De acordo com dados de 2015 da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA), 17 pessoas morrem por afogamento todos os dias no Brasil, sendo essa a segunda maior causa de morte acidental do País, ficando atrás apenas dos acidentes de trânsito. Ainda segundo a SOBRASA, a maior parte das mortes acontece na região Norte, enquanto que o Nordeste está no segundo lugar, no período de novembro a fevereiro, durante o verão. Todo esse contexto demonstra a importância da atuação dos guarda-vias. O LeiaJá ouviu profissionais para saber mais sobre o trabalho de prevenção de acidentes e resgate das vítimas de afogamentos e ataques de animais aquáticos.
Os guarda-vidas civis são responsáveis por todas as atividades relativas à prevenção de acidentes aquáticos em ambientes privados (como piscinas de clubes) e públicos (como mares, rios, represas, lagos e áreas de banho coletivo em geral). Já os guarda-vidas militares são ligados ao corpo de bombeiros, concursados para atuar apenas em áreas públicas, além de realizar resgates em altura e atendimento pré-hospitalar.
##RECOMENDA##No Recife, as praias são patrulhadas por guarda-vidas militares, mas algumas cidades litorâneas de Pernambuco também contam com guarda-vidas civis para cuidar das praias, como o município do Cabo de Santo Agostinho e a região de Porto de Galinhas (que pertence ao município de Ipojuca).
‘Guarda-vidas’ ou ‘Salva-vidas’? Há diferença?
Ambas as nomenclaturas são comumente utilizadas para designar a profissão daqueles que protegem e resgatam vítimas de acidentes aquáticos, mas afinal, qual é a forma mais aceita para se referir a esses profissionais? Rafael Lins é guarda-vidas, instrutor e presidente da Academia Pernambucana de Salva Vidas e Guarda Vidas (APSA) e diz o seguinte: “Os dois jeitos são aceitos, mas muitos profissionais preferem ser chamados de guarda-vidas, porque a atividade principal não é o salvamento, mas a prevenção. O salvamento ocorre quando a prevenção de acidentes falha. Guarda-vidas passa a ideia de proteção, de prevenção que norteia o nosso trabalho”.
Rafael, ao chegar ao seu local de trabalho, precisa armar o seu posto organizando a mesa (se estiver em área de piscina) ou cadeirão (para praias), além de preparar os equipamentos de trabalho (apito, objetos flutuantes, protetor solar, repelente contra tubarão, etc.) e fazer um treinamento para aquecimento. Depois disso, é preciso analisar as condições do tempo e da maré, localizar e sinalizar as valas de retorno de água, regiões com pedras, áreas de correnteza forte e áreas propícias a ataques de animais como tubarões.
Também é função de guarda-vidas alertar banhistas que apresentem atitudes que lhes ofereçam risco, além de orientar pais e responsáveis que estejam com crianças sobre as medidas de segurança para evitar que haja afogamento ou que as crianças se percam. Em piscinas, também é preciso verificar condições de higiene, a conservação da sinalização de segurança e verificar o funcionamento de equipamentos como bombas, para avaliar se elas oferecem risco. Em qualquer situação de irregularidade, também é dever dos guarda-vidas alertarem o poder público ou a direção dos clubes para que sejam tomadas as devidas providências.
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Segundo Lins, “o mais difícil é a prevenção, porque a população às vezes não entende que aquilo é para a sua segurança e acha que está sendo cerceada em seu direito de ir e vir”. Ele também coloca como fator de dificuldade a falta de interesse do poder público no sentido de garantir uma estrutura mínima para o aperfeiçoamento do serviço e um bom quadro de funcionários atuando nas áreas de banho. “O governo prefere gastar com outras coisas, tem praia em que falta efetivo (de profissionais trabalhando) e sinalização. Afogamento é a segunda maior causa de morte acidental no Brasil, tem dados sobre isso que o governo não divulga, porque se divulgasse teria que abrir concurso todo ano para contratar um número suficiente de profissionais guarda-vidas e prevenir essas mortes”.
