O rapper MV Bill faz um "voo rasante" sobre o Brasil: sonha com uma vida melhor, sem perder de vista a realidade. Seu novo álbum, 'Voando Baixo', é uma crônica indignada de um país abalado pelos rumos políticos, pelas mortes da Covid-19 e pelos efeitos do isolamento social.
Lançado em abril, o disco é uma tentativa de "mostrar às pessoas que cada movimentação política errônea tem impacto direto nas nossas vidas, principalmente numa pandemia", diz à AFP Alex Pereira Barbosa, nome de registro do músico de 47 anos.
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No videoclipe de "Nóiz Mermo", primeiro single de seu 12º álbum, ele interpreta um policial que investiga o roubo de uma maleta cheia de vacinas.
"Quem nasceu pra ser capeta nem com reza vira santo; pós-ditadura eu não vejo cura; hoje somos baratas no governo inseticida; se não serve de instrumento é tratado como inimigo", canta MV Bill.
Mudanças de paradigma, afirma, passam pelo protagonismo popular. "É a gente que vai mudar isso, seja através das pessoas comuns se candidatando para ocupar esses cargos, seja não votando em pessoas que não nos representam", diz o cantor, ator, escritor e ativista, cofundador da ONG Central Única das Favelas.
Para ele, a política sempre esteve, porém, afastada dos mais desfavorecidos.
"De quem passou pela Presidência do Brasil, ninguém foi capaz de resolver o problema das favelas, de moradia precária, violência e corrupção policial, hospital com atendimento ruim, escolas que não funcionam", queixa-se o artista, da Cidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro.
Em mais de 30 anos de carreira, ele já denunciou esses problemas inúmeras vezes. "Tenho músicas de 1999 que já falavam disso, e era outra gestão. Tem música antiga que serve pra gestão atual. Tem música nova que serve pra gestão antiga", afirma.
O rapper alerta, no entanto, que falar publicamente de política no Brasil atual traz sérios desafios.
"Principalmente quando se cita nomes, você pode sofrer um processo, entrar na Lei de Segurança Nacional e ser preso como terrorista", declara. É preciso "ser inteligente" para se expressar "sem se colocar em risco".
"Dependente dos fãs"
Como a pandemia impossibilitou seus shows, MV Bill teve uma drástica queda de receitas. "Nosso setor é o primeiro a parar e vai ser o último a voltar. A gente trabalha com aglomeração", diz, embora se sinta privilegiado pelos fãs fiéis que permitem continuar seu trabalho.
É com os royalties das plataformas digitais que ele tem mantido uma renda. "Esse dinheiro, além de me ajudar a sobreviver, pagar as contas, é também reinvestido para fazer mais músicas", explica.
O rapper conta que faz tudo de forma independente. "Não tem gravadora, uma equipe bancando, tudo sou eu. É uma produção totalmente independente, dependente dos fãs", declara ele, que em 2006 ganhou projeção mundial como produtor do documentário "Falcão - Meninos do Tráfico".
O novo disco foi gravado em sua casa e no estúdio de um amigo. Convidados como Kmila CDD, Nocivo Shomon, ADL e Bob do Contra gravaram separadamente, devido às restrições impostas pela pandemia.
Segundo o crítico musical Pedro Alexandre Sanches, editor de Cultura da revista Carta Capital, as músicas de MV Bill deram a jovens pobres e negros nas favelas "modelos positivos e esperançosos para se inspirar".
Sanches ressalta que sua relevância transcende a música, pois o rapper também é reconhecido pela atuação como líder comunitário e coautor de livros marcantes como "Cabeça de Porco", sobre a violência urbana gerada pelo narcotráfico.
Pés no chão
Além dos fãs antigos, o artista tem conquistado uma nova audiência na plataforma de vídeos TikTok. Várias músicas suas foram dubladas centenas de vezes no aplicativo. A de maior sucesso é "Estilo Vagabundo 3", de 2016, usada em mais de 318 mil vídeos.
"Com certeza, isso fez com que minha música chegasse a uma galera muito mais jovem", diz. "A pessoa brinca ali 15 segundos e daqui a pouco vai na plataforma digital ouvir a música, vai mostrar para o amigo".
MV Bill comenta que, apesar de atender a um chamado dos fãs, o álbum vai na contramão do que faz sucesso hoje no mundo do rap: músicas que "giram em torno de temas como dinheiro, ostentação, a mulher objetificada, bens materiais, maconha, bebida".
"Nada contra falar desses assuntos, mas o hip hop não é só isso", esclarece.
O título "Voando Baixo" faz oposição a expressões como "quero voar alto", "quero estar no topo", comuns no rap atual. "Acho legítimo o jovem querer voar, porque voar é sonhar. Agora, você pode fazer um voo sem tirar tanto os pés do chão", explica.