No momento em que a rede pública de saúde do País registra falta de leitos e de medicamentos para atender pacientes da Covid-19, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), elevou em 170% o limite de despesas médicas de deputados na rede privada. O valor que pode ser reembolsado com dinheiro público passou de R$ 50 mil para R$ 135,4 mil. Pelas regras internas, gastos acima disso também podem ser devolvidos ao parlamentar, mas apenas após aval da Mesa Diretora da Casa.
O reembolso, porém, não é a única forma de os deputados terem despesas médicas pagas pelos cofres públicos. Os parlamentares têm direito a um plano de saúde, ligado à Caixa Econômica Federal, que permite o atendimento em hospitais privados. O valor pago para aderir ao benefício é de R$ 630 mensais, além de uma quota-participação de 25% sobre cada gasto realizado, segundo tabela adotada pelo convênio. O salário de um deputado é de R$ 33,7 mil.
##RECOMENDA##Parlamentares e seus dependentes ainda têm direito a ser atendidos no Departamento Médico da Câmara, em Brasília, que possui estrutura de enfermaria e realiza vários exames.
O aumento no valor do limite de reembolso foi publicado na segunda-feira passada e atualiza uma resolução de 2015. Lira justificou o reajuste de 170% pela defasagem da inflação no período. "Nos últimos anos, a chamada 'inflação médica' tem superado o índice oficial de inflação: Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O fenômeno, inclusive, não tem se restringido ao Brasil", diz a justificativa do ato assinado pelo presidente da Câmara.
O IPCA, índice de inflação oficial, medido pelo IBGE, foi de 30% no período, aumento bem aquém do projetado por Lira. A "inflação médica" citada também ficou abaixo dos 170%.
Pelos cálculos do economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, a variação do chamado grupo saúde na taxa de inflação teve alta de 38% no mesmo período - assim, o valor do teto para reembolso passaria para R$ 69 mil.
De acordo com o economista, dentro do grupo saúde há ainda variações que poderiam ser utilizadas para o reajuste. "Por exemplo, o subgrupo de 'serviços de saúde' poderia ser mais adequado para esta finalidade. Este subgrupo teve alta acumulada de 57,6% neste período, o que levaria o valor de R$ 50 mil para R$ 78,8 mil", afirmou Campos Neto. Em uma outra hipótese, o economista fez a correção pela inflação dos planos de saúde. Nesse caso, a variação de 72,5% resultaria em um valor ajustado de R$ 86,2 mil.
Desde 2013, a Câmara passou a autorizar o reembolso de despesas médicas de até R$ 50 mil de forma automática. Apenas valores acima disso precisavam ter o aval da Mesa Diretora, composta por sete integrantes, incluindo o presidente da Casa.
Em 2019, o Estadão mostrou que a Câmara reembolsou o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) em R$ 157 mil por um tratamento odontológico. Na ocasião, o parlamentar argumentou que precisava corrigir um problema de articulação na mandíbula e reconstruir o sorriso com coroas e implantes.
O pedido de reembolso do parlamentar foi inicialmente rejeitado pela equipe técnica, mas ele recorreu à Mesa Diretora, na época comandada pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que aceitou pagar pelo tratamento. Em nota, na ocasião, a Câmara afirmou que o "parecer do departamento médico foi seguido em sua totalidade".
Benefício
Parlamentares disseram à reportagem, em caráter reservado, não ver impacto com a mudança, já que, na prática, todos os reembolsos, mesmo os de maior valor, são aprovados. Por se tratar de um benefício, eles preferiram não apoiar publicamente a medida.
Outros deputados, porém, consideraram tratar-se de um privilégio inaceitável num momento de crise sanitária no País. "Isso é vergonhoso. Nós deveríamos achar soluções para ajudar o Brasil a enfrentar a pandemia e não em benefício próprio", afirmou o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ). "É um benefício totalmente descabido e inadequado à realidade brasileira", disse ele.
O líder do Cidadania, Alex Manente (SP), também criticou o momento do reajuste. "A maioria não utiliza esse valor, creio que a mudança foi feita em virtude dos custos que existem na pandemia, porém, não acho que foi apropriada essa decisão nesse momento", afirmou o deputado.
Procurado pela reportagem, Lira não se manifestou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.