Os guarda-vidas também buscam uma maior valorização de seu trabalho. Segundo Rafael, ainda há muitos direitos que eles deveriam ter e ainda não estão garantidos: “A hora de trabalho dos guarda-vidas é a mais baixa dentre as profissões do Brasil, trabalhamos no sol o dia todo e corremos riscos, mas não temos aposentadoria especial e nem fator de insalubridade do trabalho”.
Apesar das dificuldades, Rafael diz que o mais gratificante é o sentimento de fazer um bom trabalho protegendo e salvando as pessoas. "A parte mais gratificante é quando a gente salva uma vítima com vida e durante todo o resto do dia não tem mais nenhuma ocorrência, quando reconhecem o nosso trabalho. Meu trabalho é uma terapia pra mim, nele eu esqueço todos os problemas da minha vida, quem gosta de ser guarda-vidas se sente, sim, um heroi, somos anjos das águas que protegem, principalmente, mais ainda do que salvamos”.
Quanto ganha um Guarda-Vidas?
Segundo Rafael Lins, os guarda-vidas civis que trabalham em locais públicos com 36 horas de descanso (trabalham dia sim, dia não) por semana recebem em média R$ 2 mil mensais. Os que trabalham em ambientes privados segundo o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com 44 horas de trabalho por semana e dois dias de folga (que podem variar, não é sempre sábado e domingo) ganham de R$ 1300 a R$ 1700. Já os guarda-vidas militares recebem do corpo de bombeiros um salário de, em média, R$ 3.060.
Como é a formação necessária para ser Guarda-vidas?
O curso de formação e treinamento para guarda-vidas é composto por uma etapa de aulas teóricas e práticas, seguidas de três provas: uma teórica contendo 20 questões, uma prova prática com simulação de resgate e socorro de vítimas, além de uma prova física, que consiste em uma corrida de 2.400 metros de corrida que devem ser cumpridos em 12 minutos para homens e em 13 minutos para mulheres. Além disso, é muito importante que os participantes saibam nadar. Os aprovados recebem certificados ao fim das provas. Confira o vídeo em que o instrutor Rafael Lins explica o que é necessário para ingressar no curso de formação:
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Desafio e satisfação: a mulher na profissão de guarda-vidas
A ex-soldadora Maryanne de Mello, que é guarda-vidas há um ano, falou para o LeiaJá como é lidar com os treinos e com as dúvidas das pessoas quanto a sua força no momento de um salvamento. Certificada como bombeiro civil, ela conta que decidiu mudar de profissão por gostar muito de esportes e do mar, além de sempre ter visto os guarda-vidas atuando perto de sua casa. A família, a princípio, teve medo da mudança e dos possíveis riscos que a atividade de guarda-vidas poderia trazer, mas, segundo Maryanne, com o tempo os familiares foram percebendo que a atividade principal de uma guarda-vidas é a prevenção.
De acordo com ela, são vários os desafios que a profissão oferece para todos que a exercem e reconhece que para as mulheres existe, sim, uma necessidade de mais esforço nos treinamentos, mas é isso que mais a motiva. "Eu não sinto tanto porque cuido da alimentação, tenho uma rotina regrada de descanso e treino, também sempre pratiquei outros esportes então tem uma dificuldade maior, é algo que me desafia, mas eu gosto é que me desafie mesmo, me dá muita satisfação”. No que diz respeito aos treinos, Maryanne diz que não há diferença entre os gêneros, pois homens e mulheres treinam juntos e têm igual capacidade de agir na prevenção de acidentes e em situações de emergência.
Maryanne diz que nunca se sentiu discriminada. "Em geral as pessoas elogiam e ficam impressionadas de ver uma mulher guarda-vidas já que existem poucas". No entanto, ela também sente que há momentos em que as guarda-vidas são olhadas com certa dúvida ou desconfiança. “Creio que existe aquele pensamento de dúvida sobre a força, se consigo socorrer em um afogamento alguma pessoa mais pesada, um homem, um obeso, mas o treinamento é igual, a gente se prepara, estuda, se esforça então a diferença física entre homens e mulheres é compensada pelo preparo”. Maryanne se declara feminista e diz que busca incentivar outras mulheres a perderem o medo e o receio de ingressar na profissão e que nenhuma dúvida ou preconceito lhe faria desistir.
