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A população LGBTQIA+ encontra uma série de dificuldades para acessar serviços públicos em favelas do Rio de Janeiro. Essa população acaba acessando menos serviços de educação e saúde, por exemplo, e está sujeita a diversas violências.

1º Dossiê anual do Observatório de Violências LGBTI+ em Favelas reúne dados e relatos de episódios de agressão e exclusão vividos por lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, queer, intersexo, assexuais e outras nesses territórios.

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A pesquisa reuniu informações de 1.705 pessoas de mais de 100 bairros, territórios e favelas do município carioca. Os dados tratam de segurança pública, educação, saúde, moradia e empregabilidade e renda.

A população travestigênere – pessoas trans, travestis e não-binárias – é a que mais sofre com falta de acesso. Na educação, por exemplo, 25,5% de travestigêneres abandonaram a escola antes de concluir os estudos e sequer acessou o ensino médio, enquanto entre o restante dos entrevistados, as pessoas não trans, esse índice é de 8%.

Em relação ao emprego, o dossiê mostra que cerca de 9,4% dos respondentes estão vivendo com renda mensal abaixo de R$ 500. Dessas, 60% são pessoas travestigêneres. Outro dado mostra que 80% das mulheres lésbicas disseram ter sofrido assédio sexual no trabalho. Na saúde, 28% dos homens trans não conseguem acessar os medicamentos necessários no posto de saúde por ausência desses remédios.

Em relação à segurança pública, a maior parte dos respondentes (69,56%) disse ter ficado impossibilitada de acessar sua moradia em decorrência das operações policiais. Dentro desse grupo, cerca de 66,59% são pessoas negras. Além disso, 48,28% do total de respondentes do formulário já sofreram algum tipo de violência durante uma abordagem policial.

“O cenário que a gente encontrou é um cenário muito cruel. A gente realmente não esperava, foi algo que impactou bastante, porque a gente viu que estamos muito distantes de algumas coisas que são básicas, para falar no sentido mais claro”, diz uma das pesquisadoras do dossiê Agatha Christie dos Anjos de Oliveira.

O dossiê foi elaborado, segundo os autores, para suprir a ausência de dados específicos da população LGBTQIA+ nas favelas do Rio de Janeiro:

“Sob o argumento de que não existem evidências concretas acerca de tais violações, o poder público tem se ausentado de sua responsabilidade na garantia dos direitos fundamentais das pessoas de favelas no Rio de Janeiro, em especial no que diz respeito às pessoas LGBTI+ e negras. Contrariamente, são os próprios mecanismos do Estado a propagar uma série de abordagens violentas, invasões domiciliares por vezes criminosas e numerosos episódios de outras naturezas”, diz o texto.

Coleta de dados

Os dados foram coletados por meio de entrevistas e de aplicação de um formulário respondido tanto online quanto presencialmente. As entrevistas foram realizadas tanto em grupos focais, nos quais foram discutidos temas e questões específicas, quanto de forma individual para abordar questões que poderiam ser delicadas para ser tratadas coletivamente.

As informações foram coletadas entre janeiro de 2022 e outubro de 2023. Foram 111 formulários aplicados em 2022 e 1.594 aplicações ao longo de 2023, totalizando 1.705 participantes.

Os questionários foram respondidos por moradores da Maré (35,37%); Cidade de Deus (18,01%); Madureira (4,57%); Rocinha (4,40%); Alemão (3,99%); Vila Sapê (2,93%); Vila Cruzeiro (2,76%); Serrinha (2,64%); Palmares (2,52%) e Gardêna Azul (1,35%).

Em relação à orientação sexual dos respondentes, 30,09% declaram-se heterossexuais; 18,65%, gays/bichas; 14,72%, bissexuais; 14,37%, pansexuais; 9,85%, lésbicas/sapatões; 6,8%, homossexuais; 4,4%, assexuais; 0,93%, nenhuma das opções; e, sem informação, 0,17%. O relatório ressalta que as pessoas que se declararam heterossexuais são pessoas travestigêneres que se identificam como tal. Pessoas cisgênero heterossexuais não participaram do estudo.

