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Para quem toca maracatu de baque virado, a chegada do segundo semestre é o fim das férias pós-Carnaval. É quando batuqueiros e demais integrantes das nações, em Pernambuco, começam a tirar a poeira dos instrumentos e figurinos para começarem a preparação de mais uma festa. Alguns, iniciam os trabalhos até antes disso. Em 2020, porém, o movimento será diferente. Com a pandemia do novo coronavírus ainda em curso no Estado, e no Brasil, não se sabe como será o Carnaval de 2021 e os brincantes precisam de estratégias para não deixar o brinquedo morrer. 

É aí que entram as redes sociais, que abriram espaço para que a tradição possa ter sua manutenção garantida durante esse período de distanciamento social e incertezas. Se em meados do século 20 Chico Science fincou uma parabólica na lama e assim levou o peso do maracatu para o resto do país e parte do mundo, a nova geração, neste século 21, afinou os modens e diminuiu ainda mais os limites geográficos para cultura pernambucana. Apesar de secular, o baque virado provou ser adaptável aos novos tempos e é através das lives, pelas ondas da internet, que batuqueiros, nações e mestres estão conseguindo manter seus tambores ressoando. 

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É de sua casa na comunidade da Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, que o batuqueiro Vinícius Alves de Souza, o Vini, comanda a página Maracatus PE (@maracatuspe), com quase 1.300 seguidores. Integrante da Nação Sol Brilhante, e neto de uma das maiores referências dentro do baque virado - Dona Ivanise, fundadora da Nação Encanto da Alegria, falecida em 2007 -,  Vini criou o perfil para ajudar a promover as nações, sobretudo as menores. “É uma página para falar sobre maracatu, porque não tinha nenhuma, não tinha nenhum tipo de divulgação”, disse em entrevista ao LeiaJá.

Com a chegada da pandemia Vini resolveu movimentar o perfil promovendo lives com outros batuqueiros e mestres de diversas nações: “Eles não tinham onde se manifestar, contar sua história, falar sobre sua nação, e a página serviu pra isso. Fui o primeiro a fazer as lives e hoje quase todo dia tem uma live sobre maracatu em várias páginas, fico feliz por plantar essa semente”. Segundo Vinícius, a audiência das transmissões do Maracatus PE vem de países como Bélgica, França e Alemanha, além dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas e outros. Tudo é feito de maneira simples, sem grandes aparatos, e às vezes, “a internet falha”, mas o resultado tem sido positivo e a resposta tanto do público quanto dos maracatuzeiros tem sido a melhor possível. “Já tenho umas lives agendadas que os próprios mestres me pediram”, comemora. 

Vini em live com o mestre Felipe, da Nação Encanto da Alegria. Imagem: Reprodução/Instagram

Próximo à casa de Vini, na comunidade do Alto José do Pinho, outro batuqueiro também resolveu abrir um canal de comunicação para as nações de maracatu. Thiago Rodrigo da Silva, mais conhecido como Thiago Nagô, tem conversado com batuqueiros e mestres de diferentes nações, no seu perfil pessoal (@thiagonago), em uma série que ele batizou de A vida e a história dos batuqueiros tradicionais dos maracatus nação. 

A motivação de Nagô é mostrar ao público a parte ‘de dentro’ das nações e seus integrantes, compartilhando uma vivência que muitas vezes fica escondida atrás do som dos batuques e do brilho dos figurinos. “O pessoal de fora quando vem visitar as nações de maracatu só vê o lado cultural do brinquedo, mas além disso existe uma vida pessoal do batuqueiro, do mestre, muitos com  trabalhos sociais e outros que passam por dificuldades financeiras durante o ano, fora do maracatu. Então eu queria que a gente pudesse compartilhar essas histórias de fora da nação, como é o dia a dia, como é lidar com preconceito, com racismo dentro das comunidades”. 

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Integrante da Nação Estrela Brilhante do Recife, Nagô já promoveu bate-papos com batuqueiros e mestres de diferentes gerações e nações - de Afonsinho, do Leão Coroado, herdeiro direto de um dos mais respeitados mestres de maracatu, Afonso Aguiar, falecido em 2018, ao mestre Teté, um dos mais antigos mestres em atividade em Pernambuco, liderança da tradicional nação Almirante do Forte.

Nas conversas, além de histórias pessoais e sobre as nações, Thiago e seus entrevistados compartilham fundamentos e ensinamentos do maracatu. O público tem aproveitado a oportunidade para entender um pouco mais sobre a manifestação pernambucana. “Tem muitos grupos espalhados pelo Brasil e fora do Brasil, isso talvez seja uma forma de eles se conectarem com a gente, com as nações de maracatu. É uma forma de comunicação com essa galera que não tem oportunidade de estar pagando passagem o ano todo para para vir para o Carnaval do Recife e acompanhar de perto as nações”. 

