Tópicos | Balanço do ano

 

O ano de 2013 foi o primeiro da nova gestão da Prefeitura do Recife, liderada pelo prefeito Geraldo Julio. Na área da política cultural, Leda Alves foi a convidada para gerir a Secretaria de Cultura (Secult), responsável pelo planejamento das ações voltadas para cultura da cidade. Já Roberto Lessa aceitou o chamado de presidir a Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR), cuja principal função é a operação e execução das iniciativas elaboradas pela Secult. Em entrevista ao LeiaJá, o presidente da FCCR falou sobre a experiência de comandar uma instituição tão importante para o setor, além de revelar em primeira mão o posicionamento que a atual gestão pretende imprimir ao longo dos próximos anos. Na conversa, Lessa falou também dos principais desafios dos órgãos responsáveis pela cultura na gestão municipal e das novidades, a exemplo na reforma no Teatro do Parque e da inauguração da Rádio Frei Caneca. Assuntos como o orçamento de cultura do Recife, o novo formato de pagamento dos artistas, investimento em editais de contratação e a polêmica com Naná Vasconcelos em relação ao Carnaval 2014 também não ficaram de fora da entrevista. O encontro aconteceu no escritório da Fundação de Cultura Cidade do Recife, localizado na Rua Domingos José Martins, no Bairro do Recife.

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A nova marca da política cultural do Recife

As pessoas perguntam muito sobre a questão da multiculturalidade, se é uma marca da gestão anterior, e eu costumo responder o seguinte: multicultural é o povo recifense. É a cultura produzida no Recife. A gente tem isso como marca não de uma gestão, mas como marca de um povo. Então é impossível tirar essa história do 'multicultural' porque essa é uma característica da forma de pensar, fazer e consumir cultura. É uma marca importante. O que a gente está começando a pensar e fazer no nosso próprio estilo - e eu não sei como vamos chamar isso ainda - é algo que tivemos num primeiro momento durante esse Ciclo Natalino e que foi fantástico. 

É a questão de você fazer a cultura onde ela nasce, que é no meio das pessoas, dos bairros, das comunidades. A cultura do palco é importante, porque é um momento de prazer duplo no qual as pessoas absorvem cultura e lazer, mas elas precisam se sentir participantes deste processo também. Essa é uma marca que a gente vai procurar imprimir com muito mais força a partir de 2014. Na prática, no Ciclo Natalino de 2013, a decoração está aí na rua, quase pronta, com um tema diferente que é A natureza ilumina o Recife. A gente fez oficinas junto a essas comunidades, de desenho e pintura, que fazem parte da decoração da cidade. Foi um trabalho de colocar professores, monitores, levar equipamento, cadastrar pessoas que querem participar. Na base da nossa Árvore de Natal, no Bairro do Recife, estão desenhos feitos por crianças de comunidades como Santo Amaro, Chão de Estrelas e Ibura, entre outras. Eles se sentiram muito orgulhosos em estar lá. Outra coisa que fizemos foi uma parceria com a Companhia Editoria de Pernambuco (CEPE), que vai pegar esses desenho e transformar em cartões de natal, com a identificação de quem fez e o local. Isso deu um resultado tão bom que a gente está pensando em repetir, com oficinas durante o Carnaval ou São João. Não é só oficina, isso não resume o que é esse projeto. Na verdade é uma participação mesmo, seja no que for, porque se o poder público faz ele tem que dizer também pra onde é que vai depois. Se ele fomentou, ele também tem que absorver.

