Cássia Kis deu uma entrevista esclarecedora à revista Marie Claire. No bate-papo publicado nesta terça-feira, dia 29, a atriz falou sobre a possibilidade de adotar uma criança ou de abrir uma creche, afirmando que um dos temas que mais a preocupa hoje em dia é o aborto. Neste momento, Cássia, de 63 anos de idade, relembrou o aborto que fez aos 30 anos.
- Hoje, se pudesse, abriria creche. Gosto da ideia de que somos mães, várias mães. O tema que mais me preocupa hoje é o aborto. [...] Quando olho para trás, uma das coisas que teria corrigido seria um aborto que fiz em 1985. Por mais que eu tenha me inclinado diante desse problema, pedido perdão, lamentado, às vezes faço as contas e vejo quantos anos esse filho teria, se eu seria avó. Quando sei de um aborto, me dói. Sou a favor da vida em qualquer situação.
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A artista ainda revelou que, infelizmente, já foi vítima do assédio sexual.
- Sofri assédio sexual quando tinha 11 anos [de idade]. Venho de uma família muito pobre, em que não se ia ao médico, quiçá dentista. Mas minha mãe me levou ao dentista porque perdi um dente por cárie. Entrei sozinha no consultório e me lembro desse homem esfregar o pênis no meu braço. É assustador. Fiquei anos sem ir ao dentista, nem sabia que tinha um trauma. E isso se repetiu na vida adulta mais duas vezes, uma delas nesta década, de outro jeito. E não consegui reagir. Vivi três episódios de assédio sexual com dentista. E sofri abuso psicológico, que é horrível. Viver um relacionamento no qual a pessoa vai minando sua moral, destruindo sua personalidade. Você perde referências de valores, não acredita mais em você, é quase levada à morte. O outro te mata sem usar arma. Demora para se recuperar, para você se amar. Se não fosse minha profissão, provavelmente não estivesse viva.
Cássia também refletiu sobre o movimento de explorar a sexualidade depois dos 60 anos de idade - e confessou que não sente mais vontade de ter relações sexuais.
- Conheço mulheres atentas à reposição hormonal para poder estar em dia, mas eu não quero isso. Quero estar em dia com outra coisa. Meu corpo tá descendo a ladeira. Estou envelhecendo e gostando de ver. Sou uma mulher com 450 mil rugas. Não tenho concorrente. Minhas referências como atriz são, no Brasil, madame Fernanda [Montenegro], e as inglesas Judi Dench e Maggie Smith, porque elas estão preocupadas com a consciência, com as relações, com a qualidade do trabalho. Não tenho a menor necessidade de aparecer nua na frente de homem. Imagine que vou ficar escondendo isso, aquilo, para que correr esse risco? Não significa que não esteja cuidando de mim. Me masturbo com menos frequência do que há 30 anos, hoje uma vez a cada três meses. Às vezes você está num relacionamento, não tem vontade de transar, e quando vê está abrindo as pernas para o seu macho. Isso já é violento. Essa é uma das razões que fazem com que eu esteja sozinha. Não estou mais a fim de transar, não quero. É maravilhoso esse lugar de falar não. Não preciso ter dor de cabeça. Queria poder viver um relacionamento com um homem em que esse encontro sexual acontecesse num lugar que não é do desejo. Tenho desejo? Se vejo uma cena sensual, me dá tesão, minha libido ainda existe. Mas só.
Ainda sobre corpo, a atriz ponderou sobre a pressão em realizar intervenções estéticas.
- Já me falaram para fazer plástica, mas nunca me senti pressionada a ponto de querer fazer. Se você enfia botox aqui, ali, melhora, mas... aí eu não vou ficar assim [aponta as marcas de expressão]. Uma vez, fui a uma dermatologista e disse que queria uma pele mais fina. Ela então passou algo no meu rosto, achei que fosse um creme, mas era uma anestesia. Quando percebi, ela estava atrás de mim com uma agulha [para aplicar botox]. E aí foi um drama. Agora, me dou conta de que foi um assédio. Fiz a peça Meu Quintal É Maior que o Mundo, inspirada em texto de Manoel de Barros, e interpreto um menino, pulo amarelinha, corro. As pessoas me perguntavam como fazia aquilo. Eu não tenho 200 anos, tenho 60! E me cuido. Não vou pra academia puxar barra, não estou cheia de músculos, mas está tudo vivo aqui.
Saudosista, Cássia revelou como recebeu a notícia do remake da novela Pantanal.
- Em 1988, fiz Vale Tudo, tinha matado Odete Roitman. Quando terminou a novela, eu estava sem contrato com a Globo, e me chamaram para Pantanal [na extinta TV Manchete]. Fiz uma personagem linda de morrer, a Maria Marruá. Vivenciei coisas incríveis lá, gravei cenas no rio cheio de piranhas, jacarés. A novela marcou um novo momento da história da telenovela, dando de presente ao público um respirar, um contemplar a natureza. E foi quando a Globo levou um susto grande da sua concorrente, porque a novela foi um sucesso gigante. Espero agora nesse remake fazer uma participação. Pode ser abrindo uma porta que vou ficar satisfeita. Vai ser lindo, a Globo vai arrebentar. Ah, como queria ser jovem para fazer uma novela assim.