Thiago Nagô em live com o contra-mestre Toinho e mestre Teté, da Nação Almirante do Forte. Imagem: Reprodução/Instagram

A estratégia parece ter caído como uma luva para os brincantes e apaixonados pelo maracatu, mas existem limitações. Jamesson Florentino (@florentinojamesson), presidente e articulador da Nação Baque Forte (@maracatubaqueforte), de Tejipió, Zona Oeste do Recife, enumera algumas. “Você tem que ter tempo, local, equipamento, e daí a gente já percebe uma certa desigualdade para alguns grupos, alguns maracatus poderem realizar”. 

O articulador também tem feito lives em suas redes sociais, entrevistando integrantes de nações e compartilhando conteúdo relacionado à manifestação. A prioridade, segundo ele, é dar espaço para aqueles que têm mais dificuldade no acesso à comunicação. “A gente começou dialogando exatamente com esses maracatus que estavam meio à margem, mais distantes, e foi bem legal a resposta, a participação das pessoas. Mas você vê que são poucos grupos que fazem, acho que uns cinco no máximo e no universo de quantos tem, né? Existe um mercado em torno disso, e tem muitas pessoas que consomem. Eu esperava que houvesse uma coisa mais coletiva pra realizar essas interações por iniciativa de alguma organização que promovesse, mas não houve, conversando com outros grupos a gente resolveu tomar nossa própria iniciativa”. 

Mas, apesar de ver bons resultados vindos dessa interação em tempos de isolamento social, através das redes, Jamesson acredita que no pós-quarentena o ‘maracatu virtual’ não se firmará como uma tendência. “Os maracatus que tem uma certa estrutura, disponibilidade de pessoas que entendem desse tipo de procedimento talvez consigam continuar com esse formato, mas acho que isso não vai ficar não, porque o principal da cultura popular é o contato. A cultura é o povo na rua, o ensaio, o desfile, a comunidade batendo perna e vendo o que tá acontecendo”. 

Jamesson Florentino em live com mestre Marcelo Thompson, da Nação de Oxalá. Imagem: Reprodução/Instagram

EAD do batuque

Além de bate-papos e entrevistas, os batuqueiros estão promovendo também aulas de percussão à distância. Thiago Nagô é um deles. O percussionista levou sua experiência de oficineiro, com aulas e workshops presenciais realizados  em grupos de todo o Brasil, para a internet. Em turmas online, ele tem ensinado, além do maracatu de baque virado, ritmos tradicionais do Candomblé Nagô e da Jurema Sagrada, com as aulas de ilu. “É bem diferente com relação à aula presencial mas tá sendo uma experiência boa. Tô conseguindo administrar bem essas aulas, passar um pouco do meu conhecimento e poder também tá sobrevivendo da música que é o mais importante”.

Jamesson, do Baque Forte, também tem ministrado oficinas online. Ele ensina ritmos como afoxé e o coco, além de técnicas para instrumentos como congas, pandeiro e bombo, em aulas gratuitas. “Antes de fazer, eu conversei com várias pessoas da área pra me orientar sobre essa questão do mercado. Mas, a gente que é da cultura há um certo tempo nunca teve muito esse tato com a coisa do dinheiro, do cobrar por um conhecimento, então ficou difícil pra mim entender essa coisa de criar um espaço virtual, pra pessoas pagarem e aprenderem aquilo, já que é uma coisa que é do povo. Aí comecei a soltar alguns materiais ao vivo e alguns que eu tô organizando ainda”. 

Segundo o oficineiro, a experiência tem servido também para que ele próprio possa desenvolver um certo conhecimento com captação e edição de vídeo, e apesar de algumas dificuldades, o compartilhamento de saberes e experiências através das redes sociais tem sido positivo. “O pessoal gosta, acompanha. Eu tenho um pouco de limitação por causa de equipamento, espaço, mas à medida que você vai fazendo, vai melhorando, Talvez com o tempo eu vire um digital influencer”, brinca. 

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Onde e como se conectar

Apesar de dificuldades e limitações técnicas, a vontade dos maracatuzeiros de levar sua mensagem e tradições além parece ser maior. São vários os canais nos quais é possível acompanhar lives sobre o brinquedo pernambucano, conferir aulas dos ritmos tradicionais e ficar por dentro do que acontece no meio do maracatu. Além dos entrevistados desta matéria, vários outros batuqueiros e nações - sem falar nos vários grupos percussivos, apadrinhados por maracatus de Pernambuco, espalhados por todo o país -, têm aproveitado o isolamento social provocado pela pandemia do coronavírus para se conectar pelas ondas da internet, seja pelo Instagram ou YouTube. Confira alguns.

Nação Estrela Brilhante do Recife (@estrelabrilhantedorecife); Nação Cambinda Estrela (@maracatunacaocambindaestrela); Nação Porto Rico (@ncaoportoricooficial); Nação Leão Coroado (@maracatuleaocoroado); Nação Gato Preto (@maracatugatopreto); Pitoco de Aiyrá (@pitocoaxetu). 

 

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