Baixo Amazonas ganha barco-hospital para ribeirinhos

Projeto conta ainda com duas ambulanchas e foi viabilizado com verba de acordo em ação judicial contra empresas multinacionais

sex, 16/08/2019 - 15:57
Divulgação/MPT Barco-hospital vai atender 11 municípios paraenses Divulgação/MPT

Será inaugurado neste sábado (17), em Belém, o barco-hospital “Papa Francisco", para atendimento médico de cerca de mil comunidades ribeirinhas na região do Baixo Amazonas. O executor do projeto, orçado em R$ 25,1 milhões, é a Fraternidade São Francisco de Assis, entidade filantrópica sem fins lucrativos, mediante destinação de verbas advindas do acordo do Ministério Público do Trabalho com as empresas Raízen Combustíveis S/A (antiga Shell Química) e Basf S/A.

“Todos os trabalhadores e familiares vítimas desse caso conhecido como Shell/Basf foram atendidos pelo SUS e pela Previdência Social. Dessa forma, houve prejuízo aos cofres públicos, portanto para todo o país. Nada mais justo que as reparações sejam promovidas de Norte a Sul do território nacional, como vem acontecendo, e se concretizem com mais esse projeto do barco-hospital, no Pará", explica o procurador do MPT em Campinas Ronaldo Lira, responsável pelas destinações.

No barco será feito o atendimento nas especialidades de ginecologia, pediatria, urologia, oftalmologia, cardiologia, dermatologia e também odontologia. A estrutura contará com sala de mamografia, sala de raios-x, sala de teste ergométrico, ultrassom, eletrocardiograma e laboratório de análises clínicas. Será possível realizar cirurgias de catarata e intervenções cirúrgicas de baixa complexidade, além de prevenção contra o câncer em diversas áreas (mama, próstata, pele, colo uterino e bucal).

Serão utilizadas duas “ambulanchas” para visitas domiciliares ou em centro de encontros nas comunidades, que farão o atendimento preventivo, de cuidados e tratamento.

A Região do Baixo Amazonas possui uma população total de 675.510 habitantes composta por 12 municípios: Alenquer, Almerim, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximá, Prainha, Santarém e Terra Santa. Cerca de 48,37% da população da região encontra-se abaixo da linha da pobreza e não possui atendimento de saúde. A situação mais grave está no município de Prainha, com 69,33% da população abaixo da linha de pobreza.

A pesca e o extrativismo são as atividades econômicas mais comuns na região. Algumas contaminações são frequentes nas comunidades ribeirinhas, decorrentes da exposição ao mosquito vetor da malária e ao mercúrio, devido ao garimpo realizado em larga escala.

Os habitantes do Baixo Amazonas enfrentam dificuldades para receber o atendimento médico, tendo de realizar longas viagens de barco para chegar a um hospital ou unidade de saúde. O tempo necessário para o deslocamento, em média, é de 24 horas até Manaus ou 12 horas até Belém.

Programação

Com a participação do procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, e outros procuradores do MPT entre as demais autoridades, a cerimônia de inauguração oficial terá início às 16 horas no Grand Mercure Hotel, em Belém.

Em seguida, às 19 horas, haverá a bênção do barco na Escadinha da Estação das Docas, na capital paraense. Antes, a partir das 10 horas, a embarcação estará aberta à visitação, nesse mesmo local.

Sobre o acordo

Em 2013, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) homologou o maior acordo da história da Justiça do Trabalho, celebrado entre o MPT em Campinas e as empresas Raízen Combustíveis S/A (Shell) e Basf S/A. A conciliação encerrou a ação civil pública movida pelo MPT em Campinas no ano de 2007, depois de anos de investigações que apontaram a negligência das empresas na proteção de centenas de trabalhadores em uma fábrica de agrotóxicos no município de Paulínia (SP).

A Shell iniciou suas operações no bairro Recanto dos Pássaros na metade da década de 70. Em 2000, a fábrica foi vendida para a Basf, que a manteve ativada até o ano de 2002, quando houve interdição pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O processo, que possui centenas de páginas derivadas de documentos e laudos, prova que a exposição dos ex-empregados a contaminantes tem relação direta com doenças contraídas por eles anos após a prestação de serviços na planta. Desde o ajuizamento da ação, foram registrados mais de 60 óbitos de pessoas que trabalharam na fábrica.

Mais de mil pessoas se beneficiaram do acordo, já que ele abrange, além de ex-trabalhadores contratados diretamente pelas empresas, terceirizados e autônomos que prestaram serviços às multinacionais, e os filhos de todos eles, que nasceram durante ou após a execução do trabalho na planta.