Carnaval 2013

O maior desafio foi propriamente fazer o Carnaval, porque desta vez a festa aconteceu num período muito próximo ao início do ano. A gente chegou com a missão de fazer em pouquíssimo tempo e pensar a política cultural pro Carnaval foi fundamental pra já dar essa marca da valorização da cultura popular, que está no programa de governo de Geraldo Julio. Mas, acima de tudo, a execução da festa foi um imenso desafio porque nós tivemos que fazer mais de 30 processos licitatórios neste período, ainda que a FCCR tenha suas próprias comissões de licitação. A Secult não tem e faz suas licitações na Secretaria de Finanças. Embora a gente tenha essa vantagem, não dá pra gerir um número de licitações como esse no tempo que a gente tinha. Então a gente recorreu também à estrutura da Secretaria de Finanças, que nos ajudou a tocar isso tudo sem diminuir em nada o Carnaval em relação ao ano anterior. Foi um desafio imenso. Houve inclusive acréscimos que foram feitos, experimentais, como o polo de Boa Viagem, que foi um polo descentralizado e em um formato diferente do que se tinha até então. Eu diria que executar o Carnaval, com tudo dando certo, foi o nosso maior desafio nesse primeiro momento da gestão.

Orçamentos dos Carnavais 2013 e 2014

O Carnaval 2013 custou em torno de R$ 30 milhões. Desse total, R$ 6,5 milhões foram de patrocínios captados pela Secretaria de Cultura. Mas esse valor foi líquido, porque não tivemos nenhuma empresa intermediando, aquela taxa de 20% que existia pra uma empresa fazer a captação não existiu mais. Todo o valor foi integralmente convertido em recursos para o Carnaval. Para o próximo ano o prefeito entendeu por bem colocar a captação de recursos na Secretaria de Turismo, e foi uma decisão muito acertada porque eu acho que o secretário Felipe Carreras a fez com uma competência muito grande. A gente conseguiu uma captação inédita, não só para esse ano, mas para os próximos três anos seguintes. A gente conseguiu com a Ambev, e aí não é só para o Carnaval, mas para os três ciclos, um valor de R$ 9,2 milhões ao ano. Claro que o Carnaval é o evento que tem mais alocação orçamentária de recursos, e possivelmente vai pegar o bolo maior, mas estamos ainda vendo isso. Só que a Secretaria de Turismo tem ainda a possibilidade de aumentar essa captação. Foi um passo acertado, porque ela também é liquida, sem intermediações. Vai começar agora no Ciclo Natalino, porque o processo ficou pronto antes do Natal. E isso com certeza nos deu uma tranquilidade maior para o planejamento dos eventos.

O Carnaval do próximo ano ainda está com processos licitatórios em andamento, como a questão dos palcos, banheiros químicos, extintores e tudo o mais que um evento desse porte demanda. A gente ainda está montando a grade da festa, negociando cachê, e fazendo toda a formatação, então realmente não dá pra dizer ainda quanto vai ser. Mas a ideia e a determinação do prefeito é de fazer mais com menos. Estamos planejando pra que o orçamento em 2014 fique no mesmo patamar, com a vantagem da gente ter o aporte maior do patrocínio privado nesse ano.

Polos comunitários dos ciclos festivos

Não houve nenhum decréscimo do número de polos nem no Carnaval nem no Ciclo Natalino, nem estamos pensando nisso para o próximo carnaval. É uma opinião muito pessoal, mas gente precisa aos poucos ir substituindo uma coisa por outra, não pra acabar, mas pra dizer que a cultura do receber é importante, porém menos importante do que a cultura do participar, do fazer junto. Primeiro porque é mais interessante nesse ponto de vista da pessoa se sentir partícipe, traz autoestima e saber pra ela, e por final é muito mais barato.

Uso da verba de patrocínio e da verba pública

Normalmente a gente faz o pagamento dos cachês com recursos do tesouro da Prefeitura do Recife. O que a gente coloca como pagamento de patrocínio são as contas que a gente tem uma flexibilidade maior de pagar, como pessoal, por exemplo, ou algumas coisas de infraestrutura. Em relação à contratação de artistas, já tem todo um processo definido pra isso, de mensuração de cachê, e o Tribunal de Contas já disciplina. A dificuldade que temos muitas vezes em fazer o pagamento tem duas vertentes: primeiro uma infraestrutura ainda deficiente pra fazer tantas ações que encontramos e que pouco a pouco temos corrigido. E segundo pela dificuldade por parte dos artistas, que por conta da informalidade, ainda não têm uma preocupação grande com a questão da documentação, e isso trava o pagamento independentemente da nossa vontade. 

