Tópicos | constran

A Prefeitura de São Paulo rescindiu de vez o contrato com as construtoras Odebrecht e Constran para a construção de um complexo viário na Avenida Roberto Marinho, na zona sul da cidade, que incluía um túnel entre a área e a Rodovia dos Imigrantes. A Odebrecht havia admitido, em junho de 2018, que venceu a licitação da obra com a formação de um cartel com outras construtoras. Agora, sem fontes de recurso para viabilizar o projeto, a obra deverá continuar no papel.

A rescisão administrativa foi publicada pela gestão Bruno Covas no Diário Oficial da cidade. A obra está prevista nas intervenções da Operação Urbana Água Espraiada, que não teria recursos suficientes para executar o projeto. A operação, que se financia por meio de leilões de títulos imobiliários, não tem recursos em caixa para concluir as obras viárias e tem outras intervenções na fila, como a construção de moradias populares.

##RECOMENDA##

A rescisão resulta em um prejuízo de R$ 39,5 milhões aos cofres municipais, referente aos R$ 28 milhões pagos pela cidade à construtora corrigidos pela inflação. Esse prejuízo seria menor, de cerca de R$ 32,5 milhões, caso uma tentativa de acordo feita pelo Ministério Público Estadual tivesse sido concluída.

A confirmação da ação fraudulenta por parte da Odebrecht foi feita em meio a negociações desse acordo, em que a empreiteira concordava em devolver R$ 7 milhões à cidade e poderia manter a idoneidade - requisito para poder ser contratada pelo poder público em outras obras. O acordo havia sido firmado em junho de 2018 com seis promotores da Promotoria do Patrimônio Público e Social da capital, mas terminou por não ser homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Sem o acordo, o contrato firmado em 2011, na gestão Gilberto Kassab (PSD), ainda estava vigente, embora estivesse suspenso. Assinado por R$ 1,98 bilhão, em valores da época, a obra tinha quatro lotes (R$ 3,12 bilhões em valores de hoje). O túnel, de 2,4 quilômetros, estava no lote 2, de R$ 503 milhões (R$ 810 milhões, em valores atualizados).

A Prefeitura chegou a pagar os R$ 28 milhões da época para a instalação e manutenção dos canteiros de obra do túnel, que não começou, e executou obras em outros lotes. Em 2013, a gestão Fernando Haddad (PT) suspendeu o contrato, alegando falta de recursos.

Já em 2016, no auge da Operação Lava Jato, quando Odebrecht e outras construtoras delataram esquema de caixa dois para a campanha do petista, Haddad mudou a versão e disse que as obras haviam sido paralisadas por "indícios de superfaturamento".

Ao ser denunciado, em 2018, por corrupção passiva, com base em uma delação da construtora UTC, o ex-prefeito negou as denúncias e afirmou que havia agido contra os interesses das construtoras que supostamente teriam feito pagamentos ilegais, argumento aceito pela Justiça, que arquivou o processo por falta de provas.

Os delatores da Odebrecht afirmaram ao MP paulista que o cartel formado na gestão Kassab tinha 11 empresas e atuou para obter contratos que somaram R$ 4 bilhões (ou R$ 6,3 bilhões em valores corrigidos pela inflação). O esquema teria sido organizado pelo engenheiro Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da estatal Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), condenado pela Lava Jato como operador do PSDB. Ele e o ex-secretário municipal de Infraestrutura, e braço direito de Kassab, Elton Santa Fé Zacarias, ficariam com 5% dos valores pagos. Kassab, Souza e Zacarias negaram todas as acusações.

No caso do túnel, a Odebrecht teria feito lances para outros lotes em acordo com as demais empreiteiras, de forma a simular uma competição em que, na verdade, o resultado estava combinado. O setor jurídico da empreiteira e os promotores assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Entretanto, como o acordo não foi homologado pelo Conselho Superior do MP, as provas trazidas pela empresa para processo contra os demais citados não puderam ser usadas, e a multa estabelecida à Odebrecht não foi paga à Prefeitura, que não recuperou os R$ 7 milhões previstos.

O conselho decidiu por não homologar o acordo ao questionar o valor pago, considerando que ele representava 25% do que a empresa havia recebido, e a possibilidade de a Odebrecht retomar o contrato. Com a não homologação, a Prefeitura se retirou do acordo em março do ano passado, já na gestão Bruno Covas (PSDB).

A Odebrecht foi procurada, mas não quis comentar o assunto. A Prefeitura confirmou as informações, mas ainda estuda como financiar a retomada do projeto.

Três anos depois de deflagrada a primeira etapa da Operação Lava Jato, em março de 2014, as empreiteiras envolvidas encontram cada vez mais dificuldades para se manter de pé. Mesmo com cortes radicais na estrutura para se adequar à nova realidade de receitas, as empresas não conseguem reagir, atropeladas pela grave crise na imagem e pela recessão econômica.

Algumas decidiram "hibernar" os negócios até que o cenário melhore. Isso significa desativar praticamente toda a área de construção. Outras estão em recuperação judicial, sem muitas perspectivas de sair. E há ainda aquelas que decidiram focar os negócios em países distantes.

##RECOMENDA##

Enfrentam essa situação construtoras que até o início da Lava Jato estavam entre as 15 maiores empresas do setor, como Carioca, Mendes Júnior, Galvão Engenharia, Constran (UTC) e OAS.

As quatro maiores da construção - Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão - também estão com grandes dificuldades para se recuperar, mas ainda têm gordura para queimar e um pouco mais de obras para concluir.