Menstruação, água e tubarões
Uma das recomendações de prevenção a ataques de tubarão dada pela guarda-vidas às mulheres é “não entre no mar se estiver menstruada, pois os tubarões são atraídos pelo cheiro do sangue na água”. Além disso, durante o período menstrua,l não é apenas o sangue que incomoda as mulheres; inchaço, cansaço, cólicas, tonturas e dores de cabeça são desconfortos comuns na vida de muitas mulheres em idade fértil. Como se faz, então, para conciliar as necessidades do corpo feminino com o trabalho de guarda-vidas?
Maryanne diz que estar menstruada atrapalha um pouco nos treinamentos, mas que mesmo assim ela não interrompe o trabalho apesar da dor e do desconforto. Em casos de ataques de tubarão, entrar na água estando menstruada é, sim, um risco. Durante esse período, ela conta que evita entrar no mar, mas que, se precisar, existem meios de tornar o trabalho mais confortável e seguro: “Eu opto por usar um absorvente interno para ficar mais confortável e evitar que o sangue vá para a água”.
Quando perguntada sobre a possibilidade de uma emergência por ataque de tubarão, quando o sangue poderia oferecer risco a ela, Maryanne diz que há outras formas de prestar apoio ao resgate sem ir para o mar: “Guarda-vidas não trabalham sozinhos, sempre há dois ou três no posto. Eu poderia dar apoio em terra e acionar um colega que fosse ao mar retirar a vítima”.
O Major Aldo Silva, assessor do Corpo de Bombeiros de Pernambuco, explica como é o dia-a-dia de trabalho nas praias onde há maior risco de ataque de tubarão e quais as medidas de segurança que a população deve adotar para evitar as ocorrências. De acordo com o Major, a patrulha das praias conta com cerca de 22 guarda-vidas das 8h às 17h, todos os dias, distribuídos ao longo da faixa litorânea em postos de vigilância construídos especificamente para este fim. Além disso, segundo ele, a maior ferramenta de atuação dos guarda-vidas são as intervenções junto à população quando alguém é visto tomando atitudes que ofereçam risco de ataque ou afogamento: “Nós abordamos os banhistas e os orientamos sobre os riscos que estão correndo. Em 2015 foram realizadas 52.668 intervenções e em 2016 foram 108.146, representando um aumento de mais de 100%”.
De acordo com o Major, tomar banho para além da linha de arrecifes, em mar aberto, é uma conduta de risco que expõe os banhistas a ataques. Além disso, é aconselhado não estar na água ao entardecer, em dias nublados, chuvosos e quando a água estiver turva, pois nessas condições os tubarões não enxergam bem e confundem humanos, que não lhe servem de alimento, com tartarugas, que fazem parte da sua dieta. A prática de surf também é perigosa, pois a posição do surfista deitado sobre a prancha também leva o animal a confundir as pessoas com tartarugas. Apesar de não ter boa visão, os tubarões têm um ótimo olfato e são atraídos pelo cheiro de sangue na água, sendo um risco para as mulheres tomar banho de mar durante o período menstrual.
Sinalização
Perguntado sobre como anda a sinalização das praias, o Major Aldo afirma que algumas placas mais antigas foram substituídas por outras novas, mas não todas. Ele afirma também da importância de conscientizar a população no sentido de não depredar a sinalização e como ela ajuda tanto na prevenção quanto no momento de pedir socorro. “Há sinalização desde o Bairro Novo, em Olinda, até a praia do Paiva, no final do litoral de Jaboatão dos Guararapes. Cada placa contém um número de identificação que serve de referência para o local onde elas estão e também o telefone 193 para chamar os guarda-vidas. Informando a numeração, é mais fácil chegar com rapidez ao local da emergência e agir de modo mais eficiente no salvamento”, orienta.