Eu acho que a gente precisa descobrir outro formato para isso porque não dá pra ficar tratando este setor como uma indústria. E pra isso a gente fez junto à Secretaria de Cultura o Núcleo de Apoio Cidadão, no Pátio de São Pedro. Lá tem um espaço da FCCR e a gente colocou uma equipe com advogado, contador e computador para que os artistas possam ter mais flexibilidade, mais acesso, mais rapidez na questão de documentação. A ideia não é fazer por eles, isso não funciona, é fazer com que eles tenham uma orientação melhor. Enfim, há de se abrir uma discussão, fazer essa discussão com a Alepe, com o Tribunal de Contas, com a Procuradoria, buscar entendimento e dizer que a gente faz o Carnaval com a realidade daqui. A ideia é conciliar a realidade com as exigências formais.

Reforma do Teatro do Parque

A Secretaria de Projetos Especiais da Prefeitura do Recife vai lançar no começo do ano uma licitação com todos os elementos necessários para o restauro e conservação do Teatro do Parque, com previsão de inauguração no dia 24 de agosto de 2015. VEJA MAIS DETALHES VÍDEO: [@#video#@]

Melhorias no prazo de pagamento dos artistas

Nós conseguimos sim pagar em menos tempo (em 2013), mas isso não quer dizer que está suficiente, que está bom. Tanto pelo lado deles como do nosso tem que haver mais organização, mas nós vamos melhorar. Outra coisa que tem nos ajudado é a estruturação do Núcleo de Cultura Cidadã. Temos também uma conversa mais franca com os artistas. Então são duas frentes diferentes, a frente da estruturação da própria FCCR e a parceria de que as atrações também façam a parte deles.

Polêmica com Naná Vasconcelos em relação ao Carnaval 2014

Na verdade não é uma discussão de tirar a importância (da abertura do Carnaval com as nações de maracatu), isso nunca aconteceu. Houve somente uma mudança no formato. O respeito que a secretária tem por Naná Vasconcelos e por todas as nações que ele representa é grande, quem conhece Leda Alves tem certeza que a intenção não foi a de diminuir e a discussão era em torno de mudar o formato. Eles dialogaram e chegaram à conclusão de que o formato era adequado, até porque é, senão não tinha passado todos esses anos funcionando. Acho que foi uma boa decisão e todo mundo saiu ganhando na forma que ficou.

Festival do Frevo da Humanidade e o Festival de Música Carnavalesca

A Secretaria de Cultura já deu declarações sobre isso. Este ano é que se limitou somente ao frevo. Tivemos a opção de fazer no formato ideal e correr o risco de não realizar ou de fazer nesse momento como dava para marcar 2013 como o ano da volta dessas ações. Ter sido limitado ao frevo foi basicamente uma questão de tempo e infraestrutura. Para o ano volta tudo, o festival volta a ter a dimensão que sempre teve, incluindo também outros ritmos carnavalescos. Não existe a intenção de tirar nada disso.

A gente voltou em 2013 a ter coisas que estavam fora do cenário cultural. Eu vi algumas críticas muito localizadas em relação ao Spa das Artes, à divulgação dos festivais. Tudo bem, 'zero bronca', nós assumimos. A gente precisa melhorar isso, e o que tiver que corrigir nós vamos corrigir com muita tranquilidade.

Novo lugar para a Fundação e a Secretaria

Já no Carnaval nós ficamos em outro espaço, saímos da sede da prefeitura, porque muitas vezes faltava lá - e ainda falta - espaço físico pra juntar documentos, casar processos, despachar, é muito complicado. Neste momento estamos procurando um local pra migrar toda a Fundação de Cultura e depois juntar com a Secretaria de Cultura. Isso não é só uma questão de conforto, é questão de criar possibilidade e dar agilidade nos processos. Não é fácil, porque queremos ficar por aqui pelo Recife Antigo e um espaço desses às vezes não é muito fácil de achar, e quando acha ou é muito caro ou precisa de investimento e tempo demais. Mas já temos alguns bons contatos e acho que no início do próximo ano conseguimos resolver essa questão.

