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Chegada a 118ª edição da festa de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Recife, o momento também se torna propício para esquentar o comércio ao longo do Morro da Conceição, na Zona Norte da cidade. Apesar do registro de comércio formal e informal não ser exclusivo aos moradores do morro, a maior parte dos comerciantes registrados na Diretoria Executiva de Controle Urbano do Recife (Dircon) para o trabalho durante o período de celebração são moradores do local.
##RECOMENDA##Tradicionalmente, a festa da Imaculada dura 10 dias e este ano, vai de 28 de novembro, Dia da Bandeira, a 8 de dezembro, dia da celebração. O novo tema é “Com a Imaculada Conceição do Morro, caminhar juntos: em Comunhão, Participação e Missão”.
Este é o segundo ano de festa desde o cancelamento em 2020, quando a pandemia da Covid-19 enfrentava seus primeiros picos, ainda na ausência de vacinas. Em 2021, a procissão foi realizada com diversos requisitos de proteção e, em 2022, pela primeira vez, as atividades ao ar livre podem concentrar mais pessoas e serem feitas de forma mais relaxada, ainda que o coronavírus tenha surgido, novamente, de forma mais forte em Pernambuco.
A expectativa dos comerciantes do Morro da Conceição, porém, não foi correspondida este ano. De acordo com vendedores ouvidos pelo LeiaJá, apesar do Santuário esperar um público maior, o movimento nas ruas tem sido baixo e até mesmo a véspera da festa, nessa quarta-feira (7), deixou a desejar. Segundo os trabalhadores, 2022 repete a tendência das últimas edições, de 2019 até agora.
Pouco lucro
Para poder vender nas barracas ao redor do santuário, o comerciante precisa buscar a Dircon dentro do prazo de registro e pagar a taxa de R$ 114 por metro quadrado que a venda ocupa. O valor cobre todos os dias da celebração. Além disso, o consumo de energia também fica por conta do vendedor. Como a maior parte dos produtos vendidos ali são alugados por sistema de comissão ou comprado de terceiros, é preciso prestar contas após a festa e nem sempre o retorno compensa.
"No dia da bandeira [28 de novembro] eu não vendi nada, mas foi também porque eu não estava com a barraca montada, não chamou atenção. Mas não estou tirando nada, se a gente apurou cem 'conto' [sic], foi muito. No dia mesmo apuramos um trocado, mas quando faz as contas do que a gente tem que pagar de volta, fica nada. Isso aí que a gente vende é dos outros. Está tudo caro, a comida já não é mais o mesmo preço, aí a gente não ganha. Está tudo fraco esse ano, o Dia da Bandeira nem parecia que era o dia, não tinha gente, passou por aqui que 'nem bala' pegava. Espero que dê tudo certo, pra gente pagar ao menos o nosso prejuízo”, disse dona Lúcia de França, de 58 anos.
Lúcia é moradora do morro e barraqueira há 50 anos, ou seja, trabalhava ao lado da família desde pequena e se tornou uma figura tradicional no comércio da festa. A comerciante vende velas, camisas, fitas e escapulários, mas só abre a barraca no período de celebração. Sem trabalho formal, disse que costuma depender da assistência social, pois não possui mais saúde para trabalhar. Como o ritmo de vendas na barraca é intenso, já que a festa entra para a madrugada, Lúcia conta com a ajuda da prima, Thelma dos Santos, de 48 anos, para revezar os turnos.
“A gente não dorme nessa madrugada da festa. Viramos a noite, ficamos debaixo do sol forte, nossas mercadorias também levam chuva. A tenda que eles exigem que a gente coloque também é a gente que compra, custa R$ 600. Até o fim do dia os 'negócios' vão até pela metade do preço. Tudo fica mais barato”, disse Thelma, que é ambulante.
Dona Lúcia, que é devota de Nossa Senhora, diz que só continua participando da festa pela devoção e porque já é tradicional à sua família, mas que em 2023 provavelmente não retornará ao comércio do morro.
