A casa de Wallace Martins, de 17 anos, tem uma decoração interna bem diferente em comparação aos demais vizinhos da Brasilândia, zona norte de São Paulo. No meio de moradias simples da região, a sala da residência do garoto tem um adereço muito inusitado. Junto com a televisão e o sofá, um kart mostra que mesmo na periferia há um jovem com vontade de se tornar piloto e de honrar o imponente apelido que ganhou no automobilismo paulista: "Hamilton da Favela".
A semelhança física com o maior vencedor da história da Fórmula 1 e os bons resultados fazem Wallace ser o piloto mais conhecido da Fórmula Vee, categoria criada nos anos 1960 pelos irmãos Fittipaldi. O campeonato se tornou a opção do garoto da Brasilândia por ser de baixo custo para os padrões do automobilismo. Disputar a temporada completa sairia cerca de R$ 70 mil entre aluguel do carro, inscrições para corridas e taxa de filiação. Sem condições de arcar com a despesa, o piloto conta com doações dos próprios adversários para correr.
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"Se os outros pilotos não me ajudassem a pagar, eu não teria como disputar. Minha família faz vaquinha para me ajudar. Cada um contribui com R$ 20 ou vendemos camisas com meu nome. No bairro o pessoal também me dá um apoio. Dá para conseguir uns R$ 500 às vezes", contou o piloto ao Estadão. O apelido da Hamilton da Favela deixa o garoto orgulhoso.
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A iniciativa em ajudar Wallace começou com Gerson Zarpelão Junior, outro piloto da Fórmula Vee (FVee). Veio dele o dinheiro pagar a taxa de inscrição em três etapas e até o plano de fazer uma vaquinha para ajudar financeiramente a família do garoto durante a pandemia. "No que eu puder ajudar, vou fazer. O Wallace tem muito potencial. Ano que vem pretendo fazer um corrida no Canadá e a minha ideia é até levá-lo comigo", disse Zarpelão Junior.
Filho de um eletricista e de uma motorista de transporte escolar, Wallace começou a correr aos 12 anos em uma pista de kart em um shopping center. Depois disso a paixão pelo automobilismo só aumentou, apesar dos custos elevados do esporte. Com sacrifício os pais compraram anos atrás um kart usado, o mesmo que agora enfeita a sala da família junto com os troféus. "Como sei a dificuldade que foi para pagar esse kart, guardei na sala para não ficar tomando sol e chuva", explicou.
Neste ano o garoto disputa dois campeonatos ao mesmo tempo na Fórmula Vee: na categoria Júnior e na principal. Ao todo, disputou 26 provas, ganhou 12 e ficou fora de algumas etapas por problemas financeiros. A organização não cobra de Wallace o empréstimo do carro. Mesmo assim, o piloto guia um modelo mais antigo que os demais, com quatro marchas em vez de cinco.
A rotina diária dele está dividida entre treinos físicos e o papel de mecânico na oficina da categoria. A oportunidade de emprego veio do diretor da Fórmula Vee, Flávio Menezes, para ajudar Wallace a entender melhor o funcionamento dos carros. O garoto gasta quatro horas por dia nos deslocamentos até o trabalho para acompanhar as aulas online do terceiro ano do Ensino Médio.
"O Wallace é uma pessoa maravilhosa. Temos que unir esforços para ajudar. Além de tudo ele é um bom acertador de carros e tem interesse em aprender o funcionamento do motor", explicou Menezes. Consultor técnico da categoria e instrutor de jovens pilotos, Wilson Fittipaldi também o elogia. "É um garoto muito talentoso e esforçado, uma das grandes revelações. Mesmo com muitas dificuldades, ele tem lutado demais para se manter nas competições e o resultados são espetaculares", comentou.
O sonho do Hamilton da Favela é virar piloto profissional. "Apenas isso já me faria um campeão. Pelo lugar de onde eu vim, isso já valoriza o meu caminho", afirmou. Quem sabe no futuro Wallace possa chegar ao objetivo e poderá ter na sala de casa outros pertences além do amado e velho kart.