Plataformas digitais X artistas: relação de amor e ódio
De um lado, vitrine para o mundo inteiro; do outro, baixa remuneração e a disputa com artistas massificados: como lidar com essa equação?
Desde que os serviços de streaming de música ficaram mais populares, através de aplicativos como Spotify e Deezer, por exemplo, as retrospectivas pessoais nas redes sociais ganharam um capítulo a mais. Todo mês de dezembro, além de revermos as fotos e vídeos mais curtidos dos amigos, ficamos conhecendo também um pouco mais sobre seus hábitos musicais. São posts contabilizando a cantora mais ouvida, o artista descoberto naquele ano e quantas vezes a pessoa deu repeat no mesmo single.
Os artistas, por sua vez, também têm sua retrospectiva garantida. Eles compartilham a quantidade de novos seguidores nas plataformas, em quantos países foram ouvidos e qual música sua foi a mais tocada. Em 2020, no entanto, a brincadeira foi compartilhada com um adendo não menos importante, a proposição de um debate acerca de outros números relevantes aos músicos: os valores que esses serviços pagam pelo seu trabalho.
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São várias as plataformas de streaming de música disponíveis na internet. Spotify e Deezer, duas entre as mais populares, dividem a grande rede com a Apple Music, Amazon Music, YouTube, Google Play, Tidal e Pandora, entre outras. Tantas possibilidades podem parecer uma mina de ouro para artistas, no entanto, bem como acontecia quando a música dependia quase que exclusivamente das grandes gravadoras - que determinavam como e onde os artistas trabalhavam e recebiam -, a realidade é bem diferente.
Segundo o site The Trichordist, que faz levantamentos do quanto paga cada uma das várias plataformas desde 2014, os valores praticados por elas em cada ‘play’ giram em torno de 0,00348 a 0,00876; sendo o Spotify o que menos paga (0,00348) e o Tidal o que remunera os artistas com um valor um pouco superior (0,00876). O Deezer, um dos canais mais populares entre os usuários, paga 0,00562 por streaming. Esses valores correspondem ao ano de 2019.
As plataformas, por sua vez, arrecadam através de publicidade e dos valores de assinaturas dos clientes que optam por pagar pelo serviço. No Brasil, assinaturas no Spotify e Deezer, por exemplo, podem custar de R$ 16,90 a R$ 26,90. Inclusive, o 'play' de um assinante tem valor diferente daquele que usa o serviço de forma gratuita. O repasse do arrecadado para os artistas também depende de diversas variáveis, como a filiação em editoras, como a União Brasileira de Editoras de Música (UBEM), e o número de execuções do fonograma, entre outras.
No Deezer, segundo dados enviados por sua assessoria de imprensa, 70% do apurado pela plataforma é empregado no pagamento de royalties, "que vai para toda a cadeia da indústria da música (gravadoras, distribuidoras, artistas, compositores, etc)". No serviço, o valor de cada streaming é determinado a partir do valor "das assinaturas dividido por play de execução, multiplicado pela quantidade de plays". Resumidamente, cada artista ganha com base na porcentagem de ouvintes e, ainda de acordo com a assessoria do app, a plataforma acredita "que essa é a forma mais justa de pagamento."
Mesmo assim, desde 2019 o serviço está testando um novo sistema de monetização na busca de pagamentos mais justos aos músicos: o UCPS. O aplicativo diz que a ideia da mudança é trazer um aumento de pelo menos 30% na monetização de artistas menos conhecidos, mas, por enquanto, a novidade está sendo testada apenas na França e a abrangência da modalidade será expandida para o resto do mundo a depender da “maturidade do mercado”.
O LeiaJá também tentou contato com o Spotify para entender seu sistema de monetização, porém, não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.
Os números e porcentagens acabam transformando a relação plataforma X artista um tanto dúbia. Por um lado, a facilidade de escoar sua produção para todo o mundo à distância de um simples 'clique', por outro, a invisibilidade diante tantos nomes em busca do mesmo objetivo, remuneração irrisória e o quase esmagamento ocasionado pelos artistas de grosso calibre.
Sendo os serviços de streaming cada vez mais crescentes em termos de consumo de música atualmente - só no primeiro trimestre de 2020, houve um crescimento de 35% nas assinaturas dessas plataformas, segundo levantamento da Counterpoint Research -, como fechar essa conta de maneira justa para todos os envolvidos?
O desafio está lançado e parece cada vez maior a cada ‘play’. A discussão também está acirrada e já tem artista em busca de alternativas para não se transformar refém das plataformas - a exemplo do pernambucano Juvenil Silva, que durante a quarentena lançou quatro EPs com comercialização exclusiva pelo e-mail.
Os músicos estão na busca de um mercado fonográfico mais amplo e justo e pode ser que ao final do próximo ano, a retrospectiva sobre números de streaming de música apareça de forma diferente. Ouvidos e olhos atentos.
Fotos: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens