Em um intervalo de 15 anos, Jacqueline Santos Silva deixou de ser uma dedicada estudante de ciências biológicas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) para se tornar, com apenas 34 anos de idade, professora dos programas de graduação em ecologia e biodiversidade de conservação, além de coordenadora geral dos cursos de graduação da instituição. Entre a altíssima exigência em termos de quantidade e qualidade de artigos científicos publicados, aulas, orientações, além dos planejamentos e correções que acaba levando para casa, a professora tem a carga horária ainda mais sobrecarregada pelas funções administrativas que desempenha na universidade.
Tal quadro tornou-se comum nas universidades públicas desde a década passada, quando, embora o número de matrículas no ensino superior tenha dobrado para 7,1 milhões em 2014, a proporção entre professores e alunos tenha aumentado, com o déficit de contratações de novos servidores, segundo defende a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Adufepe).
##RECOMENDA##
Pesquisadora em oceanografia desde a graduação, através de projetos de iniciação científica, Jacqueline aliou dedicação e ao investimento na área também no mestrado e no doutorado, em cujo primeiro ano surgiu a oportunidade lecionar em uma universidade pública.“Como existia uma carência muito grande de professores doutores em oceanografia, principalmente no interior, foi aberta a vaga em Serra Talhada (no Sertão pernambucano) para o nível de mestre. Meu currículo já continha publicações do mestrado e do doutorado, o que foi essencial para minha entrada”, lembra. Apesar da aprovação precoce, a professora reconhece que o nível de exigência dos concursos é cada vez maior. “Para ingressar no ensino superior, você precisa ter essencialmente o doutorado, porque está cada vez mais concorrido. Quando eles são oferecidos, os candidatos têm cerca de dois ou três pós-doutorados. Por isso, quem quer seguir essa carreira deve focar na formação”, aconselha.
[@#video#@]
A principal estratégia adotada pela professora para conciliar suas diferentes obrigações na universidade foi integrar suas pesquisas regulares à sala de aula. “A gente tem a ideia de projeto e seleciona alunos para que eles efetuem esse trabalho em campo, suprindo essa demanda. Esses meus alunos seriam os multiplicadores desse trabalho, trazendo o material coletado para a orientação, onde a gente discute estratégias”, comenta. Ainda assim, a carga de trabalho de Jacqueline acaba ultrapassando as 40 horas curriculares. “Também somos cobrados a trabalhar na administração, dentro da universidade pública existe essa carência. Apesar de a gente não ser preparado para gestão acadêmica na nossa formação, acabamos aprendendo no dia-a-dia”, completa.
O presidente da Adufepe, Augusto César Barreto, enaltece a interiorização do ensino público nos governos Lula e Dilma, mas critica a falta de investimento em pessoal e em estrutura de trabalho para atender às demandas do ampliado corpo discente. “A partir de 2003, passamos a ter professores com uma jornada de trabalho muito grande, que além de praticar ensino, extensão e pesquisa ainda precisam gerir as universidades. Isso gerou uma sobrecarga de trabalho assustadora, pois muitas universidades foram abertas de forma precária”, defende.
De acordo com Augusto, no governo Temer, o processo de sobrecarga foi intensificado, devido à redução do quadro de técnicos e servidores. “Somos parceiros da Universidade de Brasília (UnB) de uma pesquisa, ainda em curso, que verifica que o adoecimento docente vem aumentando nos últimos anos, com recorrência de doenças cardiovasculares, obesidade e tentativas de suicídio, que a princípio não observavamos”, lamenta. Assim, o presidente se mostra pouco otimista quanto a melhoria das condições de trabalho dos professores universitários. “O congelamento dos gastos públicos com educação e o drástico corte de 23% nos investimentos nas universidades públicas sucateia laboratórios e faz com que certos setores das instituições não tenham dinheiro nem para comprar papel. Tudo isso aumenta o estresse docente”, acrescenta.
Ensino superior no setor privado
A professora do cursos de graduação em administração e ciências contábeis da UNINABUCO - Centro Universitário Joaquim Nabuco , Simone Ventura, já somava passagens em jornais do Recife quando resolveu ingressar em uma especialização em gestão de marketing. Foi quando surgiu, junto com um convite da UNINASSAU - Centro Universitário Maurício de Nassau, a vontade de ensinar. “O que chamou a atenção da universidade no meu perfil foi minha experiência técnica. Meu diferencial foi trazer o que aprendi no mercado para a sala de aula”, crava ela, que iniciou sua carreira como professora dando aulas de radiojornalismo.
"Meu diferencial foi trazer o que aprendi no mercado para a sala de aula”, diz a hoje professora da UNINABUCO / Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
O Censo da Educação Superior de 2016 aponta que a participação de docentes com doutorado cresce tanto na rede pública quanto na privada, onde a maioria dos docentes têm mestrado. O número de especialistas, contudo, vem caindo em ambos os setores. A diretora acadêmica do Grupo Ser Educacional, Simone Bérgamo, comenta que embora as instituições da empresa priorizem a contratação de mestres e doutores, a admissão de profissionais que concluíram pelo menos uma pós-graduação latu sensu (especialização)- nível de escolaridade mínimo exigido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para a prática da docência no ensino superior- acontece quando o contratado possui boa didática ou experiência prática em sua área de atuação. “Aquele professor que veste a camisa da empresa e consegue motivar o aluno a aprender e ter prazer em entrar em contato com seu objeto de estudo sempre vai ter seu lugar reservado em qualquer unidade do grupo”, afirma.
[@#podcast#@]
De acordo com o diretor de serviços pedagógicos da Estácio, Luis Claudio Dallier, a instituição oferece cursos de especialização voltados para o próprio magistério do ensino superior, uma porta de entrada para quem deseja seguir a carreira. “É uma forma de capacitar o professor tanto para docência quanto para gestão acadêmica. Além disso, a Estácio oferece um centro de capacitação para seus docentes e colaboradores, que funciona através de cursos presenciais ou a distância”, completa.
Aprovada por 98% por cento da turma em sua estreia na UNINASSAU, segundo sua primeira avaliação regular, Simone Ventura pegou gosto pela sala de aula. Decidida a investir em sua formação, a professora tomou a decisão de deixar a universidade temporariamente para se dedicar ao projeto de mestrado em políticas e estratégias da comunicação, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “Quando terminei, recebi um convite da UNINABUCO para atuar no curso de administração. Dessa vez, meu diferencial foram as competências diversas presentes no meu currículo, que me permitiam trabalhar de empoderamento feminino a sustentabilidade”, comemora.
Embora tenha criado gosto pela pesquisa, Simone sente dificuldade de aplicar a atividade com seus alunos. “Trabalhar essa extensão em instituição privada é um grande desafio devido ao perfil dos alunos. Muitos deles trabalham o dia todo, então tento compensar isso com muito trabalho e leitura, trazendo a pesquisa para a sala de aula”, coloca. Por outro lado, Simone enaltece a paradoxal inclusão de estudantes de baixa renda no ensino superior possibilitada pela rede privada. “Aí vem o professor e coloca temas como empoderamento feminino, racismo, homofobia e posicionamento da turma vai mudando, porque o ensino é o grande diferencial na vida das pessoas. Ser professor é mais do que uma profissão, é uma missão”, conclui.