Natureza ou criação? A busca para entender por que os seres humanos matam uns aos outros tem ocupado a mente dos filósofos, sociólogos e psicólogos há séculos. Será que somos violentos por natureza, como o inglês Thomas Hobbes postulou na década de 1650, ou seria o nosso comportamento mais influenciado pelo ambiente em que crescemos, como Jean-Jacques Rousseau teorizou um século mais tarde?
Nessa terça-feira (27), uma equipe de cientistas que examinou a questão por um novo ângulo - o da biologia evolutiva - concluiu que a nossa natureza violenta foi, pelo menos parcialmente, herdada de um antepassado antigo, e compartilhada com primatas. A violência letal parece estar "profundamente enraizada" na linhagem de macacos, símios e Homo sapiens, escreveram os pesquisadores na revista científica Nature.
Isso sugere que "um certo nível de violência letal nos seres humanos surge a partir da ocupação de uma posição dentro de um clado de mamíferos particularmente violento". Um clado é o termo biológico para um grupo de organismos que descendem de um ancestral comum.
Os pesquisadores espanhóis reuniram dados relativos a mais de quatro milhões de mortes em 1.024 espécies de mamíferos atuais, assim como a mais de 600 populações humanas desde a Idade da Pedra, cerca de 50.000-10.000 anos atrás, até hoje. As amostras representam cerca de 80% das famílias de mamíferos.
Os pesquisadores analisaram especificamente a proporção de mortes causadas por violência letal cometidas por membros da mesma espécie. Nos humanos, trata-se de guerras, homicídios, infanticídios, execuções e outros assassinatos intencionais.
Os cientistas também procuraram semelhanças entre espécies com ancestrais comuns, que eles usaram para inferir o quão violentos esses antecessores eram, assim como para reconstruir uma história das taxas de matança ancestrais. No total, os assassinatos intraespécies foram a causa de 0,3% das mortes de mamíferos, descobriram os pesquisadores.
Outros componentes
Já no caso do ancestral de todos os primatas, roedores e lebres, os assassinatos causaram 1,1% das mortes, subindo para 2,3% no próximo, mais recente, ancestral comum de primatas e musaranhos. Quando o ancestral humano comum apareceu pela primeira vez, cerca de 200.000-160.000 anos atrás, a taxa era de cerca de 2% - semelhante às de outros primatas, segundo os cientistas. "Isso significa que os seres humanos herdaram filogeneticamente sua propensão à violência", afirma o estudo.
A Filogenética é o estudo da relação genética entre espécies ao longo do tempo, o que nos dá a chamada árvore evolutiva, com um ancestral primordial na sua base, a partir do qual todos os organismos se desenvolveram. O coautor do estudo José María Gómez Reyes disse à AFP que os novos dados mostraram que há "um componente evolutivo para a violência humana, não que este é o único componente".
Esses componentes evolutivos não são apenas genéticos, e são, "mais provavelmente", influenciados por pressões ambientais para a sobrevivência. "Na verdade, o comportamento social e a territorialidade, dois traços comportamentais compartilhados com os parentes do (Homo) sapiens, parecem ter contribuído também para o nível de violência letal (...) herdado nos humanos", aponta o estudo.
Comentando a pesquisa, Mark Pagel, da Universidade de Reading, disse que esse trabalho forneceu "boas bases para acreditar que somos intrinsecamente mais violentos do que o mamífero médio". Mostrou também que os seres humanos são capazes de reduzir tais tendências. "As taxas de homicídio nas sociedades modernas - que têm forças policiais, sistemas jurídicos, prisões e atitudes culturais fortes que rejeitam a violência - são de menos de uma entre 10.000 mortes (ou 0,01%), cerca de 200 vezes mais baixas do que as previsões dos autores para o nosso estado natural", relatou Pagel.