O falso intérprete da linguagem de sinais que atuou na cerimônia fúnebre em homenagem ao ex-presidente sul-africano Nelson Mandela negou nesta quinta-feira ser uma fraude, alegando ter sofrido um ataque de esquizofrenia e alucinações.
Thamasanqa Jantjie foi acusado de ser uma fraude por membros da comunidade sul-africana de surdos, que afirmaram que sua tradução durante os discursos de Barack Obama e de outros líderes mundiais não passou de gestos com os braços.
Jantjie insistiu nesta quinta-feira que era um intérprete qualificado, mas justificou seu comportamento por um súbito ataque de esquizofrenia, doença pela qual ele toma remédios. "Não havia nada que eu pudesse fazer. Eu estava sozinho em uma situação muito perigosa", declarou ao jornal The Star, de Johannesburgo, acrescentando que estava ouvindo vozes e alucinando.
"Eu tentei me controlar e não mostrar ao mundo o que estava acontecendo. Sinto muito. É a situação na qual me encontrei", acrescentou.
Mas a justificativa de Jantjie aparentemente suscitou tantas perguntas quanto respostas.
Organizações de surdos da África do Sul criticaram a alegação de que era um problema isolado, afirmando que já haviam se queixado anteriormente ao governo sobre Jantjie. Imagens mostraram o intérprete atuando em um discurso do presidente Jacob Zuma nas celebrações do aniversário de 100 anos do partido ANC, no poder, em 2012.
Problemas de segurança
O governo sul-africano admitiu nesta quinta-feira "que é possível que tenha ocorrido um erro a partir do momento em que outras pessoas não compreenderam o intérprete", reconhecendo que Jantjie "não era um intérprete de linguagem de sinais profissional".
"Mas eu não acho que ele tenha sido pego da rua", declarou Hendrietta Bogopane-Zulu, vice-ministra para as mulheres, crianças e pessoas com deficiência, afirmando que ele pode ter tido problemas com o inglês ou poderia estar cansado.
Bogopane-Zulu também admitiu que o governo não conseguiu rastrear a empresa na qual Jantjie trabalhou. "Nós falamos com eles buscando algumas respostas e eles desapareceram", declarou. "Parece que eles estiveram enganando o tempo todo", disse.
Estas revelações também levantam questões sobre como Jantjie, que estava em certo momento a pouco mais de um braço de distância de Obama e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi examinado e recebeu autorização da segurança para entrar no local.
A Casa Branca direcionou todas as perguntas sobre o assunto ao governo sul-africano, mas declarou que seria lamentável se o incidente ofuscasse as "observações muito poderosas" de Obama na cerimônia. "Seria uma vergonha se uma distração sobre um indivíduo que estava no palco prejudicasse de alguma forma a importância do evento e a importância do legado do presidente Mandela", afirmou o porta-voz adjunto Josh Earnest a jornalistas em Washington.
As ações de Jantjie no memorial desencadearam indignação na comunidade surda e levaram à abertura de uma investigação pelo governo.
Cara Loening, diretora da organização Educação e Desenvolvimento da Linguagem de Sinais da Cidade do Cabo, afirmou que Jantjie era um completa fraude e parecia "que tentava espantar as moscas perto de seu rosto".
Perguntado sobre as razões pelas quais simplesmente não abandonou o palco, Jantjie disse que, dada a importância histórica do evento, ele se sentiu obrigado a ficar, mesmo que não conseguisse ouvir ou se concentrar adequadamente. "A vida é injusta. Esta doença é injusta", declarou. "Qualquer pessoa que não entenda esta doença vai pensar que eu estou inventando isso", acrescentou.
A tradução feita por Jantjie apareceu em completo desacordo com a apresentada pela emissora pública SABC, que era mostrada em uma pequena janela nas telas da rede de televisão.
O Instituto de Tradutores da África do Sul declarou na quarta-feira que já tinha certas reservas em relação a Jantjie. O presidente do instituto, Johan Blaauw, declarou que foram feitas queixas sobre o seu trabalho em ocasiões anteriores, mas que o partido do governo não tomou nenhuma atitude.
O governo, por sua vez, negou que o escândalo tenha prejudicado a reputação do país. "Estamos envergonhados como país? Eu não acho que seja a escolha certa das palavras", declarou Bogopane-Zulu.