Atualmente, a artista está no elenco da série Desalma, que estreia dia 22 de outubro no Globoplay.
- Minha personagem é uma mulher sozinha, que vive na floresta. Em 1988, a filha dela desaparece numa festa de Ivana Kupala [cerimônia milenar ucraniana]. Trinta anos depois, decidem realizar novamente a festa e coisas começam a acontecer. A série é uma oportunidade para debater vida e morte. Perdi minha mãe há três semanas. É difícil perder uma mãe, não tem ensaio para isso. Todos nós só existimos porque temos uma mãe. [...] Com o confinamento, temos a oportunidade de refletir sobre a morte. Está claro, para mim, que tudo diante dos meus olhos tem finitude. Mas o que morre é nosso corpo, que fica cansado. No budismo você nasce, cresce, envelhece, adoece e morre. Isso aqui é uma passagem.
Embora a personagem da estrela seja uma bruxa, Cássia se considera uma grande seguidora de Jesus Cristo.
- Meu pai era húngaro. A Transilvânia, lugar das bruxas, fazia parte da Hungria. Tenho uma espiritualidade grande. Sempre gostei de mergulhar dentro de mim. Não estou na rede social, mas buscando ouvir pessoas que me acrescentem. Eu não vim ao mundo para passear. Olho para trás e vejo uma vida de muita luta. Estou enfiada em casa, sem empregada, e cuido de tudo. Podo até árvore. Nunca fui tão mãe. Estou focada e alimentando minha espiritualidade. Mais do que nunca, preciso me preparar para uma passagem, para a morte, não é? Se eu for contaminada, posso morrer e quero estar pronta. E posso te dizer que estou pronta para morrer. Mas não queria que fosse agora, porque meu filho mais novo ainda tem 16 anos, e estou vivendo um momento esplêndido com eles. [...] Se você me perguntar qual o meu desejo mais ardente, te digo: me encontrar com Jesus. Meu amor por Jesus sempre foi gigante. Mas, para chegar até ele, preciso ter a experiência do amor dele por nós. E não tenho a prática da bondade. Por mais que tenha visto minha mãe, Piedade, numa vida tão pobre... A gente morava num cortiço em São Caetano do Sul (SP) e, quando aparecia alguém pedindo comida, a gente tinha tão pouco e mesmo assim ela repartia. Ainda faço muito pouco.
Ela também foi sincera sobre sua experiência com a depressão e o transtorno bipolar.
- Tenho algumas certezas: é difícil a gente adoecer sozinha. Tem sempre algo do lado que alimenta isso. Precisamos vigiar as pessoas com quem nos relacionamos, os ambientes. Passei sete anos tomando três medicamentos. Fui a um psiquiatra já dizendo que eu era bipolar, porque conheci uma pessoa que me chamava de bipolar, e pensava que alguma coisa estava errada. Precisava resgatar o cuidado comigo e comecei a ouvir, a me relacionar com quem significava saúde. E fui tirando os medicamentos devagar. Busquei ajuda em outras terapias, autocontrole, budismo, com a vida de Jesus. Lá se vão cinco anos sem medicamento. É uma conquista.
E deu a sua opinião sobre este período de isolamento social.
- Tenho mudado a cada passo, estou mais consciente. Há coisas que estou deixando ir, amores, amizades. Não estou desesperada querendo trazer algo de volta. Preciso correr atrás de sabedoria, de me relacionar melhor com o outro, compreender o que se passa em minhas relações, no mundo. Venho de cinco casamentos, e estou sozinha aos 63 anos. Não há culpados. O que há é uma trajetória de erros. Tem muita coisa que gostaria de poder corrigir. A pandemia está me fazendo uma pessoa melhor. [...] Muitos não vão aprender nada. A quantidade de pessoas que faz coisas sem uma gota de consciência, sem pensar no todo, é assustadora. Temos uma oportunidade para melhorar, mas não é para todos. Sabemos que o Brasil precisa de educação de qualidade. Mas o que a gente faz? Como nos movemos? Moro numa casa de 900 metros quadrados na Barra da Tijuca, pego meu Land Rover, ligo o ar-condicionado, boto meu filho de 16 numa escola de classe média alta e no caminho vejo crianças pedindo dinheiro. Seguimos de olhos fechados.
Por fim, a atriz revelou se faria uso de alguma droga atualmente. No passado, Cássia já admitiu ter sido usuária de maconha e cogumelo, quando mais jovem.
- Faria uso se tivesse certeza de algum benefício hoje. E não estou sentindo necessidade alguma. Mas você ir aos Estados Unidos e saber que pode entrar numa farmácia e comprar maconha é muito interessante. Quanta gente poderia ter acesso lícito a uma droga, e aí me limito à maconha, porque eu conheço, fui de uma geração, de 77, em que se fumava maconha. Hoje não é fumar maconha, é fumar uma droga.