O Brasil tem vivido, nos últimos meses, momentos que impactarão a vida de todos seus cidadãos. O impeachment da primeira presidente mulher, Dilma Roussef, eleita por cerca de 54 milhões de votos, repercute, não só entre os brasileiros, como ao redor de todo o mundo. Um dos assuntos referentes ao tema que mais se discute é que a população está testemunhando um momento histórico. Muitas pessoas já têm se perguntado como estes fatos serão abordados num futuro próximo, dentro das salas de aulas e nos livros. O Portal LeiaJá conversou com profissionais da área de história e eles explicaram como pode acontecer a inserção de momentos históricos no ambiente escolar e na formação dos cidadãos.
O professor de história da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Severino Vicente, explica que, para virar história, um fato deve ter consequências maiores: "No governo do presidente Juscelino Kubitschek, por exemplo, houve três tentativas de golpe, mas nenhuma delas entrou nos livros, pois não foram executadas", comenta. O docente também coloca que os fatos são contados a partir da perspectiva do grupo dominante do momento. "Quem decide é quase sempre o grupo social que está orientando a sociedade. Na década de 1980, a palavra 'ditadura' não aparecia nos livros, se dizia 'revolução de 64', já nos anos 2000 passou-se a falar de 'movimento' ou 'golpe de estado'", exemplifica.
##RECOMENDA##Severino Vicente salienta também a participação da sociedade na escolha das temáticas a serem abordadas nas escolas: "Aquilo que a sociedade julga interessante para que as novas gerações aprendam é o que entra nos livros". Ele acredita ainda que o impeachtment de Dilma Roussef não aparecerá nos livros didáticos por enquanto, até mesmo por não ter havido uma conclusão definitiva do processo: "Se tivesse havido o cumprimento real da constituição e Dilma houvesse perido seus direitos politicos, isso seria um desfecho, mas nao aconteceu porque os senadores modificaram a constituição e a coisa está em suspenso no supremo, então só poderemos saber depois que houver um veredito". Para o educador, o assunto será apenas abordado nas escolas e universidades nos comentários em sala de aula pelo menos por enquanto.
Já para o historiador Cleonildo Cruz, que também é cineasta e doutorando em Epistemologia e História da Ciência, não é necessário esperar a passagem do tempo para imaginar como as próximas gerações saberão do afastamento de Dilma: "É preciso compreender o conceito de história não estanca, como se o passado, presente e futuro estivessem desconectados. O tempo futuro é o tempo presente. A abordagem historiográfica dos livros sobre os desdobramentos do impeachment de Dilma Rousseff será a constatação do que já sabemos. Foi um golpe dentro da institucionalidade: político, midiático, empresarial e civil. Não será necessário a isenção do tempo para se constatar que o que tivemos foi a ruptura institucional da nossa democracia", analisa.
O historiador afirma que a população está diante de um fato histórico e que imaginar como ele será narrado futuramente é algo permeado por um romantismo: "Quando falo romantismo na pergunta sobre como os livros abordarão o impeachment de Dilma Rousseff, é porque não será necessário a abertura de documentos não revelados. Todo esse processo ficou bastante claro desde o início do acolhimento na Câmara Federal ao desfecho no Senado, que foi golpe legalizado com as regras do jogo, da fragilidade de instituições do 'estado democrático de direito', e ressalta que a história ainda está sendo feita", explica. "Faz-se necessário entender os meandros da vida política e a fragilidade da nossa democracia. Não é o fim da história como já anunciou o Francis Fukuyama, na Década de 80. Assim como ele estava enganado, todos que pensam que é o fim, não é", conclui.
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