Corte Interamericana proíbe entrada de presos no Curado

Tribunal também determinou que o Brasil compute em dobro cada dia de privação de liberdade na unidade

por Jorge Cosme qua, 19/12/2018 - 11:37
Victor Soares/LeiaJáImagens/Arquivo Para órgãos que acionaram a Corte, medidas são emblemáticas Victor Soares/LeiaJáImagens/Arquivo

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) proibiu o Complexo do Curado, na Zona Oeste do Recife, de receber mais presos. Em um prazo de seis meses a partir do recebimento da resolução, o Brasil também deverá começar a computar em dobro cada dia de privação de liberdade no Complexo do Curado para os detentos que não sejam acusados de crimes contra a vida ou integridade física, de crimes sexuais ou que ainda não foram condenados.

A decisão foi assinada no último dia 28 de novembro, mas só nesta semana chegou ao conhecimento das partes. A resolução é semelhante à proferida para o Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, divulgada pela Defensoria Pública do Rio na última sexta-feira (14).

Para os detentos que, inicialmente, não teriam os dias computados em dobro, o Tribunal determina que o Estado organize, no prazo de quatro meses, uma equipe criminológica de profissionais, em especial psicólogos e assistentes sociais. A equipe deverá avaliar, com base em indicações de agressividade, se os presos por crimes hediondos também podem ter cômputo em dobro.

O texto também proíbe a transferência de presos por determinação administrativa. Aqueles que foram transportados para outras unidades por ordem judicial também deverão ter os dias de pena cumpridos no Complexo do Curado contados em dobro.

"Não é recomendação ou sugestão, é decisão jurisdicional de um tribunal internacional e deve ser cumprida. É muito emblemático o fechamento da porta de entrada e a decisão de que um dia lá dentro seja contado como dois, partindo de que as pessoas são condenadas de privação de liberdade, mas estão tendo uma série de outros direitos violados. A Corte está reconhecendo a situação antijurídica e ilícita que se configura a privação de liberdade no Complexo do Curado" explica o advogado Guilherme Pontes, da Justiça Global, um dos órgãos que acionou o Tribunal.

O advogado acrescenta: "A Corte Interamericana tem jurisdição sobre o Brasil portanto suas decisões são vincultantes e devem ser cumpridas pelo Estado brasileiro na sua totalidade. O Brasil é membro das Organizações dos Estados Americanos (OEA), signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos. Em 1998, o Brasil reconheceu a competência da Corte, que é mecanismo da OEA, para processar e julgar casos de violações de direitos humanos praticados pelo Estado".

A principal preocupação é com relação à superlotação nas três unidades que compõem o Complexo. Somadas, as três prisões contabilizam, até o último dia 10, 5703 detentos, uma superpopulação que ultrapassa os 200%. Ou seja, mais de duas vezes a capacidade máxima. Critérios internacionais, como o do Conselho da Europa, destacam que ultrapassar 120% já implica superpopulação crítica. Além disso, não é respeitada a resolução nº1/2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, para regime fechado, de um agente penitenciário para cada cinco presos.

Ainda em 2011, a situação de risco à vida e à integridade dos detentos do Complexo do Curado foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos pela Pastoral Carcerária de Pernambuco, Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), Justiça Global e Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard. Naquele mesmo ano, a comissão emitiu medidas cautelares a serem adotadas pelo país.

Como as ações adotadas pelo governo não foram consideradas satisfatórias, havendo, inclusive, agravamento de situações de violência e maus tratos, o caso chegou para a Corte Interamericana de Direitos Humanos que decretou, em maio de 2014, medidas provisórias como a elaboração e implementação de plano de emergência em relação à atenção médica, redução da superlotação, eliminação da presença de armas e garantia de condições de segurança e de respeito à vida e à integridade de internos, funcionários e visitantes, bem como a eliminação de revistas humilhantes dos visitantes. Desde então, outras medidas provisórias foram expedidas em 7 de outubro de 2015, 23 de novembro de 2016 e 15 de novembro de 2017. Representantes da corte visitaram a unidade em 2016, sendo a primeira vez que visitavam uma prisão em solo brasileiro.

Para a Justiça Global, durante esses últimos anos ocorreram apenas avanços pontuais. "Nós fazemos uma leitura de que há uma questão estrutural no Complexo do Curado que não vem sendo enfrentada pelo Estado. Diversas violações a quem convive nessas unidades, como presos e famílias. Presídios sem condições de abrigar o número de presos que abrigam, e disso decorre insuficiência do número de profissionais de saúde, agentes, leitos...O Estado não vem demonstrando uma vontade política de se fazer cumprir as determinações", avalia Pontes.

 A assistente social Wilma Melo, do Sempri, destaca que a resolução não é benéfica apenas para os internos. “As medidas são para todos que circulam na prisão, como agentes, policiais e familiares. Os presídios têm pouquíssimos agentes penitenciários e um número exorbitante de presos, em uma situação que não tem nem lugar para dormir, aí criam 'puxadinhos'. Lá dentro estão sob os cuidados do Estado. E como é que o Estado não tem previsão nem planejamento que possibilite que essas pessoas tenham local mais adequado? Se apreende, tem que ter local para colocar. Além disso, tem outro aspecto: a custódia ser altamente deficiente, com lentidão dos processos judiciários”, comenta.

Outras determinações presentes na última resolução: no prazo de até seis meses, apresentar medidas concretas para garantir a vida e a integridade pessoal da população LGBTI, das pessoas com deficiência e dos idosos; informar mensalmente a Corte sobre as medidas adotadas para melhorar a atenção de saúde geral dos internos, destacando quais as doenças mais comuns; manter inspeções mensais no interior das unidades para impedir armamento e evitar o ingresso e a fabricação clandestina de armas, drogas e celulares. As decisões foram tomadas usando como precedentes sentença da Corte Constitucional da Colômbia, da Suprema Corte dos Estados Unidos, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e a Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal (STF) que diz: "A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso".

O Tribunal ainda cobra informações sobre a proteção de duas defensoras de direitos humanos e o resultado das diligências e investigações sobre ameaças sofridas por elas. As duas lutam pelo respeito dos direitos humanos nas prisões e já foram ameaçadas mais de uma vez. As ameaças impactaram diretamente a saúde dessas mulheres.

O LeiaJá entrou em contato com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco e aguarda resposta sobre a resolução.

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