Sobre a identidade de gênero, 22,82% declaram-se como homem cisgênero; 10,50%, como homem trans; 5,69%, como transmasculino; 10,26%, como mulher cisgênero; 20,59%, como mulher trans; 13,08%, como travesti; 11,91%, como não-binárie; 2,93%, como agênero; 0,7%, nenhuma das opções; 1,41%, como outro/a; e, 0,11%, sem informação.

A maioria das pessoas, 52,49%, se autodeclarou negra. Outras, 24,52% se autodeclaram brancas, 13,43%, amarelas, 9,27%, indígenas e, sem informação, 0,29%.

Recomendações

O dossiê traz ainda uma série de recomendações direcionadas aos âmbitos municipal, estadual, federal e até mesmo internacional. De forma geral, chama atenção para a necessidade de coleta de dados sobre a população LGBTQIA+, para que haja informações para subsidiar políticas públicas voltadas para essa população nas favelas.

O documento também aponta a necessidade da capacitação de agentes públicos das mais diversas áreas para lidarem com as especificidades dessa população e, assim, garantirem o cumprimento de direitos fundamentais. Além disso, recomenda o fortalecimento de órgãos de denúncia, fiscalização e monitoramento de situações de violência, entre outras.

 

Um leque de serviços públicos disponíveis para a população LGBT e orientações de saúde e assistência social foram reunidos pela prefeitura do Rio de Janeiro no Guia Diversidade LGBT saúde, atendimento e legislação. O guia será lançado nesta sexta-feira (17),  Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, instituído nesta data porque, há 29 anos, a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade do Cadastro Internacional de Doenças (CID).

O guia foi preparado durante cerca de um ano pela Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual (CEDS) do Rio de Janeiro e traz informações que vão desde os documentos necessários para solicitar retificação de nome e gênero em documentos até serviços para denunciar agressões, como o Disque 100, do governo federal, e o 1746, da prefeitura. Também estão listados decretos municipais, leis estaduais e nacionais que estabeleceram direitos como o uso do nome social em órgãos públicos.

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O coordenador da CEDS, Nélio Georgini, conta que o guia foi elaborado por pessoas LGBT e, principalmente, da comunidade trans, e traz um glossário para ser uma leitura esclarecedora para toda a população.

"Nossa Constituição Cidadã contempla as minorias. Então, é dever do município, do estado e da União contemplar as diversidades", ressalta. "A violência aos LGBTs vai desde uma palavra mal colocada até a morte das pessoas. Os números mostram que o Brasil, infelizmente, ainda está na ponteira dessa matança aos LGBTs".

O guia vai ser distribuído em unidades de saúde e outros órgãos municipais e pode ser obtido na internet, na página da CEDS. Além de um mapa de onde buscar cada serviço, o guia também pode servir para que LGBTs cobrem o atendimento correto em órgãos públicos, destaca Georgini. "Facilita [a cobrança]. Você com um guia desse na mão, se em um serviço municipal a pessoa que está te atendendo desconhece, você mostra: 'e isso aqui?' Tem uma função educativa".

Números

No estado do Rio de Janeiro, o último Dossiê LGBT+ foi lançado em 10 de dezembro do ano passado e contabilizava 431 casos de agressão contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis em 2017. Em 55% dos casos, as vítimas conheciam os agressores e, em 43,4%, as casas das vítimas foram os locais das agressões. 

Veja algumas orientações que constam no guia:

Quais números de telefone podem ser usados para denúncias ou orientações?

Disque 1746 - "Ocorrências de competência municipal (casos que envolvam principalmente questões de saúde) devem ser notificadas para a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (CEDS), pela Central de Atendimento 1746".

Disque 100 - "O serviço pode ser considerado como 'pronto socorro' dos direitos humanos pois atende também graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes, possibilitando o flagrante".

Disque 180 - Central de Atendimento à Mulher, que abrange travestis e mulheres transexuais.

Onde buscar assistência jurídica no Rio de Janeiro?

O Nudiversis [Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro] atua na defesa individual e coletiva dos direitos dos cidadãos LGBT e busca fomentar e monitorar a política pública destinada a promover a igualdade desse grupo populacional. Ligue 2332-6186 OU 2332-6344 (de segunda à quinta das 10h às 17h).

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