A guerra suja contra os narcotraficantes na fronteira entre Estados Unidos e México invadiu o Festival de Cannes com um filme eletrizante, com Benicio del Toro e Emily Blunt, que apresenta perguntas sobre o objetivo e os meios da luta contra as drogas.
"Sicario", do canadense Denis Villeneuve ("Incêndios", 2010), está na disputa pela Palma de Ouro e foi muito aplaudido na exibição para a imprensa em Cannes.
##RECOMENDA##
O filme é ambientado na área de fronteira de Arizona e Texas, praticamente um território sem lei.
Kate (Emily Blunt) é uma agente do FBI com princípios e ideais, mas que termina arrastada por outras circunstâncias para uma operação antidrogas clandestina no México, liderada por um agente da CIA (Josh Brolin) e um enigmático mercenário (Benicio del Toro) com motivações secretas.
O outro protagonista do filme é a fronteira, a que separa os dois países, a jurídica entre o legal e o clandestino, e a moral entre idealismo e realismo, sobre os meios utilizados para atingir um fim.
"O filme apresenta perguntas corretas, mas sem dar respostas", disse Villeneuve à imprensa.
- Movendo as fronteiras -
Os personagens vivem em um universo de fronteiras movediças. Os dois protagonistas masculinos superam sem escrúpulos os limites, sabendo que têm o apoio de Washington.
"Há uma camada de silêncio sobre o tema", criticou Villeneuve.
"A violência é horrível, mas a violência acobertada pelo silêncio é ainda pior", disse.
Kate está em conflito interno nos três dias da operação, mas o roteiro evita com inteligência cair em outro papel de 'Rambo feminina' irrealista, tão comum em várias produções recentes de Hollywood.
"É um personagem muito abalado e vulnerável", comentou Emily Blunt sobre a agente que ela interpreta, que "provavelmente vive os três piores dias de sua vida".
Villeneuve admitiu que o roteirista Taylor Sheridan teve que resistir a pressões dos produtores para transformar o papel de Kate em um personagem masculino.
Kate simboliza, de alguma forma, os ideais dos Estados Unidos, arrastados para o cenário de uma guerra suja, problema já abordado em filmes sobre o Afeganistão ou Iraque.
Em contraponto à figura de Kate, Benicio del Toro interpreta um homem obscuro, com motivações que não são reveladas para o espectador e que também são resolvidas no final.
"Fiz muitos filmes sobre esta parte do mundo e sou muito sensível ao que está acontecendo dos dois lados da fronteira", disse o ator porto-riquenho.
Apesar da ação acontecer em boa parte do lado mexicano, Villeneuve advertiu que "Sicario" "não é um filme sobre o México, é sobre os Estados Unidos".
"Todos sabemos o nível de violência que existe na região. E, na qualidade de norte-americano, tenho minha parcela de responsabilidade", afirmou o cineasta canadense.
"Sicario" tem cenas de violência explícita, perseguições, operações especiais com equipamentos de visão noturna. O suspense não dá trégua nas duas horas e um minuto de duração, mas não há excessos ou efeitos especiais em demasia.
"Gosto de simplificar as coisas e mantê-las dentro da realidade", explicou o veterano Roger Deakins, diretor de fotografia.
Os filmes de ação não são uma especialidade do Festival de Cannes, mas com o júri presidido pelos cineastas americanos Joel e Ethan Coen (de obras como "Onde os Fracos Não Têm Vez"), "Sicario" pode ser considerado um forte candidato à Palma de Ouro.