"Eu trabalho na igreja todo ano. Só não trabalhei esse ano, porque por questões de saúde, o padre me pediu para repousar. Já pedi muitas graças à Nossa Senhora, ela me deu [sucesso] na cirurgia, que foi um problema na vesícula. Foi tudo pra mim. Fiquei na UTI do hospital, sozinha, por quatro dias no Otávio de Freitas. Não podia entrar ninguém por causa da Covid-19. Quem me deu a benção foi ela. Primeiramente Deus, depois ela"”, conclui a trabalhadora.
Janaína Barbosa, comerciante. Foto: João Velozo/LeiaJá Imagens
Negócio de família
“Quando eu estava grávida, fiz uma promessa para Nossa Senhora, pedindo coisas boas para a minha filha. Agora ela tem três anos e ainda estou pagando minha promessa. Todo mundo na minha família é devoto e todo mundo é barraqueiro. Esse ano não vou conseguir vivenciar muito o momento, porque estou aqui na barraca, mas quando eu puder, vou. Sou católica e vou permanecer católica até que Deus toque meu coração para algum outro sentido. Ter sido criada aqui no morro me influenciou, eu sinto, mas é o que serei eternamente”, disse Ivete, uma jovem vendedora que cuida da barraca da mãe.
Ivete Barbosa, de 29 anos, é outra moradora do Morro da Conceição que se tornou figura frequente na festa através de uma tradição de família. A barraca é da mãe, Lindinalva, que é barraqueira há mais de 30 anos, desde antes do nascimento da primeira filha. A venda, por ser temporária, não é a principal fonte de renda da família, mas tem ajudado a suprir as despesas. Novamente, o desempenho foi considerado baixo e mãe e filha agora tentam medir o prejuízo.
"Nessa véspera a gente esperava mais movimento, por não ter tido uma festa tão aberta durante a pandemia, mas o comércio do morro caiu e não é mais o mesmo. Dá para cobrir as despesas, mas do jeito que a gente esperava, não. Desde o dia 28, está bem aquém, mas é normal que fique mais intenso com a proximidade da festa. Sai muita coisa mais barata ou mais tradicional, como os calendários e as imagens de gesso. A gente tenta segurar o preço e estabilizar o que já gastamos, porque se diminuirmos o preço antes, só dá prejuízo. No fim da festa mesmo, todo mundo quer fazer o que custa R$ 10 sair por R$ 5. A gente tenta fazer pelo menos 70%, porque pela metade não dá”, completou Ivete.
A barraca de Ivete fica ao lado da de Janaína Barbosa, uma amiga de infância. Ela tem 32 anos e é agente de saúde. De férias, está aproveitando o tempo livre para cuidar da barraca da tia, Maria Eunice, que tem o negócio há cerca de 40 anos. Janaína é do candomblé, religião afrobrasileira, e contou um pouco da história da sua devoção. Segundo ela, é comum que fiéis de religiões de matriz africana se unam à festa. Apesar do preconceito, no geral, todos são acolhidos e a figura da Imaculada faz sentido para grupos diversos.
"A fé é tudo. Se eu não tiver fé, não tenho nada. Lembro de quando eu era pequena, essa igreja [o santuário] ainda era pequena, de 'tijolinho', tinha muro de barro. Eu vivia subindo as escadas durante a festa do morro, a gente ficava bem perto da imagem mesmo. Era bem mais tradicional, mas mudou muito, ficou mais moderna. Toda a minha família é religiosa, mas há um equilíbrio. Tem os evangélicos, os católicos, e os do candomblé. Eu sou do candomblé. Alguns não gostam, mas aqui, com os católicos, não há muito preconceito", disse.
Perguntada se já teve alguma graça alcançada, Janaína compartilhou uma promessa que pagou por oito anos, também associada à gestação: "Na minha gravidez, tive uma complicação no parto. Quase que Deus guardava o meu filho. Na hora, gritei para Deus e Nossa Senhora, fiz uma promessa e ela me deu a graça. Prometi subir o morro com meu filho vestido de anjinho, durante oito anos. A promessa terminou no ano passado".
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