Ficou garantido o pagamento de indenização por danos morais individuais, na porcentagem de 70% sobre o valor determinado pela sentença de primeiro grau do processo, o que totaliza R$ 83,5 milhões. O mesmo percentual de 70% foi utilizado para o cálculo do valor de indenização por dano material individual, totalizando R$ 87,3 milhões.

A indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 milhões deve ser destinada para instituições indicadas pelo MPT, que atuem em áreas como pesquisa, prevenção e tratamento de pessoas vítimas de intoxicação decorrente de contaminação e/ou desastres ambientais.

O acordo também garantiu o atendimento médico vitalício a 1.058 vítimas, além de pessoas que venham a comprovar a necessidade desse atendimento no futuro, dentro de termos acordados entre as partes.

Projetos contemplados 

Pelo acordo com o MPT, na ação do caso Shell-Basf, as seguintes instituições foram beneficiadas:

* Hospital de Câncer de Barretos: a proposta, orçada em R$ 70 milhões, realiza pesquisa, prevenção, tratamento e educação em oncologia. Parte da verba foi destinada à construção do Hospital de Amor - Instituto de Prevenção de Câncer em Campinas e de mais cinco carretas adaptadas e equipadas com aparelhos para realização de exames, sendo quatro delas para diagnósticos e uma para educação. Os principais objetivos são realizar 350 mil exames de rastreamento de câncer no período de cinco anos, confirmar o diagnóstico de cerca de cinco mil indivíduos e tratá-los de acordo com o padrão, inclusive molecular, de cada tipo de tumor.

* Centro Infantil Boldrini: R$ 48,3 milhões para construção e aquisição de equipamentos do Instituto de Engenharia Molecular e Celular, primeiro centro de pesquisas sobre câncer pediátrico do País. Inaugurado em 27 de novembro de 2018, o Instituto promove a produção e disseminação de conhecimentos nas áreas de biologia molecular do câncer pediátrico, além de novas metodologias e reagentes para o diagnóstico e tratamento dos pacientes.

* Associação Ilumina de Piracicaba: o repasse de R$ 27.850.533,37 foi utilizado na construção do Hospital de Câncer de Piracicaba e na aquisição de uma unidade móvel de atendimento. A Associação replicou o modelo de Rastreamento Ativo Organizado de Câncer já praticado em seis Unidades de Prevenção do Hospital de Câncer de Barretos, parceiro já há 10 anos nas campanhas da entidade. O hospital tem aproximadamente três mil metros quadrados de área construída em terreno doado pela Prefeitura Municipal de Piracicaba, de cerca de 10 mil metros quadrados, que fica no bairro Residencial Altos do Taquaral, próximo ao Hospital Regional e à Universidade Metodista de Piracicaba. A associação prevê a realização de cerca de 20 mil mamografias anuais, 16.500 exames de Papanicolau, 10.370 consultas especializadas, 74.553 atendimentos, bem como 15 mil consultas de teledermatologia, três mil cirurgias ambulatoriais e aproximadamente 61.200 procedimentos especializados.

* Hospital Estadual de Sumaré (SP): foram doados R$ 2,5 milhões para aquisição de equipamentos do setor de Neurocirurgia. Entre eles, um microscópio cirúrgico que permite ao hospital avançar nos procedimentos mais complexos, como as cirurgias de tumores ou de aneurismas.

* Fundação de Pesquisas Médicas de Ribeirão Preto (Fupeme): O TRT-15 e o MPT oficializaram a entrega de R$ 8.922.560,00, que estão sendo aplicados na atualização tecnológica e modernização da infraestrutura dos setores de Alta Complexidade da Unidade de Queimados e da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP/USP).

* Universidade Federal da Bahia e Fundacentro: as instituições apresentaram um projeto orçado em R$ 1,510 milhão que tem como objetivo mapear a exposição ocupacional ao asbesto (mineral utilizado na produção de amianto) e seus efeitos sobre a saúde no Brasil.

* Fundação Área de Saúde de Campinas (Fascamp): destinação de R$ 40.401.055,44 para a construção do Instituto de Otorrinolaringologia de Cabeça e Pescoço, na Unicamp, que prestará atendimento médico à população pelo SUS. Será o primeiro centro nacional de diagnóstico e tratamento das doenças otorrinolaringológicas relacionadas ao trabalho, como a perda auditiva e doenças relacionadas à voz.

Da assessoria do MPT em Campinas.

COMENTÁRIOS dos leitores