O Cine PE tem história digna, construída sobre escolhas legítimas. É bobagem seus opositores radicalizarem discursos, negando quaisquer êxitos dos organizadores. Mas reconhecer a legitimidade não implica fechar as portas ao debate. Festival chegou sim numa encruzilhada. Momento, plateia e realizadores possuem demandas que, se não atendidas, hão de legar papel histórico menor para o evento, ainda que sua trajetória permaneça relevante.
Não se trata de substituir modelo que prioriza números e clima festivo – até porque ninguém aposta duas jujubas que seus criadores estejam dispostos a tanto. Questão é outra: sejam quais forem suas metas comerciais e de entretenimento, a fase do cinema brasileiro (e mais especificamente do pernambucano) sugere que o Cine PE consiga respirar ares mais democráticos, críticos e inovadores, além de bem menos ostensivos no que se refere aos custos.
Bancado por R$ 2,5 milhões (via lei de incentivo, ou seja, por renúncia fiscal), o Cine PE segue curva crescente de valores, navegando em maré contrária a dos tantos festivais que têm provado ser possível fazer muito mais com bem menos. Não que seja imoral empregar recursos públicos em empreendimentos com nítido viés comercial. Acontece que, se não forem além da busca de números, de lotações que reverberem na mídia, sua natureza estará muito mais adequada à lógica do mercado livre, da iniciativa privada, em vez da acolhida generosa que o Estado proporciona.
Há pouco, assistimos à polêmica entre Kleber Mendonça Filho, diretor do premiado O som ao redor, e Carlos Eduardo Rodrigues, o Cadu (que, depois, e não por coincidência, foi demitido das Organizações Globo). O cineasta pernambucano afirmou que até o seu vizinho conseguiria produzir filme e ter 200 mil espectadores nos cinemas, desde que apoiado pela Globo. Em resposta, Cadu o desafiou a fazer sucesso comercial com a ajuda da mesma empresa; caso contrário, estaria provado que, como diretor, Kleber é na verdade "um bom crítico".
Dali, assomaram discussões apaixonadas, repercussões virais na web, sempre baseadas nessa redutora dicotomia que coloca em fronts opostos os realizadores movidos pelas bilheterias e os cineastas independentes que não se rendem às exigências do mercado. Apesar da foiçada ingênua, incapaz de trabalhar a complexidade do tema, é inegável que mundo da sétima arte vive órbitas propícias à reflexão e à renovação.
Eventos de cinema não precisam vestir uma das camisas desse fla x flu, podem tentar conciliar demandas, cumprir veredas alternativas. Se, no entanto, quiserem jogar nessa lógica extremada, que assumam os riscos! Bronca é que as declarações dos organizadores do Cine PE não sugerem qualquer dos cenários, parecem falas de produtores marcianos, recém-pousados, repetindo lugares-comuns tirados de recortes de jornais antigos. A resposta costumeira de Alfredo Bertini, criador do evento, por exemplo, deixa claro sua anacrônica e enviesada opinião-recibo:
– Festival de cinema é isso. Em qualquer processo seletivo, sempre fica alguém satisfeito e outro insatisfeito.
Erra feio. Poço não é tão raso. Não compreende que os questionamentos podem até ser próximos dos testemunhados ao longo das dezesseis edições anteriores do Cine PE, mas se mostram diferenciados pela natural inclusão de outras nuanças tecnológicas, estéticas e políticas. Melhor: Alfredo não ignora que os cenários são díspares, mas acredita que sua lógica particular segue valendo nestes novos tempos – e finda tacando uma bola fora, das mais constrangedoras!
Cine PE chegou até aqui rodeado de repetidos elogios e queixas: de ser o “Maracanã dos festivais”, com teatro quase sempre lotado (se bem que as últimas edições apresentação público bastante irregular); de selecionar mal os filmes de sua mostra competitiva e ter parâmetros equivocados de categorização e premiação; de criar um ambiente positivo de oficinas, de diálogos fora das sessões, mas de pecar repetidamente na organização do evento e na qualidade da projeção dos filmes – das coisas mais irritantes para a plateia, e revoltantes para os realizadores.
Porém, consta nas atas que, depois de cantar quase duas dezenas de vezes, esse galo rouco morreu. Em seu lugar, existem diversos outros, de fôlego renovado, de diferentes penas e horários, ratificando que cinema pode ser mais, pode ir além. Que ele não se deve tolamente apartado ou violentamente algemado às regras mercadológicas; que as conquistas amealhadas por teóricos e realizadores não servem como pedra normativa, embora apontem caminhos e enriqueçam a jornada; que o público protesta conforto, esmero técnico e todos os outros itens desta caixa chamada RESPEITO – comprada com ingresso caro ou com dinheiro de impostos.
Respeito que também merecem os realizadores. Entre as principais queixas destes, está a inexistência de premiação em dinheiro para os vencedores, além da não remuneração pela exibição dos filmes. Em evento com este aporte de recursos, causa estranheza realmente que nada seja repassado aos cineastas. Daí muitas produções se negarem a participar do evento. Se pensarmos que a média de público de filmes independentes no Brasil fica entre 20 e 50 mil espectadores, com alguns poucos milhares ou centenas em cada capital, a veiculação gratuita dos mesmos mata a praça, zera a possibilidade de alguma bilheteria naquela cidade. Dureza!
Quem sabe o Cine PE não está só comemorando final da adolescência? Enfiando os pés na jaca neste 2013, para na edição que vem festejar sua maioridade? Chegar aos 18 anos cônscio de que nem tudo na vida é ter dinheiro (dos outros) para gastar, festas para organizar e popularidade para exibir.
A família (que lhe quer muito bem) agradece.