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É difícil encontrar um nordestino que não traga na memória alguma canção do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Nas lembranças do cantor e compositor pernambucano Jorge Du Peixe, o mestre Lua surge nos discos de vinil que herdou de sua mãe, ainda com o nome dela ou dedicatórias escritas à caneta esferográfica na capa, e nas imagens que guarda dos ensaios das quadrilhas que dançou quando criança.

Agora, com 28 anos de carreira junto a uma das bandas mais importantes da música contemporânea brasileira, a Nação Zumbi, Du Peixe decidiu honrar essas memórias, que tanto contribuiram para ser o artista que é hoje, e homenagear a obra de Gonzaga em seu primeiro álbum solo, Baião Granfino, lançado na última quinta (16). “Quem tá aí (no Nordeste) nasce já ouvindo (Gonzaga) de longe no rádio do vizinho. A gente nasce ouvindo, cresce escutando e vive lembrando. Quando toca em algum lugar eu penso: ‘caramba, eu já ouvi tanto isso’. Dos ensaios até às quadrilhas, de você tocar com a Nação Zumbi nos festivais de inverno e ver show de Elba Ramalho cantando ‘Sabiá’ e ‘Que Nem Jiló’, e me pegar de surpresa dentro de um estúdio agora gravando essas músicas e passar todo esse filme na cabeça, é muito louco”, disse em entrevista exclusiva ao LeiaJá.

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Muito embora o músico use a palavra “surpresa” para descrever uma das emoções vivenciadas durante a produção do disco, o projeto foi gestado durante um longo período. Do convite feito pelo produtor Fábio Pinczowski, em 2017, para a gravação de um trabalho juntos, até 2021, ano de lançamento de Baião Granfino, a dupla pôde conversar, estudar e elaborar os caminhos que os levariam até às 11 faixas que compõem a obra, segundo o músico, parte de um “tesouro nacional” deixado pelo mestre Lua.  

A intenção era homenagear o legado de Gonzaga, com muita reverência e afeto, sob a perspectiva pessoal de Du Peixe, tendo o baião como elemento norteador do trabalho. “Quando você mexe na obra de um outro artista você tem que ter cuidado redobrado. A ideia não era ser um baião de raiz, porque ele já existe, a gente queria colocar elementos novos. A gente tá tendo cuidado de não querer modernizar o eterno, a ideia é atualizar. Foi legal colocar a minha impressão sobre a obra dele e ter o Fábio como cúmplice”. 

Em Baião Granfino, o legado gonzaguiano ganha tons de blues, ska e rock, entre outros, bem como se reencontra com vertentes que sempre lhe foram mais próximas, como o maracatu e a ciranda. As infinitas possibilidades proporcionadas pelo ritmo - que já foi um dos principais do país - fizeram festa ao se unirem à verve de Du Peixe. 

No repertório - definido após um par de anos de muita conversa - clássicos como Assum Preto, Sabiá e Pagode Russo, dividem espaço com outras canções não tão conhecidas, como Cacimba Nova e Rei Bantu. Essa última, uma surpresa para o próprio Jorge, que não poderia ter se identificado menos com a faixa escrita pelo mestre em 1950. “Assim que eu ouvi eu disse: ‘isso é um grito’. Você vê a força que ela tem, aquele grito de empoderamento, de ancestralidade, é um maracatu canção e rolava muito isso naquela época. Eu chapei nela. É Nação geral, todo grito que a gente tem, é Chico (Science)  também de alguma maneira. Por mais que todos façam projetos (solo), isso vem  agregar pra banda. Isso contempla cada vez mais a ideia de buscar e ir pra outros lugares e levar, fragmentado ou não, isso é de certa forma uma ramificação ali”.

Gravado durante a pandemia, Baião Granfino contou com várias participações e cerca de 20 músicos.  “A ideia era trazer uma banda mínima, mas fomos pensando nos nomes e aí veio quase uma orquestra de Luiz Gonzaga, uma ‘Luíz Gonzaga All Stars’ de certa forma”, brinca Du Peixe. Entre os convidados do projeto estão Siba Veloso, Pupillo, Mestrinho, Maria Beraldo, Lívia Nestrowski, Sthe Araújo e Naloana Lima, entre outros. 

A cantora paraibana Cátia de França também contribuiu fazendo um dueto com Jorge na canção O Fole Roncou. “A gente cresceu vendo shows de Cátia de França, e aí coincidentemente procurando quem faria os coros do disco o Fábio comentou sobre ela. Só que pra backing vocal a gente queria umas vozes mais agudas que remetesse à velha guarda do samba, às cirandeiras e lavandeiras, e pensamos: ‘ela vai ter que participar, cantando’. Ela topou e eu fiquei felizão, felicidade geral do baião, ali ela lacrou”. Em virtude dos protocolos sanitários, os artistas gravaram a faixa de forma remota, porém, a união dos dois foi tão feliz que um encontro presencial já está marcado. “Passando a pandemia a gente já se prometeu uma cabidela no sítio dela”. 

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Após quatro anos de elaboração, maturação e execução de seu primeiro disco solo, o que Jorge du Peixe mais quer é levá-lo para o palco. Vacinado, o cantor espera que em 2022 as condições para tal sejam mais favoráveis. “A vida é ali em cima (do palco). Depois que você grava um disco, não só o ouvinte, o fã, mas a banda também quer levar isso pro palco, é outro estágio legal da ideia do disco. Você contempla o disco de verdade no palco”. 

Enquanto aguarda o arrefecimento da pandemia para poder voltar a circular com sua música, Du Peixe vai planejando os próximos passos e curtindo a repercussão de Baião Granfino. Um disco que ao homenagear o Rei do Baião acaba honrando, também, outras searas da cultura nordestina, através das referências, inspirações e até dos nomes que passaram por ele. Uma bela e afetuosa forma de reverenciar o eterno e, consequentemente, acabar fazendo parte dele também. “Luiz Gonzaga é forte. Vale salientar que além de mim deve ter um tanto de gente exatamente agora no país regravando Luiz Gonzaga. Isso não para”.

Fotos: Divulgação/José de Holanda



 

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