Salvamento
De acordo com o Major Aldo, no momento em que há uma emergência por ataque de tubarão, os guarda-vidas dispõem de repelentes de tubarão para afastar o animal, materiais flutuantes para manter a vítima sobre a água e embarcações para auxiliar na condução da vítima de volta à praia (além disso, o som da embarcação também afasta o tubarão), além de quadriciclos e viaturas em terra. A partir do momento em que a vítima chega à praia, os guarda-vidas agem para conter a hemorragia causada pela mordida e encaminham a vítima ao hospital.
O último ataque ocorreu em setembro do ano de 2013, e vitimou a jovem paulista de 18 anos Bruno Gobbi, atacada na região próxima à pracinha de Boa Viagem. Bruna foi mordida na perna esquerda que foi amputada, porém a moça não resistiu aos ferimentos e veio a óbito. Além dela, de acordo com o Comitê Estadual de Monitoramento dos Incidentes com Tubarão (CEMIT), de 1992 a 2016, foram registrados 61 casos de ataques no Estado de Pernambuco, representando uma média de 2,5 ataques por ano no estado.
Regulamentação da profissão de guarda-vidas: veja o que dizem os projetos de lei em tramitação no Senado Federal
A regulamentação é uma pauta de interesse dos profissionais do salvamento aquático, que buscam conquistar direitos como piso salarial, insalubridade no trabalho e regime de aposentadoria especial A profissão de guarda-vidas ainda não é regulamentada no Brasil, apesar de, há muito tempo, ser uma pauta de grande importância para a categoria, que busca mais valorização. Atualmente, há dois Projetos de Lei em debate que tramitam no Senado Federal, ambos já aguardando inclusão na ordem do dia de requerimento.
O PL número 42 do ano de 2013 é de autoria do Deputado Nelson Pellegrino (PT/BA) e determina que “salva-vidas são os profissionais qualificados, habilitados e aptos a trabalhar em piscinas, mares, lagos, rios, represas e em todos os ambientes aquáticos de uso público ou coletivo” e a profissão somente pode ser exercida por maiores de 18 anos que gozem de plena saúde física e mental com ensino médio completo, curso profissionalizante de Salva-Vidas com carga mínima de 120 horas/aula e que consigam nadar 100 metros em até 1 minuto e 20 segundos, 200 metros em 3 minutos e 30 segundos e mil metros em meia hora. O projeto também obriga a presença de dois guarda-vidas a cada 300 metros quadrados de superfície aquática durante os horários de uso de piscinas públicas e coletivas em clubes, condomínios, escolas, associações, hotéis e parques públicos e privados.
As empresas teriam um período de seis meses para se adaptar às normas em caso de aprovação da lei. A carga horária prevista no PL seria de 40 horas semanais e os profissionais teriam direito a acréscimo de 40% no salário por insalubridade. O piso seria de 3 salários mínimos, o que atualmente corresponde a R$ 2.811.
Já o PL número 66 do ano de 2011, de autoria da Deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), determina que “considera-se guarda-vidas o profissional apto a realizar práticas preventivas e de salvamento relativas à ocorrência de sinistros em ambientes aquáticos” e também lista as atribuições da profissão de guarda-vidas. Em relação a quem pode ser guarda-vidas, são aceitas pessoas que tenham mais de 18 anos, ensino fundamental completo ou equivalente e formação em curso profissionalizante “ministrado por escola técnica criada por iniciativa pública ou privada e oficialmente reconhecida”. Há também a previsão de verificação das condições a cada dois anos realizada por órgão competente de fiscalização. No que diz respeito a empresas que têm piscinas, o PL determina que “a contratação dos serviços de salvamento aquático é de responsabilidade do administrador, proprietário ou não, do estabelecimento que possuir piscina ou qualquer parque aquático com acesso facultado ao público” e institui a obrigatoriedade do fornecimento de seguro de vida e de acidentes em favor do guarda-vidas, entre outras exigências.