Especialistas divergem sobre necessidade de terceira dose
Os especialistas concordam que o reforço, por si só, não resolverá a pandemia enquanto os países mais pobres não vacinarem sua população
Os Estados Unidos devem, em poucos dias, generalizar o acesso à dose de reforço da vacina contra o coronavírus, para além de imunodeprimidos, idosos e setores de alto risco.
Diante do ressurgimento das infecções em diversos países, muitos cientistas acreditam que este é o momento adequado para uma mudança, apesar de outros expressarem dúvidas, já que os esquemas de vacinação originais ainda são eficazes contra as mortes e os casos graves da doença.
- Por que agora? -
O reforço antiviral tem sido um tema polêmico para os especialistas médicos.
Um painel independente que assessorou em setembro a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, inicialmente votou contra uma terceira dose para todos, exigindo critérios mais restritos para a sua aplicação.
Agora, a imprensa americana noticiou que a FDA está preparada para ampliar a elegibilidade, sem convocar especialistas externos. Então, o que fez o órgão rever sua decisão?
Para Vincent Rajkumar, oncologista e professor da Mayo Clinic em Rochester, no estado de Minnesota, uma das linhas de evidência mais sólidas vem de um teste clínico realizado pela Pfizer.
A farmacêutica informou que a eficácia da vacina contra casos sintomáticos foi de 95,6% após a terceira dose, dentro de uma pesquisa em que participaram 10.000 pessoas maiores de 16 anos.
Depois, veio o exemplo de Israel, que lutou contra a variante delta com uma campanha de reforço em nível nacional, e, mais recentemente, do Reino Unido, onde os dados publicados pelas autoridades sanitárias indicam que a eficácia após a terceira dose aumentou para um nível superior ao conseguido com as duas primeiras.
Além disso, existe preocupação sobre o impacto dos novos casos. Mesmo que as pessoas vacinadas que contraem a doença tenham menos chance de internação e morte, Rajkumar destaca que novos dados de Minnesota revelam que "as mortes entre imunizados não são zero".
Atualmente, esse índice está em um para cada 100.000 por semana, em comparação com 14 para cada 100.000 entre os não vacinados.
- Notas de precaução -
Contudo, nem todos os cientistas estão tão entusiasmados. Celine Gounder, especialista em doenças infecciosas e professora da Universidade de Nova York, quer mais evidências antes de concordar em ampliar a dose de reforço para todos.
Para ela, a controvérsia é resultado da falta de acordo sobre o que a sociedade deseja. "Trata-se de prevenir doenças graves, hospitalização e morte? Ou de prevenir infecções e transmissão?", questionou.
De qualquer maneira, Celine acredita que a dose de reforço não é necessariamente a resposta para essas perguntas, já que a melhor maneira de reduzir casos graves e mortes é evitar a transmissão comunitária, fazendo a vacina chegar aos que ainda não foram imunizados.
Atualmente, a maioria dos casos de hospitalização e morte são de pessoas não imunizadas, enquanto os vacinados que desenvolvem a forma grave são, de forma esmagadora, idosos e imunodeprimidos, sobre os quais todos já estão de acordo que devem receber um reforço.
Gounder também assinala que é pouco realista acreditar que as doses de reforço impedirão a transmissão. O rápido período de incubação do vírus no corpo e o fato de as vacinas induzirem maior imunidade nos órgãos internos, e não no muco das vias respiratórias, significa que o reforço jamais eliminará todas as infecções.
Além disso, o aumento do número de doses disponíveis pode levar os céticos a acreditar que as vacinas não são eficazes. Outro risco que poderia resultar de uma fartura de doses seria o aumento de casos de miocardite relacionados ao imunizante, especialmente entre homens jovens.
Gounder, no entanto, não descarta apoiar eventualmente o reforço vacinal, mas defende que as diferentes formas propostas - três doses, doses mais espaçadas, reforços regulares ou outra combinação - devem ser estudadas mais a fundo.
- Equidade global -
Os especialistas concordam que o reforço, por si só, não resolverá a pandemia enquanto os países mais pobres não vacinarem sua população.
Na semana passada, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, reprovou a discrepância nos índices de vacinação e na quantidade de doses disponíveis entre países ricos e pobres.
"Seria realmente lamentável fazer este árduo trabalho de vacinação para depois nos encontramos retrocedendo mais uma vez, devido a uma variante emergente em outra parte do mundo", concluiu Gounder.