Após ação da Defensoria Pública da União (DPU) no Recife, a 4ª Vara Federal de Pernambuco concedeu liminar em pedido de habeas corpus para que R.A.S. possa cultivar Cannabis em sua residência sem correr o risco de ser presa. A assistida produz em casa óleo medicinal para o tratamento da filha, que tem autismo e sofre com crises convulsivas.
Aos quatro anos de idade, D.V.A.S., filha de R.A.S, foi diagnosticada com autismo. Laudo médico atestava que a menina sofria de retardo mental de grau moderado, hiperatividade e humor instável. A criança passou a fazer uso de diversos medicamentos para controlar os sintomas, mas não obteve resultados. Além disso, as drogas causavam uma série de efeitos colaterais.
##RECOMENDA##A família resolver apostar então no tratamento com Cannabis medicinal, que já vinha sendo utilizado por outras crianças com sucesso. No entanto, diante dos altos custos para importação do medicamento – cerca de 20 mil reais por ano –, R.A.S. decidiu cultivar a planta em casa. Com o uso da substância, D.V.A.S. apresentou melhora significativa. As crises convulsivas, que costumavam acontecer de cinco a oito vezes por semana, reduziram-se a duas, ao longo de dois anos, após o uso do canabidiol, o que levou os médicos a suspenderem outras medicações mais agressivas.
“Diante da impossibilidade de promover a importação do extrato sem tornar impossível o sustento da família, por ser um produto de elevado valor econômico, a única saída para a manutenção da vida digna dessa criança foi cultivar a planta. (...) Porém, por ser o cultivo de erva proibido no país, a mãe encontra-se sujeita a atuação policial de apreensão da plantação que mantém em casa, bem como das flores colhidas e do óleo existente”, afirmaram os defensores públicos federais Tarcila Maia Lopes e André Carneiro Leão no pedido de habeas corpus preventivo. Também assinaram a peça as advogadas voluntárias Débora Fonseca Barbosa e Érika Andrea Silva Santos.
Assim, a DPU solicitou à Justiça que fosse concedida ordem de salvo-conduto em favor de R.A.S. “para assegurar que os agentes policiais do Estado de Pernambuco se abstenham de atentar contra sua liberdade de locomoção, em razão da presença concomitante dos requisitos periculum in mora e fumus boni iuris, e também por ser necessário segundo ordens médicas e reconhecido pelo órgão do Estado, de que a filha da paciente, D.V.A.S., precisa do tratamento com Cannabis medicinal, bem como fiquem impedidos de apreenderem as sementes eventualmente importadas e mudas das plantas utilizadas nos respectivos tratamentos terapêuticos, até decisão definitiva de mérito”.
A DPU pediu, ainda, que “ao final, no mérito, seja confirmada a concessão da ordem de salvo-conduto, a fim de que as autoridades encarregadas, Polícias Federal, Civil e Militar, competentes para receberem eventuais denúncias, sejam impedidas de proceder à prisão em flagrante da Paciente pela aquisição de sementes, cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis para fins exclusivamente terapêuticos, bem como se abstenham de apreenderem os vegetais da planta utilizados para produzir os medicamentos necessários”, e que “conste, no salvo-conduto, autorização para porte, transporte/remessa de plantas e flores para teste de quantificação e análise de canabinóides através de guia de remessa lacrada confeccionada pelo próprio Paciente, aos órgãos entidades de pesquisa, ainda que em outra unidade da federação, para que seja possível a feitura da parametrização laboratorial e a o exercício e fruição plena de seus direitos constitucionais”.
A juíza federal Ethel Francisco Ribeiro deferiu a liminar. Determinou, ainda, que os restos de todo o processo de produção do óleo devem ser utilizados apenas como adubo, e não descartados com o lixo comum. Além disso, R.A.S. deverá elaborar relatórios prestando informações sobre quantidade de sementes ou mudas, espécie, extrações e remessas para avaliação, bem como apresentar atestado médico de acompanhamento da criança, trimestralmente, até o trânsito em julgado do mérito do habeas corpus.
Por fim, a magistrada determinou que R.A.S. deve observar estritamente os termos estabelecidos na decisão, ficando ciente de que a autorização concedida é pessoal e intransferível, “de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir, a qualquer título, a matéria prima (ou parte dela) adquirida a terceiros, e para qualquer outra finalidade não prevista nesta decisão, sob pena de incorrer nas sanções penais previstas pela Lei nº 11.343/2006”.
*Da Defensoria Pública da União no Recife