Carinho, tecnologia e o novo olhar de uma educadora
Com mais de 40 anos de ensino, Débora Meneghetti preserva lições oriundas da pandemia. Após se atrapalhar em uma aula remota, a professora recebeu uma onda de carinho e passou a enxergar a relação com os alunos de uma forma diferente
Ensinar não é um trabalho fácil. Afinal, professores são responsáveis pela base da educação e conseguem, por meio disso, transformar pessoas, criar momentos inesquecíveis e, até mesmo, tornar sonhos ‘impossíveis’ em realidade. Inspirado em histórias que têm a educação como fonte, o LeiaJá conversou com a docente em matemática, Débora Meneghetti, de 67 anos, moradora do bairro do Parnamirim, Zona Norte do Recife, que conta as lições que aprendeu durante toda sua trajetória, principalmente neste período pandêmico. Ela expressa, por meio da alegria de ser quem é, o prazer de ser, essencialmente, uma educadora.
“Eu sempre fui muito boa em matemática, sempre tirei boas notas e assim cheguei à faculdade. Dou aula há mais de 40 anos e já passei por diversas escolas do Brasil. Eu realmente adoro o que faço”, diz.
História
Vida escolar de Débora registrada em fotos antigas. Foto: Cortesia
Entre um sorriso e um mar de memórias, a educadora relembra, na entrevista, o momento da infância que se sentiu uma pequena professora. “Eu nunca pensei em ser outra coisa desde muito nova, visto que, à medida em que fui sendo alfabetizada, fui ensinando a moça que trabalhava na casa da minha mãe, a Valdeia. Eu ensinava ela a escrever e a fazer cálculos”, conta. Ela ainda recorda como ministrou suas primeiras aulas. “No muro da área de serviço, que era de cimento batido, eu molhava o giz para ele poder escrever e ali passava as tarefinhas. Isso, na verdade, já era a professora que existia dentro de mim”, relata.
Para conseguir ensinar, a pequena Débora sabia que não poderia se manter desatualizada em relação aos conteúdos e se esforçava para tirar boas notas, afinal, ela tinha sua primeira aluna, a Valdeia. E entre vários professores que a marcaram e lhe serviram como exemplos, ela resgata nas memórias uma lição que aprendeu na infância com dois docentes didaticamente diferentes. “Eu tive uma professora, por exemplo, que quando tinha um feriadão, passava muita tarefa e dizia que era para nós não esquecermos dela. Aquilo me dava uma raiva e eu pensava: ‘Meu Deus do céu, quando eu vou poder descansar um bocadinho, vem essa mulher e passa esse monte de exercícios’. Daí eu também pensava assim: 'Eu nunca vou fazer isso porque eu não quero que meus alunos sintam o que eu estou sentindo em relação à ela'. Depois disso, eu tive um outro professor que não assustava a gente com o título do conteúdo, ele explicava tudo e quando acabava dizia assim: 'Vocês acabaram de aprender equação do segundo grau', isso para a gente não se assustar antes de aprender”, conta.
Feedback
Recentemente, Débora precisou dar uma aula por meio de recursos tecnológicos. No entanto, inicialmente, sentiu algumas dificuldades, o que a levou a chorar durante uma aula remota. Depois da repercussão que causou uma onda de solidariedade nas redes sociais, logo após uma de suas alunas publicar seu caso, Débora Meneghetti, que ensina no colégio GGE, localizado em Boa Viagem, Zona Sul de Recife, descreve a chuva de carinhos que começou a receber pela internet, principalmente de ex-alunos.
“Eu me senti muito acarinhada por todos, principalmente pelos alunos que, sinceramente, são a parte que mais me interessa. Mas eu recebi carinho de ex-alunos que me procuraram através das redes sociais de várias maneiras e ainda satisfeitos por eu estar dando aulas, dizendo: 'Ah, você foi a melhor professora que eu tive'. E pelos meus colegas de trabalho que também me ofereceram muita ajuda”, comenta.
