A arte oriental encanta e influencia artistas do Ocidente desde o século 19. Notadamente no impressionismo - em Monet, Manet, Degas - se veem reverberadas técnicas e cores características das gravuras chineses e japonesas. Com formação europeia, nosso Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) levou para suas pinturas características do Oriente facilmente reconhecíveis, como a falta de perspectiva, a delicadeza, o capricho nos ornamentos e a verticalidade das figuras, prova Guignard e o Oriente, Entre o Rio e Minas, exposição aberta nesta terça-feira, 11, no Museu de Arte do Rio (MAR).
Fluminense de nascimento (é de Nova Friburgo, na serra) e mineiro pela vivência, o "paisagista do modernismo brasileiro", como aponta o curador, Paulo Herkenhoff (em parceria com a colecionadora Priscila Freire, mineira que conviveu com o artista em sua escola em Belo Horizonte, e Marcelo Campos), passou a infância e juventude na Europa com a família. Estudou em Munique e se aperfeiçoou em Florença e Paris.
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"Já se fala da influência oriental em Guignard há muito tempo, mas não se apontava onde", conta Herkenhoff, que, com Priscila, já tinha realizado mostra semelhante, menos numerosa, no Instituto Tomie Ohtake, em 2010. Ele enxerga exemplos nas telas em que Guignard retratou o Passeio Público e os lagos de vitórias-régias do Jardim Botânico, no Rio.
De intenso conteúdo subjetivo, o óleo Noite de São João (1961), em que retrata uma Ouro Preto enevoada e imaginária, tem igrejas barrocas, montanhas e balões de dimensões parecidas, e não há um ponto de fuga para onde o olhar seja direcionado. "É a pintura como uma caligrafia, feita com um pincel muito leve e fino", ressalta ainda o curador.
"Ele era um homem muito sensível e absorveu essa admiração pelo Oriente na Europa. Já chegou ao Brasil, em 1929, com isso. E em Minas, desde o século 18 se viam no barroco ilustrações com traços orientais, provavelmente trazidas de lugares como Goa e Macau", lembra Priscila, que conheceu Guignard em 1954, aos 20 anos. Era um homem elegante e inteligente, pouco apegado a dinheiro, que sofria preconceito por ter lábio leporino, recorda-se.
Suas obras - estima-se que sejam por volta de 2 mil - estão espalhadas em coleções particulares do Rio e de SP. Passados 52 anos de sua morte, ainda não foi publicado um catálogo raisonné, volume que reúne todos os trabalhos de um artista. A produção europeia se perdeu.
Ao morrer, o que Guignard deixou foi uma casa, em Ouro Preto, e quadros. "Logo apareceram pessoas que provaram ser parentes e ficaram com a casa, depois vendida, e as obras", conta Priscila. Entusiasta de seu legado, e na ausência de herdeiros interessados, ela fundou em 1987 o Museu Casa Guignard, na Rua Direita, centro histórico de Ouro Preto, de divulgação e preservação da obra. O adorável sobrado do início do século 19, que guarda documentos, fotos, desenhos e cartas, precisa de reformas urgentes nos sistemas hidráulico e elétrico para se manter funcionando bem. Faltam recursos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.