O papa Francisco chamou, neste domingo (24), de "crime" o uso da energia atômica para fins militares e denunciou a lógica da dissuasão nuclear, durante visitas a Nagasaki e Hiroshima, cidades japonesas atingidas pela bomba atômica.
"O uso da energia atômica para fins militares é hoje, mais do que nunca, um crime, não apenas contra o homem e sua dignidade, mas também contra qualquer possibilidade de futuro em nossa casa comum", declarou Francisco em uma mensagem pronunciada no Memorial da Paz de Hiroshima, não muito longe de onde a bomba americana caiu em 6 de agosto de 1945.
Mais cedo esta manhã, ele rejeitou em Nagasaki, atingida três dias depois por uma segunda bomba A, a doutrina segundo a qual possuir armas nucleares para dissuadir ataques é o caminho para garantir a paz.
Uma "falsa segurança" que envenena as relações entre os povos, lançou na cidade da ilha de Kyushu, no sudoeste do Japão, onde suas palavras foram ouvidas por sobreviventes do bombardeio em que ao menos 74.000 pessoas morreram.
"A verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada", declarou ele mais tarde em seu discurso em Hiroshima, onde pelo menos 140.000 pessoas morreram na manhã do ataque e nos meses seguintes.
- "Viver, morrer de forma humana" -
O horror da guerra e das armas, um grito recorrente do argentino Jorge Bergoglio, é uma continuação dos papas que o precederam.
Mas uma clara rejeição à teoria da dissuasão nuclear é uma ruptura com o passado. Diante das Nações Unidas em 1982, João Paulo II definiu essa doutrina como um mal necessário "nas condições presentes".
A Santa Sé ratificou em 2017 o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TIAN). Dois anos atrás, em um simpósio no Vaticano, Francisco havia condenado a "posse" de armas nucleares e a "ameaça de seu uso". Porque, para ele, as relações internacionais não podem se basear em intimidações militares.
O papa também se revoltou neste domingo contra toda a cadeia de armas: "A fabricação, modernização, manutenção e venda de armas cada vez mais destrutivas são um ultraje contínuo para o céu".
Ele se encontrou com sobreviventes, chamados "hibakusha" no Japão, e prestou homenagem à "força e dignidade" daqueles que sofreram em seus corpos "os sofrimentos mais atrozes" e "em seus espíritos, os germes da morte".
"Minha mãe e minha irmã mais velha foram mortas, carbonizadas. E, mesmo que você sobrevivesse, não poderia mais viver ou morrer como ser humano (...) Esse é o horror das armas nucleares", explicou à imprensa Sakue Shimohira, de 85 anos, que entregou ao papa um buquê de flores brancas em Nagasaki, em frente ao principal monumento do "parque da paz", local central do impacto da bomba atômica.
- 440.000 católicos -
"Este país conheceu como poucos o nível de destruição que o ser humano é capaz", disse o papa em sua homilia durante uma missa ao ar livre celebrada diante de 35.000 pessoas em um estádio de beisebol em Nagasaki.
O Japão, dotado de uma Constituição pacifista ditada pelos ocupantes americanos após a Segunda Guerra Mundial, também adotou em 1967 os princípios de "não produzir, deter ou introduzir em seu território armas nucleares".
Ainda assim, o país depende do guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos para sua segurança.
Em um segundo discurso em Nagasaki, antes da missa, Francisco prestou homenagem aos primeiros missionários japoneses e "mártires" dos séculos XVI e XVII, "uma fonte profunda de inspiração e renovação" para ele em sua juventude, e recordou a necessidade de garantir a liberdade religiosa para todos.
Apenas 440.000 japoneses são católicos, de uma população total de 126 milhões. Francisco também se encontrará na segunda-feira com vítimas do terremoto de magnitude 9 no nordeste do Japão e do tsunami, que matou 18.500 pessoas em 11 de março de 2011, um desastre natural seguido pelo desastre nuclear de Fukushima.