Após receber todo o apoio, a educadora, que está ministrando aulas remotamente devido à pandemia do novo coronavírus, fala que aprendeu outra lição nesse processo, uma lição que ela pretende levar profissionalmente adiante. “A primeira coisa que eu observei foi o ritmo das aulas; como eu não estou vendo a expressão dos alunos, parto do princípio que ninguém está entendendo nada, por isso estou falando mais lentamente, porque agora eu só tenho como recurso a minha voz e a imagem que estou disponibilizando. Eu estou usando isso e pretendo manter quando nós voltarmos para as aulas presenciais. Quero manter esse ritmo mais lento porque o resultado é melhor e atende a uma gama maior de alunos. Fora que eu estou achando o máximo dar aulas on-line”, explica.
Ela ainda comemora o resultado da didática que aprendeu neste período. “Eu recebi um feedback da coordenação falando que os alunos estão amando as aulas e o resultado das provas foi o melhor”, conta.
Lições
Professor é uma carreira que transcende aquele breve momento em sala de aula e traz, agora por trás das câmeras, muito esforço, preparo, conhecimento, pesquisa, tempo, dedicação e, principalmente, comprometimento. É o caso de Débora Meneghetti que carrega uma bagagem educacional de anos e hoje, em meio à pandemia, conta as lições que tem aprendido.
“Primeiro, a empatia. Eu acho que tudo isso veio acontecer para a gente pensar mais no próximo, pensar que um necessita muito do outro e que nós devemos ajudar o próximo sempre que possível, porque nós somos o próximo para alguém. Assim a humanidade inteira se ajuda. E eu espero que essa solidariedade que a gente tem visto sendo divulgada até pela mídia, não acabe com a pandemia, que isso continue, que a humanidade se torne um pouco melhor do que era antes”, diz.
Ela comenta outra lição que aprendeu trabalhando: “Segundo, a preocupação com o visual das aulas. Por exemplo, um dia desses eu estava dando aula de geometria plana para os primeiros anos e precisava desenhar as figuras. Antes, eu utilizava o quadro branco para isso, agora uso o powerpoint nas apresentações e construo, através dos recursos da plataforma, a imagem como se eu tivesse mesmo no quadro desenhando. Eu vou montando, desenho o triângulo, a altura, traço o bissetriz e capricho bastante na imagem, ou seja, uma aula em que eu preparava em 15 minutos, hoje eu levo quatro horas preparando, mas eu faço questão de fazer bem direitinho o passo a passo como se estivesse escrevendo no quadro, acho que isso ajuda bastante com o aluno visualmente, já que agora eles contam com a minha voz e o visual das aulas que precisa ser atrativo e bem claro para atraí-los. Eu confesso que nunca tinha feito esse negócio, dá um trabalho arretado porque o editor de matemática é muito complicado”, relata.
A educadora ainda descreve a terceira lição que mais aprendeu neste período: “O carinho, a forma como nós lidamos com as pessoas. Nós temos que colocar amor em tudo que a gente faz, principalmente quando é uma coisa que nós gostamos muito, como é o fato de eu dar aula. A forma de lidar com essas situações tem que ser uma coisa branda, uma coisa suave. Eu confesso que era uma pessoa muito explosiva, por exemplo, eu sempre coloquei na minha cabeça assim: 'eu não tenho que ter paciência com alunos, já que eu não dou aula para criancinha e sim para adolescentes, que não queiram prestar atenção a aula, ou seja, eu não tenho que ter muita paciência com eles.' Eu era muito ríspida, muito rigorosa com esses alunos, agora eu já entendo, exercitando principalmente a empatia, que eles devem ter motivos para não querer assistir aula, e eu tenho que fazer com que eles se liguem na aula sem rispidez e com carinho; talvez eu consiga um resultado mais rápido. Eu aprendi muito disso com esse período em que estamos tendo muito tempo para refletir”, conclui.
Reportagem integra o especial "Lições", produzido pelo LeiaJá. O trabalho traz histórias sobre os aprendizados dos professores em meio aos desafios impostos pela pandemia de Covid-19. Veja, a seguir, as demais reportagens:
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