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A cultura negra brasileira estará em evidência num dos maiores festivais de jazz do mundo, o New Orleans Jazz e Heritage Festival, marcado para ser realizado de 25 de abril a 4 de maio deste ano, em New Orleans (EUA). Fundado há dez anos no Ibura, bairro da Zona Sul do Recife, o Afoxé Omonilê Ogunjá se apresenta entre os dias 25 e 27 de abril, no palco em que artistas como Christina Aguilera e Eric Clapton também farão seus shows.
##RECOMENDA##“O Omonilê Ogunjá bebe na fonte dos antigos e é isso que vamos levar para New Orleans”, comenta Dario Junior, diretor da agremiação. Segundo ele, o festival proporcionará uma visibilidade muito grande para o afoxé. E para que a ocasião seja aproveitada da melhor forma possível, o grupo está montando um repertório especial para levar aos EUA. “Quando as pessoas descobrem que estamos indo para os Estados Unidos, representando a cultura afro-brasileira num dos maiores festivais de Jazz do mundo, portas se abrem pra gente", conta.
"Estamos ensaiando há trinta dias porque queremos levar algo que fale da gente, da África e da relação brasileira com o continente africano. O repertório terá desde música autoral ao hino da África, além de músicas como o Canto das Três Raças. A gente sabe que tem brasileiro lá que conhece isso e essa é uma forma de identificar o povo, até porque queremos fazer um show com interação”, explica o diretor do Omonilê Ogunjá, afoxé batizado pelos Filhos de Gandhi em 2010.
Ainda segundo Dario, além da musicalidade de New Orleans, considerada o berço do jazz, a religiosidade da cidade americana tem uma forte relação com a cultura negra de Pernambuco. “Lá eles tem o voodoo, que é uma das religiões mais discriminadas na região, e foi associada àquela história do boneco com alfinetes. Nós do Omonilê Ogunjá sentimos essa realidade do preconceito”, comenta Dario Junior. Dos trinta integrantes que atuam diretamente no afoxé, 17 nomes foram escolhidos para ir aos EUA. Mas até o momento 15 integrantes tiveram seus vistos liberados. “Mesmo com uma petição por parte dos organizadores do festival entregue ao Governo Americano, eles negaram o visto de duas pessoas”, reclama Dario.
O convite da produção do New Orleans Jazz e Heritage Festival ao afoxé pernambucano foi feito após uma apresentação do Omonilê Ogunjá durante o Festival Lula Calixto, em Arcoverde, Sertão de Pernambuco. “A gente estava apresentando o nosso segundo disco, o Odara, quando o produtor do festival de New Orleans nos assistiu e lá mesmo fez várias referências da negritude do povo de sua cidade, como a dança, a vestimenta e a forma de interação, com o povo negro pernambucano. Agora estamos no palco principal do festival e vamos desembarcar nos EUA no dia de Ogum, dia 23 de abril”, revela Dario Junior ao LeiaJa.
Nalva Silva, uma das vocalistas do afoxé, conta que o convite pegou todo mundo de surpresa. “A gente estava em Arcoverde e de repente veio a proposta. Mas a expectativa é de fazermos o nosso melhor por lá. Apesar de ser outro local e que não fala a nossa língua, vamos tentar mostrar através da dança, da música, do canto, a cultura afro-brasileira, e tomara que a gente consiga, porque estamos nos esforçando pra isso”, diz a cantora.
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Relação com a religião afro-brasileira
De acordo com Dario Junior, o afoxé é uma manifestação afro-brasileira vinculada ao candomblé e que tem o intuito de desmistificar a visão negativa que as pessoas têm da religiosidade e da cultura negras. “Uma questão histórica, e que já dura quinhentos anos de construção no inconsciente do brasileiro, é a demonização dos deuses africanos. O afoxé é um instrumento que serve para desmistificar isso, e nesse processo a gente traz na prática questões religiosas do povo negro”, explica o diretor do Omonilê Ogunjá. “Todo afoxé tem um orixá (ori=cabeça, xá=guardião) patrono. No nosso caso é Ogum, Ogunjá, que é uma qualidade de Ogum quando ele traz consigo Oxalá (Omo=filho, nilê=da casa, Ogunjá=qualidade de Ogum com Oxalá). Nossa proposta é contar a história do povo negro a partir de uma outra ótica, porque ela é contada na escola formal a começar pela escravidão. E a gente sabe que a construção desse país foi feita pela mão de obra dos negros”, ressalta Dario Junior.
Na opinião do diretor do Omonilê Ogunjá, o afoxé possui um poder encantador. “Tem gente que dança sem querer, que vem aos ensaios só pra assistir e quando vê já está dançando. E tem também aquelas pessoas que chegam aqui sem nem saber que estão vindo”, brinca Dario.
Assim como numa procissão católica, que leva às ruas um santo, o afoxé carrega um babalotim (baba=pai, lotim=festividade) que representa o orixá patrono da agremiação. “Ele passa por vários procedimentos de cunho religioso antes de ir pra rua, e a gente traz essa religiosidade pra dentro da festividade. A função maior do babalotim é simbolizar a presença desse universo religioso”, explica Dario Junior.
A relação com o religioso é tão intrínseca que a ida do afoxé pernambucano a New Orleans só foi possível após autorização de Ogum. “Não vou sair daqui para os EUA como se não tivesse nada por trás disso tudo. A cabeça pode estar na lua, mas os pés têm que estar no chão, firmados na terra, que é a base, que tem a ver com origem, com princípio, com essência. Nesse âmbito não dá pra ser só artista, e eu digo isso direto dentro do afoxé. A musicalidade negra tem que ser guia e a gente tem que ter cuidado com essa referência, até pra servir de exemplo para as futuras gerações”, comenta.
Trabalhos lançados
O Afoxé Omonilê Ogunjá completa dez anos em outubro e tem dois discos e dois documentários (Ikomòjadé e Sou Eu) lançados. O primeiro álbum foi Berço dos Ancestrais (2008), gravado ao vivo. Já o segundo CD, Odara, foi gravado no mês de novembro passado com recursos do próprio afoxé. “Por enquanto, quem quiser conferir nossos trabalhos pode entrar em contato com a gente através da nossa fanpage. O documentário Ikomòjadé, que conta como foi nosso batismo pelos Filhos de Gandhi, está disponível na nossa conta no Youtube. Algumas músicas podem ser encontradas na nossa conta no Myspace. E em breve vamos lançar um site onde vamos disponibilizar todo esse material”, revela Sérgio Augusto, um dos integrantes do afoxé.