Durante anos, os médicos tiveram acesso a mapas confiáveis do corpo e seus órgãos - circulação sanguínea, sistema digestivo, nervos e similares -, mas sempre com uma frustrante zona cinzenta: o cérebro.
Nesta quarta-feira, uma equipe de neurocientistas, especialistas em computação e engenheiros disseram ter compilado o que "poderia ser o mapa mais preciso até o momento" do espaço misterioso que há entre os nossos ouvidos.
Os pesquisadores descobriram cerca de 100 regiões, não reportadas anteriormente, da camada exterior enrugada do órgão - chamada de córtex cerebral ou massa cinzenta.
"Estes novos conhecimentos e ferramentas devem ajudar a explicar como nosso córtex evoluiu e os papéis das suas áreas especializadas em saúde e doença", disse Bruce Cuthbert, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, que cofinanciaram a pesquisa, publicada na revista Nature.
Um dia, eles podem permitir "uma precisão sem precedentes em cirurgias cerebrais", acrescentou.
Por mais de um século, inicialmente usando nada além de conjeturas, os cientistas procuraram delinear as diferentes áreas do cérebro e suas funções.
Em 1800, os chamados "frenologistas" dividiram o órgão em seções que controlam certos sentidos e traços de caráter.
A região responsável pelo "espírito combativo" (destructiveness), por exemplo, pairava em algum lugar acima da orelha, enquanto a área relativa ao "amor paternal" ficava na parte de trás da cabeça, e a da "esperança", no topo.
Esta teoria hoje extinta se tornou desacreditada com o surgimento da dissecação e de outros métodos de análise científica.
Como a astronomia
Em 1909, o neurologista alemão Korbinian Brodmann publicou o que é talvez o mais conhecido mapa do cérebro, baseado na descoberta de que diferentes regiões são constituídas por diferentes tipos de células.
O mapa de Brodmann, que dividiu o córtex cerebral em algumas dúzias de áreas, ainda é utilizado hoje.
Já se sabe há algum tempo aproximadamente quais regiões controlam os movimentos voluntários musculares, a linguagem, a visão, o som e os aspectos da personalidade, por exemplo.
Mas os cientistas ainda discordam sobre quantas regiões do cérebro existem - e mais ainda sobre o que cada uma delas faz.
Antes do novo mapa, havia 83 áreas conhecidas em cada metade do cérebro - um número que agora aumentou para 180, segundo a equipe de pesquisadores.
A descoberta foi possível graças à combinação de dados de diferentes métodos de registro de imagens usados para estudar os cérebros de 210 adultos.
Os pesquisadores então testaram seu novo software em um outro grupo de 210 adultos, e descobriram que ele era capaz de identificar com precisão as regiões mapeadas nos cérebros deles também, apesar da variabilidade individual.
"A situação é análoga à astronomia, onde telescópios terrestres produziram imagens relativamente borradas do céu antes do advento da óptica adaptativa e dos telescópios espaciais", disse o autor do estudo Matthew Glasser, da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington no Missouri.
Um vídeo sobre a pesquisa pode ser visto no link https://www.youtube.com/watch?v=UHDfvfYCY0U