Ministro ameaça e diz que eleição depende do voto impresso

O general Braga Netto, ministro da Defesa, teria afirmado que não haverá eleições se o voto impresso não for aprovado. O episódio motivou um encontro entre Bolsonaro e Arthur Lira, que disse não admitir golpe

por Kauana Portugal qui, 22/07/2021 - 09:53
Marcello Casal Jr / Agência Brasil O ministro da defesa Walter Braga Netto Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Em tom de ameaça, o ministro da Defesa Walter Braga Netto mandou um duro recado até Arthur Lira, presidente da Câmara. O general pediu para comunicar, “a quem interessasse”, que não haverá eleições em 2022 se o voto impresso não for aprovado. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, o episódio aconteceu no último dia 8, uma quinta-feira, e o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e Aeronáutica.

O clima de tensão atingiu o ápice quando, naquela mesma data, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) repetiu publicamente a advertência: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse o mandatário a apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada.

A apuração do Estadão descobriu ainda que, a portas fechadas, Lira reuniu um seleto grupo para dizer que via aquele momento com muita preocupação, porque a situação era “gravíssima”. Diante da possibilidade de o Congresso rejeitar a proposta de emenda à Constituição que prevê o voto impresso - em tramitação nesta quinta-feira (22) em uma Comissão Especial da Câmara -, Bolsonaro sinalizava, de maneira ainda mais enérgica, o discurso golpista.

A escalada antidemocrática do presidente tomou corpo ainda no mês de maio, quando em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, disse, sem apresentar provas, que o atual sistema de urnas eletrônicas permite fraude. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. (...) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter eleição. Acho que o recado está dado”, afirmou Bolsonaro no dia 6 de maio. Ao contrário da fala defendida pelo político, as urnas eletrônicas são apontadas como seguras e auditáveis.

Lira e Bolsonaro

A reação do presidente da Câmara, diante do recado dado por Braga Netto, culminou em um encontro com o chefe do Executivo. Segundo o Estadão, na conversa com Jair Bolsonaro, que ocorreu no Palácio do Planalto, Lira disse que o presidente não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional. Líder do centrão, bloco que dá sustentação ao governo no Congresso, Arthur Lira assegurou que iria com Bolsonaro até o fim, com ou sem crise política, mas não admitiria golpe.

O presidente, no entanto, respondeu que não defendia o golpe e que fazia a defesa das “quatro linhas da Constituição”. Lira rebateu e assegurou que tinha entendido o alerta transmitido por Braga Netto, mas avisou que não embarcaria em nenhuma iniciativa que significasse rompimento com a democracia.

As informações da conversa e o recado dos militares são de conhecimento de um restrito grupo da política e do Judiciário, conforme o jornal. Para os ministros do Supremo, a ameaça de golpe tem ligação com o avanço das investigações de militares conduzidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19.

STF se articula contra voto impresso

Ademais, a temperatura nos bastidores da política aumentaram quando, na última semana de junho, os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes se reuniram com dirigentes de 11 partidos. As conversas reverteram a tendência de aprovação do voto impresso na Câmara, o que teria motivado Bolsonaro a atacar publicamente o atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), chamando ele de “imbecil e idiota”.

CPI e militares

Ao mesmo tempo, a CPI da Covid aprofundou os questionamentos sobre os supostos esquemas de corrupção nas negociações para a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. O movimento de ressaltar a participação de militares em atos ilícitos foi reforçado pelo presidente da Comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM), cuja declaração sobre as Forças Armadas terem um “lado podre” estremeceu ainda mais os bastidores.

Como resultado, veio a resposta no dia 7 de junho, um dia antes da ameaça feita por Braga Netto. “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano”, disse a nota assinada pelo ministro e pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Os senadores agora cogitam convocar Braga Netto, após o recesso parlamentar, para explicar o significado da nota de repúdio à CPI, que pareceu, mais uma vez, um tipo de censura.

Nesse contexto, o tema semipresidencialismo surgiu na agenda da Câmara. Lira pediu que o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) acelerasse a coleta de assinaturas para a emenda que pode instituir o novo sistema de governo no País. Para tramitar, a proposta que tira poderes do presidente, precisa de 171 assinaturas.

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