazer as pessoas pra dentro da minha casa, onde eu faço a minha criação musical. Foi do lugar que eu transmiti minha live, onde eu escrevo a maioria das minhas músicas, onde eu penso as próximas ideias, onde eu tô escrevendo meu livro. Então, trouxe as pessoas para um canto muito especial meu, da minha vida e da minha casa”, disse em entrevista exclusiva ao LeiaJá. Bill também fez questão de frisar que prezou muito pelas questões de segurança e preferiu não envolver muitas pessoas para sua live. Ele contou apenas com a participação da irmã, a também rapper Kmila CDD, que fazendo uso de uma máscara de pano, cantou algumas músicas ao seu lado durante a transmissão.
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Já Gabriel o Pensador levou um tempo até se interessar em fazer uma live. Além do contexto de pandemia, o cantor havia perdido o pai recentemente e o momento não lhe parecia favorável. Mas os pedidos dos fãs motivaram o Pensador e o resultado foi muito além do esperado. “Quando eu abracei essa idéia eu percebi que veio uma empolgação enorme, quando faltavam poucos dias para a Live porque, já ali, aconteceu uma interação com os meus seguidores, principalmente no instagram, em que eles começaram a sugerir músicas para o repertório. Eu comecei a rever a minha obra e conversar com os meus músicos, que iam participar da Live, aquilo me deu um gás, me levantou o astral”.
A possibilidade de contar com pessoas queridas, distantes geograficamente, como amigos e familiares, também deu um outro significado ao show virtual de Gabriel e o momento acabou virando uma grande celebração. “Quando eu tenho amigos na platéia eu faço o show com mais prazer ainda. E, ali eu tinha não apenas fãs de vários países me acompanhando, até fiz uma homenagem a Portugal e aos países africanos de língua portuguesa, mas também tinha amigos me acompanhando e me incentivando. Ainda mais em um momento de emoções à flor da pele que eu vinha já de um luto da despedida do meu pai, que também foi homenageado na live”.
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Emoção e solidariedade ao vivo