A poucos metros da gigantesca coluna de automóveis que começa a se formar no fim da tarde da Avenida Martins de Barros, no Bairro de Santo Antônio, o zelador Silvanio Nunes prefere escutar o silêncio. “Me incomoda não. Perto da água não tem barulho”, explica, antes de lançar mais uma vez sua rede da Ponte Giratória para as águas do Rio Capibaribe. Foi ali mesmo, observando os mais velhos, que o zelador de 33 anos aprendeu os segredos da pesca. Para Silvanio, que frequenta a Ponte Giratória pelo menos duas vezes por semana, a atividade no Centro do Recife representa, além de um meio de sobrevivência, uma opção de lazer acessível.
“A gente joga tarrafa, sempre conhece pessoas novas, faz amizades. Não só tem violência no mundo, tem gente boa. Muito turista para aqui, dou meu material e bato foto com eles”, conta Silvanio. Numa bicicleta, o pescador sai de Afogados com um balde contendo apenas uma rede e uma faca. “Eu gosto de estar aqui, é uma terapia, sabe? É melhor do que estar em casa. Moro na Favela Tabaiares, uma comunidade muito perigosa. Prefiro estar com os peixes”, completa.
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Para Silvanio, a pesca é uma opção de lazer no Centro do Recife. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Silvanio garante que, apesar de poucos, os peixes que retira do Capibaribe são de boa qualidade. “Depois que pesco, levo eles pro Marco Zero e trato com uma faca. Antes de comer, ‘atolo’ vinagre e sal. O rio é sujo, mas os bichos são limpos. Se eu pescar um camarão aqui, como na hora”, defende. De férias, o zelador aproveita a pesca para admirar as paisagens do Centro da cidade. “Eu não sou só de jogar a tarrafa, sou muito observador. Gosto de ver o Parque de Brennand ali e amo a natureza. Pra mim é um prazer falar dessa beleza que é o Capibaribe”, afirma.
Pescadores se concentram na Ponte Giratória, no Bairro de Santo Antonio. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Do outro lado da ponte, mais hábil com a tarrafa, o aposentado João Honorato acaba de capturar um peixe de bom porte. Pescador da região há 30 anos, sai e retorna para o bairro de Afogados de ônibus. “Chego no começo do dia e, dependendo da pescaria, só vou embora lá para as quatro manhã, quando não amanheço por aqui. Bandido sempre tem, mas eles não mexem com quem tá pescando não. Mais fácil eu ser assaltado na volta para casa”, comenta. Há quem diga que é história de pescador, mas Seu João assegura que já encontrou mais de um camurim com mais de dez quilos. “Um aqui na Ponte Giratória e outro na Ponte Princesa Isabel. Como não gosto de peixe, dou ou vendo, mas hoje em dia só encontro dos pequenos”, lamenta.
Seu João lamenta por não encontrar mais peixes de grande porte nas águas do Capibaribe. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Poluição
De acordo com um ranking divulgado em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Capibaribe é o 7º mais poluído do país. Cinco anos depois, o quadro parece não ter apresentado melhora: a opinião de que houve uma vertiginosa queda na quantidade e diversidade de peixes nas últimas décadas é unânime entre os pescadores. O pescador Maurício Souza prefere apostar na pesca de caranguejos para garantir seu sustento. “O melhor horário é das 9 horas da manhã às 3 da tarde. Cada unidade custa R$ 80 centavos no mercado de São José”, explica.
Seu Maurício vive da pesca de carangueiros na Ponte Giratória. (LeiaJá Imagens)
Com a isca de tripa de galinha no “jereré”, uma espécie de rede própria para a coleta de siris, Maurício atribui aos dejetos despejados no rio a diminuição da presença dos crustáceos no Centro da Cidade. “Eles morrem ou vão para outros cantos atrás de comida. É feito pessoa. Se muda”, conclui.
A alguns metros dos “jererés” amarrado por Maurício na Ponte Giratória, o desempregado Magno Lima tenta a sorte na Ponte Maurício de Nassau. “Eu venho porque me divirto, acho bonito. E nessa crise não tem emprego. Às vezes pego uns peixes, mas tem dia que tá fraco. A gente vê até alguns boiando mortos”, relata. Incansável, Magno lança a rede inúmeras vezes, por horas, retirando mais lixo do que animais do rio. “Já encontrei sofá, bicicleta, todo tipo de coisa. Sempre deixo no cantinho para os garis levarem. O pescador daqui está sempre limpando a maré”, conta.
Magno se queixa dos ferimentos causados pelo lixo preso na rede. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Os detritos lançados no Capibaribe, além de atrapalhar a pesca, não raro, acabam ferindo quem precisa do rio para viver. “Já cortei minha mão várias vezes com latinhas de alumínio e vidro. Uma vez, fui tirar o lixo da minha rede e ela se partiu. Uma tarrafa dessas custa de R$ 30 a R$ 40 reais. É um prejuízo de um dia todo de trabalho”, reclama Magno. Pescador urbano desde os 12 anos de idade, o rapaz assistiu ainda garoto à tragédia que vitimou milhares de peixes por contaminação na década passada e faz um apelo: “isso não é coisa que aconteça, tanta gente querendo comer um peixinho e os bichos tudo mortos. Queria dar o conselho à comunidade de não jogar lixo na maré, porque isso está prejudicando a gente. No futuro, pode não ter mais como pescar por aqui”.