Investimento em editais de contratação

Como eu disse, a gente preferiu correr o risco de ter alguns processos que precisassem de correção do que não fazê-los. Nós nos propusemos a fazer tudo por edital, e isso foi uma marca registrada já dessa gestão na Secretaria de Cultura e na Fundação de Cultura. Esse ano acho que só o Carnaval que não foi assim, mas a partir do São João as ações foram com edital. Assim o poder público saiu daquela ação de ser o principal ator nesse processo, e passou a ser demandado. O edital faz isso. Ele propicia também que as pessoas nos procurem e se ofereçam a participar. E nos comprometemos que no mínimo 70% da composição que as curadorias escolheriam seriam de processos inscritos nos festivais, mas passamos disso fácil. Acho que foi em torno de 90%. O que compôs a grade de todos esses eventos foram os editais. Em alguns casos talvez não se tenha tido o tempo que seria melhor, mas todos eles aconteceram. Para o ano, com certeza a gente vai melhorar.

Formato dos festivais dos próximos anos

A gente precisa ampliar esse debate e saber qual vai ser a melhor formatação pra fazer os festivais. Precisamos trazer para os fóruns, o Conselho de Política Cultural. Nós fizemos isso esse ano, mas acho que a gente deve continuar numa medida muito maior. Temos que ouvir os especialistas. Precisamos saber onde é a intersecção entre o conjunto de pessoas que pensam essa discussão e o que a gente pode fazer pra que aconteça da melhor forma. Cabe a nós gestores compatibilizar o que o meio cultural acha em cada uma das linguagens.

Inauguração da Rádio Frei Caneca

A Rádio Frei Caneca vai começar a funcionar até o fim do primeiro semestre de 2014. VEJA MAIS DETALHES VÍDEO:

Orçamento da pasta da Cultura

Ao longo do ano são feitas várias modificações no orçamento, então o que conta mesmo é o que foi executado. E esse orçamento a gente tem feito acima da média nacional, que é 2%. A ideia é discutir esse orçamento não como um número vazio, mas dizer qual a nossa capacidade de executar a política cultural, algo tão importante a ser desenvolvido junto às comunidades. Então é qualificar o gasto também. Diminuição do orçamento não vai ter, pelo contrário, a gente vai trabalhar pra trazer recursos de fora e essa é a determinação do prefeito. E a captação privada não é a única. A gente tem que captar recursos também do Ministério da Cultura (MinC), junto ao Governo do Estado, junto às emendas parlamentares. Há várias formas de captar e a gente quer se estruturar pra fazer isso com competência. Esse ano o orçamento que a gente trabalhou foi algo em torno de R$ 70 milhões. Eu não tenho nenhuma dúvida de que, ao final do próximo ano, quando a gente tiver os remanejamentos orçamentários, a gente vai ter um número mais expressivo do que esse.

Reformulação do Sistema de Incentivo a Cultura (SIC) municipal

Eu acho que o SIC - e eu digo eu acho porque o SIC está muito mais vinculado à Secretaria de Cultura e quando se conversar com a secretária Leda Alves ela vai ter muito mais elementos pra falar sobre isso. Mas eu sou totalmente a favor desses editais e ai é uma opinião pessoal, porque o edital vai ao encontro de uma política cultural que a gente defende, que é democrática, inclusiva, isenta. Quando, por exemplo, fizemos um edital deixando esse formato mais participativo, quando a gente colocou o Núcleo de Cultura Cidadã pra dar mais facilidade para as pessoas, estamos no fundo discutindo o Sistema de Incentivo a Cultura, porque ele é um formato que precisa disso tudo. Eu tenho certeza que, para o ano, haverá uma definição em relação a isso. Não posso ainda adiantar se vai ser nesse mesmo formato que vem sendo discutido, mas com a ideia da isenção, da inclusão e da participação democrática que um projeto como o SIC envolve, portanto acredito que a gente tem sim novidade para o próximo ano em relação a isso.

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