Mauro Gemaque, 37 anos, é proprietário de uma lanchonete e de uma arena de futebol no centro de Marituba, Região Metropolitana de Belém. Natural de Ananindeua, cresceu no bairro do Jaderlândia, próximo ao Hospital Metropolitano. É assim que ele começa a contar um pouco da sua história de vida. A entrevista aconteceu em uma das mesas da sua recém-inaugurada lanchonete. Com o cheiro dos hambúrgueres fritando, ele relembrava o passado.
Hoje, Mauro carrega um sorriso tímido, mas, se o tempo voltasse sete anos antes, a história seria bem diferente. Ao invés do ambiente positivo do trabalho, Mauro estaria em uma cela, com cerca de dois metros, no Centro de Recuperação de Americano 3 (CRA3), com outros três detentos.
##RECOMENDA##Para entender a história do autônomo é preciso saber que ele teve uma infância um pouco conturbada. Aos 13 anos, enfrentou a dura separação dos pais. Logo em seguida foi morar em Manaus, e quando voltou, aos 16 anos, passou a morar apenas com o pai e o irmão. Sem a presença e atenção da família, passava a maior parte do tempo na rua. E foi assim que o crime o pegou de maneira fácil, influência de más amizades. “Se tu andar com pastor, a tendência é tu ser pastor. Se tu andar com ladrão, a tendência é tu ser ladrão”, diz.
Mauro era apaixonado por armas. Comprou a primeira, depois a segunda. Conta que foi sendo envolvido pouco a pouco. Primeiramente apenas emprestava para os amigos praticarem roubos, mas depois começou a fazer o mesmo. Após perder o medo durante seu primeiro assalto e ver o alto lucro de maneira fácil, entrou de cabeça no mundo do crime. E com isso veio o vício em drogas. Na mesma época, seu irmão havia acabado de deixar a prisão, e como muitos, saiu pior do que quando entrou no cárcere. “De lá não sai uma pessoa com uma índole boa, sai uma pessoa pior. Se entra um ladrão de celular, sai um ladrão de banco”, contou.
Os irmãos se uniram em um plano, idealizado por Mauro: assaltar uma casa em Barcarena, cidade distante cerca de 114 km de Belém. Porém o esquema deu errado, e os dois foram presos. Foi um momento muito difícil, conta Mauro. A vítima o conhecia, ele tinha trabalhado em sua casa. O delegado da cidade também o reconheceu. Os dois eram amigos de infância. “Aquilo foi uma vergonha muito grande, marcou demais. Quando ele me pegou lá, ele falou assim: ‘Eu não acredito’. Foi muito forte, foi uma coisa que me atingiu muito”, relatou com tristeza.
O poder dos "chefões"
Na prisão, Mauro deparou com inúmeras regras impostas pelos próprios presos e disputa de poder. Os internos que já estão há mais tempo e têm certa proximidade com os “chefões” possuem regalias. Por exemplo, somente os seus familiares e amigos que podem entrar na cela nos dias de visitas. “Lá são várias celas, onde moram dois, três, e só um pode receber visita. Quem já tá lá há muito tempo é que tira. Muita das vezes chegava uma visita minha e ficava no corredor.”
O consumo de entorpecentes dentro das cadeias é tido como uma estratégia para lidar com as condições do cárcere, como a exposição frequente à violência, o isolamento e falta de perspectivas quanto ao futuro. “Eu entrei lá e me viciei mais”, disse.
Além de ser tornar cada vez mais dependente do vício, começou a integrar o comércio interno do tráfico, vendendo drogas dentro da cadeia. Chegou a entrar em conflito e ser ameaçado por outros internos por questões relacionadas ao tráfico. “A cadeia, ela te envolve de uma maneira que quando tu percebe tu tá no crime. Porque eu já tava vendendo droga, já tava me envolvendo cada vez mais. E envolvendo até pessoas aqui fora. Mandando gente buscar droga em tal lugar. Eu briguei várias vezes lá dentro, todos os motivos foram por causa de droga. Todos.”
Mauro sofreu ameaças quando estava envolvido no tráfico. Sua única saída para garantir a sobrevivência dentro da cadeia foi ter que se submeter à hierarquia das gangues, que lutam para controlar o tráfico de drogas na prisão. “Tinha um rapaz lá, que me viu como eu tivesse dinheiro ou cara de traficante, e ele exigiu que eu desse uma droga pra ele. Como eu não dei, quase ele me mete a faca. Lá tem muitas regras que só favorecem uns, os grandes, os que têm nome. É praticamente obrigado. A droga tá contigo 24 horas. Do teu lado tão consumindo droga. Isso vai te envolver, querendo ou não vai te envolver”, destacou.
O apoio constante da família e o sonho de voltar ao lar o motivaram a aguentar toda a aflição. “Não chorava pra pessoa ver, mas chorava por dentro. Porque aqui tava a minha família, tava meus dois filhos, e principalmente um que era adolescente, porque ele podia pegar isso pra ele e querer fazer a mesma coisa. Lá tem muita gente abandonada, mas eu não fui uma dessas pessoas. Graças a Deus, eu sempre tive o apoio da minha família. Do meu pai, da minha esposa, eu tive muito apoio deles”, disse.
A pena foi de 3 anos e 2 meses. Mauro define com uma frase a experiência vivida no cárcere: “Ali, eu costumo dizer pra muitas pessoas que é um mundo diferente. Só quem tá lá sabe. Um dia lá é um ano, você pode ter certeza”.
Vinte e nove dias depois de ter deixado a cadeia, Mauro já estava trabalhando de carteira assinada. Algo raro para a maioria dos egressos do sistema penitenciário no Brasil. Daí em diante, começou a trilhar uma história de sucesso e superação. No caso de Mauro, ele atribui a um milagre divino, devido à sua fé.
“Depois que eu saí, não foi difícil. Por que não foi difícil? Porque eu determinei dentro de mim que eu ia arrumar um emprego. Eu falei pra mim mesmo: ‘Eu sei que eu saí do cárcere, mas eu vou conseguir’. Fui atrás de emprego e coloquei currículo em várias empresas. Três me chamaram e eu escolhi uma que eu podia me encaixar. E graças a Deus foi tão rápido, que eles não me pediram antecedentes criminais. Acho que se eles soubessem, eu não ia conseguir. Eu não menti, só que também não falei nada.”
Mauro estava escrevendo uma nova história. De ex-presidiário a um empreendedor de sucesso. Ficou sete meses na empresa, e ao receber o dinheiro da indenização, cerca de três mil reais, conseguiu financiar uma moto, começou a trabalhar como mototaxista e a vender vales digitais. Guardou dinheiro, e hoje é dono de uma arena de futebol e ao lado fica sua lanchonete. Nas horas livres ainda é motorista de aplicativo.
“Ainda tem as pessoas que me olham assim com um pouco de receio, de preconceito. Mas hoje com essa lanchonete que eu abri aqui tenho visto famílias lanchando aqui, que me viram no mundo do crime, que passavam por mim e não falavam comigo por preconceito. Eu converso com as famílias, todos me tratam muito bem. Eu me sinto muito orgulhoso de conversar com essas pessoas, que antes me olhavam com outros olhos. Estão me vendo hoje e falando: ‘Égua, esse homem aí, conseguiu vencer trabalhando’.”
Por Caroline Monteiro.