Na maioria das construtoras, porém, a carteira de projetos se deteriorou rapidamente no último ano e deve continuar assim em 2017. Segundo relatório da agência de classificação de risco Fitch Rating, conforme executam os melhores projetos, as empreiteiras ficam com outros que estão com pagamentos atrasados ou em ritmo lento. Isso enfraquece as expectativas de fluxo de caixa e de recuperação.

A Carioca Christiani-Nielsen, por exemplo, viu sua carteira de obras praticamente desaparecer de 2014 pra cá. Só no primeiro ano sob o efeito da Lava Jato a empresa perdeu 22% das receitas. No ano passado, a situação piorou, com a recessão econômica e a crise no Rio. Fontes ligadas ao grupo afirmam que a empreiteira praticamente fechou a construtora até que as condições melhorem. Ou seja, está tocando apenas as obras contratadas, e com poucos funcionários.

No fim do ano passado, o grupo demitiu o presidente da construtora e todos os diretores. Em atividade desde 1947 - quando começou a atuar no subúrbio do Rio em obras de urbanização -, a empresa foi fundada por Ricardo Backheuser e estava sendo tocada pelo filho Ricardo Pernambuco. Envolvido na Lava Jato, ele foi afastado do grupo, que agora é comandado pelo irmão Eduardo Backheuser. Com a situação financeira delicada, o grupo, que tem concessões rodoviárias e de saneamento, colocou ativos à venda para reforçar o caixa, afirmam fontes.

Em nota, a companhia afirmou que tem procurado, ao longo dos últimos anos, adequar-se a uma nova realidade de mercado. Mas que isso não significa, até o momento, "a decisão de abandonar qualquer área de atividade ou alienação de quaisquer ativos".

Desmonte. Situação semelhante vive a Constran, do grupo UTC. No início deste ano, o presidente João Santana, que trabalhou durante sete anos na empresa, deixou o cargo. Dos proejtos que a construtora mantinha em carteira, os maiores estão com problemas, a exemplo da Linha 6 do Metrô de São Paulo, cujas obras estão suspensas por desequilíbrio no contrato.

De 2014 para 2015, as receitas da construtora caíram pela metade, de R$ 1,3 bilhão para R$ 758 milhões, segundo dados do ranking da revista O Empreiteiro. Esses números, no entanto, se deterioraram drasticamente no ano passado, afirmam fontes do setor. Em todo o grupo, mais de 20 mil trabalhadores foram demitidos desde 2013 - ou seja, corte de 74% do quadro de funcionários.

Na construtora, houve um desmonte. Ficaram apenas algumas pessoas para resolver contratos ainda em andamento, segundo fontes do setor. Antes da Lava Jato revelar o maior escândalo de corrupção do País, a Constran vinha subindo rapidamente no ranking de construtores. De 2013 para 2014, ganhou quatro posições e alcançou a 13.ª posição. No ano seguinte, no entanto, já havia caído para a 18.ª colocação. Procurada, a empresa não quis comentar o assunto.

Outra construtora que teve rápida ascensão no setor foi a Galvão Engenharia, que até 2014 era a 5.ª maior empreiteira do País, com faturamento de R$ 3,8 bilhões. Em 2015, a empresa entrou em recuperação judicial e, desde então, vem minguando dia após dia. A construtora tem poucas obras em andamento, e que estão sendo concluídas. Fontes próximas à empresa afirmam que se trata de contratos pequenos, como a reurbanização de favelas, cuja execução tem sido muito lenta. Para não configurar abandono de obras, a empresa mantém apenas uns poucos funcionários no local, disse um ex-funcionário.

A empreiteira ainda tem outro imbróglio para resolver: a concessão da BR-153, cujas obras estão paradas. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) havia decidido retomar a concessão. Mas, nos últimos dias, um novo investidor se mostrou interessado na concessão e teria feito uma proposta, afirmou uma fonte do setor. O dinheiro seria usado para honrar os compromissos dentro da recuperação judicial. "O problema é que não há novas obras para tocar. Assim, fica difícil se recuperar", disse outra fonte ligada à empresa.

De acordo com o relatório da Fitch, apesar do esforço do governo de realizar novos leilões de concessão, pouco se espera para 2017 em termos de projetos. Isso significa que será mais um ano de consumo das carteiras de obras. Segundo especialistas, o grande problema é que as empresas não podem deixar suas carteiras ficarem zeradas. Se não, a recuperação fica quase impossível.

"Uma empreiteira é como um escritório de advocacia. O que vale é o acervo técnico, as certificações para fazer obra. Se não conseguem novos projetos, sobra pouco para fazer", disse um advogado que representa várias empresas de construção. Foi com base nesse acervo que a mineira Mendes Júnior vinha se recuperando de uma crise que quase fez a construtora falir na década de 90. Com o bom momento da economia brasileira, a empreiteira pegou carona no aumento dos investimentos em infraestrutura e conseguiu uma série de contratos.

Mas, com a Lava Jato, a empresa foi a primeira a ser considerada inidônea. Além de não poder participar de novas licitações públicas, a credibilidade ficou comprometida também com a iniciativa privada. Como dizem no mercado, a empresa "hibernou" à espera de uma melhora econômica. Em recuperação judicial desde o ano passado, cerca de 1,7 mil funcionários demitidos há mais de um ano reclamam de não ter recebido seus direitos até hoje. A empresa não tem conseguido nem entregar os balancetes mensais exigidos na recuperação judicial.

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando