A chegada da pandemia do novo coronavírus trouxe para a sociedade brasileira um novo hábito: o uso de máscaras individuais. Esses equipamentos são uma das formas mais eficazes de proteção contra o vírus, porém, nem todos têm fácil acesso a eles, a exemplo de moradores de comunidades carentes e pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Em Olinda, a comunidade Xambá, do quilombo urbano do Portão do Gelo, driblou essa dificuldade com a ajuda do projeto Máscara para Proteção - Unidos Contra Covid-19, idealizado pelos irmãos grafiteiros de São Paulo, Gustavo e Otávio Pandolfo, mais conhecidos como Os Gêmeos. O projeto tem distribuído máscaras com uma estampa exclusiva, criada pelos artistas, por todo o país de forma gratuita, e a comunidade olindense foi o primeiro lugar em Pernambuco contemplado pela ação.
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Guitinho da Xambá, coordenador do Centro Cultural Grupo Bongar e membro do Coordenador do Centro Cultural Grupo Bongar e membro do Quilombo do Portão do Gelo da Nação Xambá foi quem soube do projeto através da televisão e procurou meios de trazê-lo para sua comunidade. Através do músico pernambucano Siba, que já desenvolveu trabalhos com Os Gêmeos, Guitinho conseguiu chegar até eles. A comunidade recebeu três mil máscaras que já estão sendo distribuídas entre seus moradores.
Guitinho da Xambá, coordenador do Centro Cultural Grupo Bongar. Foto: Arhur Souza/LeiaJáImagens
Apesar de não ter vivenciado nenhum caso de Covid-19, a comunidade de Xambá vem sofrendo com reflexos do coronavírus. “A Pandemia veio escancarar o que já existia. A gente sempre teve dificuldades, como uma comunidade periférica, na questão sanitária. Antes da pandemia eu sentei com o prefeito e tinha dado um alerta a ele pela questão do Rio beberibe, aí eles vieram e dragaram o rio mas aprece que eu tava adivinhando, depois de 15 dias deu uma chuva braba que inundou tudo. E agora caíram na real, pra poder a gente ter o mínimo de saneamento básico na comunidade. Nesse momento, as máscaras são fundamentais, até porque a gente não sabe até quando vai ficar usando elas.”, diz Guitinho.
O coordenador do centro Cultural Bongar conta que, a princípio, a comunidade - assim como tantas pessoas ao redor do país - desconfiou um pouco do real perigo do coronavírus mas, com o passar do tempo e a chegada das notícias de altos números de casos e mortos, o “medo” foi batendo. “A gente tem um núcleo religioso, às vezes as pessoas acreditam tanto nas divindades e esquecem de se proteger. ‘Meu santo, meu orixá protege, aqui a gente tem fé’ (dizem), mas a gente foi vendo a coisa crescendo aí eu acho que houve uma aceitação e as pessoa começaram a aderir (no uso da máscara e álcool em gel). Guitinho acredita que a chegada das máscaras personalizadas pelos Gêmeos vai aumentar ainda mais a vontade da comunidade em se proteger. “A onda é de ser uma máscara grafitada, vindo de uma figura que muitos deles os tem como referência, então é bacana”.
Além do projeto com Os Gêmeos, a comunidade de Xambá tem contado com a solidariedade de outras pessoas. Como o Consórcio Grande Recife e o mùsico Jerimum de Olinda, que ajudaram com doações também de máscaras e de cestas básicas. Daqui pra frente, os planos são realizar oficinas e apresentações online, para recuperar a renda perdida pelos moradores do Portão do Gelo. Além disso, também é feito um passeio virtual pelo quilombo urbano e estão programadas oficinas com os músicos do grupo jovem Pirão Bateu. “São formas que a gente encontrou pra poder gerar a renda que foi perdida”, diz Guitinho.
Nena, Carmelita, Glória Maria e Maria do Carmo, senhoras yabás da Xambá. Foto: Arthur Souza/LeiaJáImagens
Arte como ferramenta de prevenção
Ícones do grafite nacional, e reconhecidos em todo o mundo por seu trabalho, os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos artisticamente como Os Gêmeos, estavam montando uma exposição na Pinacoteca de São Paulo, em março deste ano, quando foram surpreendidos pela chegada da pandemia. “A gente teve que parar, ir pra casa e ficar em quarentena. Em contato com a Pinacoteca, com o Yohan, o diretor, e o Paulo, a gente teve essa ideia de fazer as máscaras para não ficarmos parados e continuarmos com algum projeto na área social”, disseram em entrevista exclusiva ao LeiaJá.
Para o projeto, os artistas conseguiram o apoio da própria Pinacoteca, da indústria têxtil Rosset - que se responsabilizou pela a produção e confecção, além da impressão da estampa -, e com a Gol Linhas Aéreas, que tem feito o transporte das peças para o Norte e Nordeste do Brasil. Ao todo, foram produzidas 100 mil máscaras que começaram a ser distribuídas na Amazônia, em comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. “Foi nosso foco maior. Porque a gente sabe que os recursos dificilmente chegam nesses lugares, são desviados realmente, então a gente quis fazer pensando neles. Temos amigos e ONGs que nos ajudaram a chegar nessas pessoas”. Os Gêmeos também têm atuado em outros projetos sociais durante a pandemia, como alguns de distribuição de alimentos.
Os Gêmeos são internaiconalmente conhecidos por seu grafite. Nesta pandemia, eles têm usado sua arte para projetos sociais. Foto: Reprodução/Facebook
A estampa criada para as máscaras levou em conta a própria população brasileira, além de trazer com ela uma homenagem bastante simbólica. “A gente desenhou esse projeto pensando nas famílias, nas pessoas que tem que se proteger, nessa diferença de etnias e raças que é o Brasil, então a gente quis realmente colocar várias pessoas desenhadas nas máscaras que representam mesmo as comunidades. A gente tem uma ênfase, um detalhe na máscara que são dois enfermeiros logo na frente com forma de homenagear essas pessoas que estão na linha de frente cuidando dessas pessoas doentes, a gente quis homenagear os enfermeiros e enfermeiras.” O retorno tem sido muito satisfatório e aqueles que têm sido ajudados pelo projeto estão bem mais que protegidos. “A gente tem recebido vários feedbacks muito bonitos de ver. As pessoas ficam felizes de receber a máscara e poder usar uma coisa diferenciada”.
Mas, além de ajudar várias pessoas em situação de vulnerabilidade a se protegerem do coronavírus, nessa ação social, as máscaras podem conseguir muito mais do que sua função protetiva. Elas trazem com elas, junto com as várias carinhas estampadas, a capacidade de provar que a arte pode ter ação determinante no desenvolvimento de uma sociedade. “A arte tem o poder de transformar, o lúdico tem o poder de transformar e a ideia de juntar esse projeto, junto a esses parceiros todos, que somaram com a gente acho que é essa energia positiva e esse universo lúdico que a gente criou junto. Isso traz um sorriso e um pouco de esperança num momento tão escuro que a gente tá passando. É um projeto pequeno, mas é um pouquinho que a gente tá fazendo e fica feliz de fazer e de ver os outros felizes”.