Gael García Bernal fala com paixão sobre política, da eleição do "canalha" Donald Trump até a "necessária discussão" na América Latina sobre a revolução cubana, a propósito da morte de Fidel Castro.
O ator mexicano, de 38 anos, viajou para Los Angeles para apresentar "Neruda", filme chileno de Pablo Larrain que busca indicação ao Oscar de filme estrangeiro e no qual ele interpreta o policial que persegue o poeta comunista em 1948, durante o governo de Gabriel Gonzalez Videla.
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Era uma história que "não era tão clara, especialmente porque nunca focaram através dos olhos de Neruda, através do que aconteceu com ele. O filme me fez entender o contexto em que viviam naquela época", após a Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, disse em entrevista à AFP o ator que também atuou em "No", de Larraín, sobre o referendo que depôs Augusto Pinochet.
P: Seu personagem, Oscar Peluchonneau, destaca as contradições entre o discurso comunista do poeta e seu modo de vida. Você concorda com o inspetor?
R: A grande controvérsia que o comunismo enfrentou se manifesta em uma das cenas do filme, quando uma colega diz a Pablo Neruda: 'veja, quando o comunismo triunfar, como todos nós seremos? Como você ou eu?' E essa é a questão que se pode articular (...), porque sempre gerou uma cúpula de elites e privilegiados. No entanto, certas coisas básicas do comunismo foram mantidas do socialismo, como a educação pública gratuita, a saúde pública gratuita, certas coisas que hoje é um pouco ridículo que sejam discutidas nos Estados Unidos como se fosse certo ou errado ter saúde pública gratuita, me parece uma discussão terrível.
P: Trump seria o "fantasma uniformizado" dos imigrantes ilegais, como o Neruda do filme chama Peluchonneau?
R: Não, porque o antagonista criado por Neruda é um inimigo nobre e eu acredito que o inominável tem tudo menos nobreza, poesia. Tem uma visão de vida míope, que implode, que não tem noção do bem comum e tem zero de poesia. Pelo menos Peluchonneau era melhor poeta.
P: O medo é justificado?
R: Claro que é, porque essa é a base de sua campanha, não é uma interpretação (...). Não temos que minimizá-lo, é um canalha total.
P: Você também protagoniza "Desierto", sobre a travessia da fronteira, que Trump quer parar com o "muro insignificante", como você o descreveu.
R: Eu disse isso um pouco como uma afronta à estupidez, simbólica, e praticamente porque 80% das pessoas que estão nos Estados Unidos sem documentos chegaram de avião, que estupidez é criar um muro para evitar esses 20% de pessoas, que aliás vêm e vão.
P: Trump chega com um discurso populista de direita num momento em que os governos populistas de esquerda na América Latina estão acabados. Com a morte de Fidel, como a esquerda latino-americana ficará?
R: O que é preciso é não falar em termos de Guerra Fria. Temos, por exemplo, que usar Cuba agora que Fidel morreu para uma discussão mais ampla, muito sincera sobre os sucessos e fracassos da revolução cubana, falar claramente e com uma abordagem oportuna e histórica sobre o que aconteceu. E enxergar de que ângulo estamos criticando o que aconteceu. Do ângulo dos nossos países da América Latina, onde ainda há uma miséria brutal, onde a desigualdade é assustadora? Temos de falar sobre isso, incorporá-lo, é uma boa discussão, é uma discussão necessária, que também deve ser alegre.
P: E o cinema é uma das muitas plataformas para ter esta discussão. Como você vê o cinema latino-americano?
R: Se faz um cinema muito interessante, poderoso, muito livre, e isso já é muito. Eu sinto que haverá mais filmes interessantes. O problema é que ainda não conseguimos compartilhar nossas histórias, que é algo que deveríamos fazer mais.